“O saber indígena é intenso e convivemos com ele”, disse Douglas Nakashima, chefe da Seção para Pequenas Ilhas e Saber Indígena da Unesco, durante o Fórum sobre Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável realizado na PUC-Rio, em preparação para a Rio+20. Segundo ele, a Rio 92 foi extremamente importante para o reconhecimento internacional do saber tradicional dos povos indígenas.

Jacqueline Dias, Joji Carino, Roberto Marín, Manuela Cunha,
Douglas Nakashima, Jennifer Rubis e Myrna Cunningham

Participaram da mesa a Acadêmica Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha; Myrna Cunningham, membro do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas e do Centro para a Autonomia e Desenvolvimento dos Povos Indígenas (Cadpi); Roberto Marín, da Associação de Capitães e Autoridades Tradicionais Indígenas de Pira Paraná (Acaipi); Jaqueline Evangelista Dias, da Articulação Pacari; Jennifer Rubis, coordenadora do Climate Frontlines da Unesco; e Joji Carino, do Centro Internacional de Povos Indígenas para Política de Pesquisa e Educação (Tebtebba).

Cunha destacou que aquela era a primeira vez que o assunto era abordado dentro de uma sessão do Conselho Científico Internacional (ICSU), um dos organizadores do evento, que aconteceu entre os dias 11 e 15 de maio. “A principal temática aqui proposta é saber como conservar e proteger esse conhecimento tão antigo, passado de geração a geração, mas que também está em constante renovação”, frisou.

De acordo com a Acadêmica, os saberes autóctones, como também são conhecidos, podem contribuir para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. “Os povos indígenas têm um contato direto com a natureza e, consequentemente, com a biodiversidade. Precisamos pensar uma maneira de correlação mais íntima entre o conhecimento acadêmico e o tradicional”.

Buscando novas colaborações, estudos e reconhecimento na sociedade

Roberto Marín, da Colômbia, apresentou o trabalho do grupo Acaipi, que tenta criar uma relação de manejo adequado dos recursos naturais da Amazônia. “Fizemos um calendário ecológico e cultural sobre o território da região. A ciência que fazemos está intimamente ligada com a preservação ambiental”, destacou. Segundo ele, o grupo formula programas para promover o cuidado com o meio ambiente, a saúde e a educação.

Em 2011, a região do Pira Paraná foi reconhecida como patrimônio imaterial mundial pela Unesco, bem como o conhecimento tradicional dos xamãs jaguares da localidade. “Essas intervenções vêm desde nossos ancestrais, o que nos faz querer contribuir para os interesses da população amazônica e do planeta Terra”, complementou.

Em seguida, Jaqueline Dias expôs o trabalho que vem sendo conduzido por uma rede socioambiental que envolve a produção de medicinas naturais feitas a partir de plantas do cerrado brasileiro. As Farmacinhas do Cerrado, também conhecidas como Casas da Medicina, são espaços abertos ao público que fazem atendimento de saúde. Geralmente, são instalações caseiras e comunitárias, operadas por grupos de mulheres. “Já foram catalogadas mais de doze mil plantas medicinais, que são manuseadas pela população local”, explicou Jaqueline, acrescentando que existem 40 tipos diferentes de remédios caseiros vendidos a preços acessíveis ou doados para aqueles que não têm condição de pagar.

Os raizeiros(as), como se autodenominam as pessoas que realizam esse trabalho, por vezes têm suas farmacinhas fechadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porque a função não é regularizada no Brasil. Por conta disso, a Articulação Pacari sentiu necessidade de criar um arcabouço político para demonstrar a segurança e eficácia desses medicamentos, de forma a assegurar a prática dessa medicina tradicional. “Procuramos nos basear em três pilares para garantir a continuidade: técnicas sustentáveis de coleta, higiene e boas práticas de preparação dos remédios e indicação de uso”, explicou Dias.

Já Myrna Cunningham, da Nicarágua, tratou da transmissão do conhecimento indígena e sua inserção no ensino superior, lembrando que há cada vez mais consciência da importância desses saberes para o desenvolvimento sustentável e a necessidade de preservá-los como bem cultural. “Os povos indígenas devem ser protagonistas políticos e atuar principalmente na educação”, afirmou.

Segundo ela, um exemplo que traduz essa relação com a educação é a Cátedra Indígena Itinerante (CII), integrada à Universidade Indígena Intercultural, uma rede de centros associados de mais de 20 países. De acordo com Cunningham, a inserção desse conhecimento em faculdades convencionais de diferentes países tem sido estimulada, como forma de apoio ao multiculturalismo. Até o momento, passaram pelo programa 1.000 jovens indígenas de 19 nações da América Latina e Caribe. “É muito importante essa geração enxergar na universidade sua cultura, mostrando seus valores perante o mundo e fazendo a ponte com outras ciências”, frisou Myrna.

A última apresentação foi de Joji Carino, que relacionou os povos indígenas com as mudanças climáticas, destacando que eles se encontram na linha de frente de todo o processo. “E por qual motivo? Vivemos vulneráveis aos impactos dessas mudanças porque nossas casas são construídas em pequenas ilhas, altas atitudes, áreas desérticas e em lugares mais frágeis”, explicou. Para ela, o conhecimento indígena pode ajudar na previsão do clima, sendo um ator e parceiro em negociações políticas e acordos científicos, bem mais do que um mero alvo de intervenção.

Ao final da sessão, os palestrantes sublinharam a importância de se aumentar a consulta aos povos indígenas, principalmente no tocante à elaboração de políticas públicas. Por fim, ocorreu o lançamento do livro Weathering Uncertainty – Traditional Knowledge for Climate Change Assessment and Adaptation, publicado pela Unesco e pela United Nations University, que pode ser baixado gratuitamente.