Para discutir os grandes temas de interesse nacional na área da engenharia, a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), apoiada pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, promoveu nos dias 25 e 26 de outubro de 2011 a 1ª Conferência USP sobre Engenharia, no campus da capital. O evento contou com a presença de especialistas de renome, do Brasil e do exterior, que abordaram questões relacionadas à inovação, sustentabilidade, energia, educação e regulamentação em engenharia.

A mesa foi composta pelo pró-reitor de Pesquisa da USP, Marco Antonio Zago; o diretor- presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), João Fernando Gomes de Oliveira; o diretor da Escola Politécnica da USP, José Roberto Cardoso; o vice-diretor da Escola Politécnica da USP e coordenador do evento, José Roberto Castilho Piqueira.


José Roberto Cardoso, João Fernando Gomes de Oliveira,
Marco Antonio Zago e José Roberto Castilho Piqueira

Piqueira abriu o evento relembrando que, em sua época de formatura como engenheiro pela USP de São Carlos, o mercado para a área era muito aquecido: “os bem formados escolhiam onde queriam trabalhar”, conta. Em meados dos anos 80, porém, houve o que ele chamou de “apagão da engenharia” no Brasil. “As pessoas acreditavam que o progresso social, humano e científico não passava pela nossa engenharia, apenas por aquela comprada fora do país”, relata Piqueira. Os jovens brilhantes se afastaram da área e a relação candidato-vaga nas universidades diminuiu assustadoramente. Após se passarem 15 anos – perdidos, a seu ver – a situação vem se modificando desde o ano 2000, com a ocorrência de várias iniciativas importantes como a Embrapa, a Embraer, a Vale, a Petrobras e diversas outras empresas e construtoras. “Percebeu-se que não dá para ter progresso e qualidade de vida sem a engenharia”, observou o coordenador do evento.

Hoje, já é lugar comum dizer que o Brasil precisa de engenheiros. “Há uma correria para que o país passe a formar um número determinados de engenheiros por ano – mas ninguém vai fazer isso com uma penada, num único instante. Precisamos retomar o progresso da área de maneira consciente e gradativa, e isso passa pela boa formação de professores de engenharia”, destacou o coordenador.

Piqueira destacou que quando vemos os grandes problemas do planeta hoje – energia, água, saúde pública, meio ambiente e, principalmente, democratização da qualidade de vida – vemos que a engenharia é fundamental nisso tudo. “E é por isso que eu e os professores Vanderley John, Ivan Falleiros, Henrique Rozenfeld e Osvaldo Nakao assumimos o desafio de trazer autoridades destacadas do país para começar um debate sério e construtivo sobre a engenharia no Brasil.”

A especialização é inibidora da inovação

O diretor da Escola Politécnica da USP (Poli-USP) José Roberto Cardoso relatou que, em 2010, o país tinha 180 mil vagas abertas para Engenharia e apenas 150 mil foram preenchidas. No entanto , saíram formados nesse mesmo ano apenas 35 mil – apenas 20% do total de ingressantes. “E desses, apenas um em cada quatro tem boa formação.” Ou seja, o rendimento é muito baixo. Cardoso alertou para a necessidade de se discutir essa situação e de se refletir sobre as técnicas de ensino que são utilizadas atualmente, para que se possa reverter esse quadro. “Em torno de 60% dos ingressantes abandonam o curso antes do fim do segundo ano. Temos conversado muito com nossos parceiros de física, química, matemática do Ciclo Básico pra ver se conseguimos identificar os problemas.”, informou.

No país, a participação das mulheres na engenharia é muito baixa – apenas 14% dos estudantes são do sexo feminino. Na Poli-USP, a frequência já sobe para 25%, mas ainda é a profissão que tem menor contingente feminino na universidade como um todo. “E está provado que quando a mulher se insere em qualquer atividade, essa atividade tem seu desenvolvimento acelerado. Por isso, precisamos de mais mulheres na engenharia”, defendeu Cardoso.

O diretor destacou que a Escola Politécnica está num movimento de reestruturação curricular. “São 17 programas de engenharia atualmente”. Essa concepção, porém, é da década 70 e, segundo Cardoso, quando se queria formar engenheiros que saíssem produzindo. “Será que é preciso ter um engenheiro específico para telecomunicações, para energia ou para controle? Não podemos pensar num engenheiro mais generalista, com uma formação mais abrangente?”

Para reforçar sua tese, Cardoso citou alguns exemplos emblemáticos. “Sabemos que a IBM era a maior especialista em fazer computadores, mas não foi lá que foi inventado o primeiro microcomputador. Foi inventado numa garagem, por alguém que nem formado em engenharia era”. Além de citar Steve Jobs, Cardoso lembrou também que a ATT era uma das maiores empresas especialista em comunicação, mas não foi quem inventou o primeiro celular. “Isso mostra que a especialização é inibidora da inovação”, apontou o diretor da Poli. Para Cardoso, empreendedorismo não é algo que nasce obrigatoriamente com a pessoa – é algo que se aprende. “Temos exemplos aqui mesmo na Poli de estudantes que ousaram, criaram e construíram grandes empresas. E é disso que precisamos agora.”

O problema vem da base

Representando o presidente da Capes, o engenheiro João Fernando Gomes de Oliveira destacou que o futuro de qualquer país depende da motivação dos jovens. Ele deu como exemplo a Alemanha, que sempre foi pioneira em engenharia mecânica e hoje não tem mais jovens interessados nessa área. “Nós precisamos motivar nossos jovens para as engenharias, estamos sempre procurando melhorar os cursos, mas não conseguimos motivá-los. Precisamos de um novo modelo, tipo mão na massa, baseado em resolução de problemas desde a primeira aula, em que a teoria venha depois para ajudar a resolver.”

Hoje diretor presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), Oliveira está afastado do cargo de professor titular da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Mas pelos anos de experiência na área, pode afirmar que a massa de jovens que entra na engenharia vem do ensino médio sem base, sem condições para perseguir o caminho do aprendizado em engenharia. “A maioria não tem condições de atender aos requisitos necessários para fazer uma graduação em engenharia. O problema começa na base e é crítico”. Para Oliveira, o Brasil se encontra num momento com grandes oportunidades de desenvolvimento, mas não terá como aproveitar essas oportunidades se não tiver profissionais qualificados. “Acho que essa Conferência vem num momento fundamental.”

Conferências USP: espaço de discussão permanente

O pró-reitor de pesquisa da USP e Acadêmico Marco Antonio Zago, criador da série de Conferências USP, explicou que elas foram programadas em dez a cada ano, nas diferentes áreas do conhecimento. Em 2011, já foram realizadas as de química, direito, medicina, ciências políticas e economia e células-tronco. “No próximo ano, toda a série se repete e assim por diante. Nossa ideia é que esse se transforme num espaço sólido de discussão permanente”, ressaltou Zago.Com relação aos temas abordados na Conferência de engenharia, Zago apontou que para tratar da questão da formação dos engenheiros, é preciso tratar da questão da qualidade do ensino médio – que é um problema que escapa à universidade, é o problema do Brasil. “Estamos sofrendo agudamente as consequências desse problema.”

Zago acredita que a universidade pode e deve contribuir para a formação do professor no ensino básico, tanto formalmente, porque ela tem cursos para isso, como através da sua ação junto à comunidade. “Eu sou muito entusiasta de programas que a universidade tem, que trazem alunos do ensino médio e professores para aprender com a ciência”, opinou. “A universidade de São Paulo tem algum desses programas e nós pretendemos expandi-los. Neste momento, estamos tratando de criar um foco nesse tipo de atividade no campus da USP Leste.”

A meta proposta pelo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), lançado em 2010, é formar 20 mil doutores por ano em 2020. Isso significa, no entanto, que quatro ou cinco anos antes, em 2015, deveriam estar entrando 25 mil candidatos ao doutorado. “Hoje entram oito mil, então parece que essa meta não vai ser alcançada. Para que isso ocorresse, também precisaríamos ampliar muito a nossa infraestrutura.”

Comparados com os países latino-americanos, o Brasil fez um grande avanço nos últimos 20 anos, em termos de recursos humanos em geral. “Formamos 75% dos doutores desse grupo de países, incluindo o México. No entanto, formamos hoje 56 doutores por milhão de pessoas enquanto a Alemanha forma 300 e o Estado de São Paulo forma 100. Para chegarmos ao nível dos países desenvolvidos temos que triplicar esse número.”

Vejam, a seguir, matérias sobre todas as palestras apresentadas no evento.