A paulistana Ana Luiza Cardoso Pereira nasceu em Santos, mas passou sua infância – dos dois aos 11 anos – em Itapeva, cidade do interior de São Paulo. Filha de um engenheiro e de uma psicóloga e educadora, Ana Luiza tem dois irmãos mais novos. “Em Itapeva, minha mãe idealizou e montou uma escola, onde estudei da primeira à quinta série, atual sexto ano. Foi uma experiência muito boa e marcante na minha vida ter visto tão de perto o processo de funcionamento e os bastidores de uma escola”, conta.

A avó materna sempre foi ligada à área de educação e, mesmo à distância, ajudou na criação da escola. “Minha avó sempre trabalhou: se formou em pedagogia na USP, trabalhou em diversas escolas e universidades, fez mestrado na Unicamp, escreveu livros e se mantém atuante até hoje. Posso dizer que sempre tive exemplos na família de mulheres fortes e realizadoras”.
Aos doze anos, Ana se mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde todos se adaptaram muito bem. Na escola, tinha muita facilidade com matemática e física, mas também gostava de disciplinas da área das Ciências Humanas e Sociais. “Tive muita dúvida ao escolher o que cursar na época do vestibular, mas logo nos primeiros meses de faculdade vi que era física mesmo o que eu queria”. Fez a graduação em física na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde se formou bacharel, em 1998, com uma turma de apenas quatro pessoas, sendo ela uma das três mulheres.
Durante a graduação, participou, por três anos, de projetos de iniciação científica. O primeiro deles foi experimental, vinculado à linha de “Colisões Atômicas” do laboratório Van de Graaff, sob orientação do professor Geraldo M. Sigaud. Em 1997, iniciou o segundo projeto, em física teórica computacional, intitulado “Transporte e Flutuações Espectrais em Estruturas Mesoscópicas”, sob a orientação do professor Eduardo R. Mucciolo. “Essa iniciação, que durou um ano e meio, influenciou fortemente a minha trajetória de pesquisa, pois aprendi diversos conceitos físicos e ferramentas de cálculos numéricos que serviram de base para os meus trabalhos desenvolvidos na pós-graduação”, explica.
Assim que terminou a graduação, Ana mudou-se para Campinas e deu início, em 1999, aos estudos de pós-graduação no Instituto de Física da Unicamp. Tanto o mestrado quanto o doutorado (2001 e 2005) foram orientados pelo prof. Peter A. Schulz, com quem estudou o problema de “Levitação de Estados Estendidos” no regime Hall quântico. Durante um ano, a pesquisadora desenvolveu um trabalho na Universidade de Oxford, na Inglaterra, através de uma bolsa de doutorado-sanduíche da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes/MEC), sob a supervisão de John Chalker, especialista em problemas relacionados ao efeito Hall quântico.
Em abril de 2005, a física iniciou suas atividades como pós-doutoranda no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, junto ao grupo liderado pelo pesquisador Gilberto Medeiros-Ribeiro. Ana conta que o grupo experimental era bastante atuante na área de nanoestruturas semicondutoras e que, na época, desenvolvia linhas de pesquisa com aplicações na área de computação quântica. “No Laboratório, percebi na literatura um grande interesse em torno da descoberta de um novo e surpreendente material: o grafeno, que é formado por uma rede de átomos de carbono da espessura de um único átomo”. A impactante observação do efeito Hall quântico anômalo em grafeno, em 2005, motivou-a a escrever um projeto para investigar as propriedades eletrônicas desse sistema, aproveitando sua experiência acumulada no mestrado e doutorado sobre sistemas bidimensionais no regime Hall quântico. “Este projeto foi aprovado pela Fapesp e, assim, eu encerrei o meu período no LNLS. Comecei a trabalhar neste novo assunto na Unicamp a partir de janeiro de 2007”.
Desde então, Ana Luiza tem realizado pesquisas na área das nanociências, dedicando-se, nos últimos anos, à investigação das propriedades eletrônicas do grafeno. Através de simulações computacionais, ela tem estudado, principalmente, como a impressionante capacidade do grafeno de conduzir corrente elétrica é afetada pela presença de diferentes tipos de imperfeições – desordem – em sua rede e por campos elétricos e/ou magnéticos aplicados ao material. “Mesmo com todos os grandes avanços da nanociência e da nanotecnologia observados nas últimas décadas, não se acreditava até poucos anos atrás que fosse possível manter estável um material cuja espessura fosse de apenas um único átomo”, esclarece a pesquisadora.
Estabilizado pela primeira vez em 2004, o grafeno vem revolucionando a física e a eletrônica, pois revelou propriedades completamente novas, não-convencionais, que têm atraído grande atenção. “A qualidade do grafeno para o transporte eletrônico é excepcional, com altíssimas mobilidades mesmo à temperatura ambiente, de modo que ele tem se configurado como um possível candidato a substituir o silício em chips e dispositivos eletrônicos”, ressalta. Ana conta que além das monocamadas, duas ou mais folhas de grafeno, acopladas umas sobre as outras, também têm sido alvo de intensa pesquisa.
Em seus estudos, a pesquisadora tem comparado os efeitos de diferentes tipos de desordem, como, por exemplo, impurezas, defeitos e imperfeições na rede que alteram ligeiramente o caráter estritamente bidimensional do grafeno. “A descrição das propriedades eletrônicas desse material deverá levar a futuras manipulações dessas propriedades em diversas aplicações”.
Casada com o Membro Afiliado da ABC e também professor da Unicamp Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, com quem teve o pequeno Eric, nascido em 2006, e a filha Mila, em 2008, Ana declara estar muito feliz por conseguir conciliar a carreira de pesquisadora e professora com a maternidade, apesar de “nem sempre ser fácil”. “Muitas vezes tenho levado as crianças comigo para congressos. Mas eu e minha família sempre nos ajudamos muito. O apoio dos meus pais à minha escolha profissional também sempre foi muito grande e fundamental pra eu ter conseguido chegar até aqui”.
A ganhadora conta que o caminho que seguiu não é simples, pois é preciso muita dedicação e estudo. “Para jovens que gostam de aprender, vale muito a pena. É uma profissão onde você tem grande liberdade de escolher e pesquisar o que te desperta interesse. Descobrir algo novo, mesmo que seja uma única pequena peça de quebra-cabeça que você consiga contribuir para encaixar, traz uma grande satisfação pessoal”, diz. Para ela, a sensação de acompanhar as fronteiras do conhecimento da área onde atua é muito boa. “Além disso, você convive com pessoas interessantes do mundo todo, viaja para participar de congressos e c
olaborações, o que é bastante enriquecedor”.
Por fim, Ana reconheceu que ganhar a bolsa-grant ABC-L Oréal-Unesco Para Mulheres na Ciência é uma enorme satisfação e alegria, assim como um incentivo para o futuro de sua carreira. “Acho importante essa iniciativa de valorizar e tentar atrair mais mulheres para a ciência em geral”, diz. “Na física, em particular, o número de mulheres não costuma passar de 20% do total de pesquisadores”.