A engenheira agrônoma Victória Rossetti, reconhecida como uma das maiores pesquisadoras no mundo em doenças que atingem a citricultura, morreu na madrugada do domingo (26/12), de pneumonia, aos 93 anos. O velório e sepultamento foram realizados no Cemitério do Morumbi, no mesmo dia. Pioneira no estudo das doenças de plantas cítricas, pesquisadora do Instituto Biológico, deu o nome clorose variegada dos citros (CVC) à doença que identificou como causada pela bactéria Xylella fastidiosa.
“Em nome da Fapesp, é com grande pesar que lamentamos o falecimento da doutora Victória, pioneira no estudo das doenças que acometem as plantas cítricas, cientista de carreira belíssima e de grande importância, responsável por formar e apoiar gerações de pesquisadores brasileiros e que esteve ligada à Fapesp desde a sua fundação”, disse o Acadêmico Celso Lafer, presidente da Fapesp.
“Ela foi um das maiores autoridades em fitopatologia no país. Trabalhou com quase todas as doenças de laranjeiras, desde a “tristeza dos citros”, na década de 1940, doença provocada por vírus, passando pela leprose de citros, cancro cítrico e declínio dos citros”, disse o Acadêmico Elliot Watanabe Kitajima, professor aposentado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), à Agência Fapesp.
Veridiana Victória Rossetti nasceu em Santa Cruz das Palmeiras (SP), em 15 de outubro de 1917, filha de imigrantes italianos – o pai, Thomaz, estudou agronomia. Viveu os primeiros meses na fazenda Santa Veridiana, de onde recebeu o primeiro nome, e cresceu na fazenda Paramirim, adquirida por seu pai, no município de Limeira.
Interessou-se pela fitopatologia já nesta época quando, com os irmãos e orientados pelo pai, colhia material para estudar o efeito das pragas e doenças que afetavam as plantas. Iniciou seus estudos no Collegio S. Vicenzo de Paula, na Itália, seguido pelo Colégio São José, em Limeira, e pelo Colégio Piracicabano.
Foi a primeira engenheira agrônoma formada pela Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, em 1937. Em 1940, ingressou como estagiária no Instituto Biológico, onde desenvolveria toda a sua carreira.
Dedicou-se sempre à pesquisa das doenças dos citros. Iniciou seus trabalhos sob orientação de Agesilau Bitancourt, que a encaminhou para estudos do isolamento de fungos do gênero Phytophthora da gomose dos citros. Com o advento da tristeza dos citros, em 1947, tornou-se prioridade a necessidade de se adotar um porta-enxerto tolerante ou resistente às duas doenças.
Seguiu para os Estados Unidos, onde realizou, em 1947, curso de Estatística Experimental na Universidade da Carolina do Norte. Em 1951 e 1952, com bolsa da Fundação Guggenheim, estudou fisiologia de ficomicetos na Universidade da Califórnia em Berkeley, e fez especialização em fungos do gênero Phytophthora, com o professor J. Zentmyer, em Riverside.
Passou a integrar a Comissão Internacional de Phytophthora. Em 1960, com apoio da Fundação Rockefeller, visitou as estações de pesquisas em citros na Flórida e na Califórnia. A convite do governo da França e do Institut National de la Recherche Agronomique (Inra), desenvolveu programa de colaboração científica, trabalhando, em 1961, com Joseph Bové em estudos sobre viroides dos citros.
Capacitou-se nas técnicas de diagnóstico de vírus transmissores por enxertia, visando ao Programa de Registro de Matrizes de citros livres de vírus, implantado no Estado de São Paulo.
Em 1958, iniciou trabalhos sobre a leprose dos citros e experimentos para seu controle. Resultado relevante foi a comprovação do ácaro Brevipalpus phoenicis como vetor da leprose e, em 1965, também como vetor da clorose zonada.
Estudos sobre o cancro cítrico e sobre a clorose variegada dos citros (CVC) – nome sugerido pela pesquisadora em substituição ao popular “amarelinho” -, causada pela bactéria Xylella fastidiosa, motivaram vários trabalhos, com colegas de diversos institutos no Brasil e no exterior.
Foi presidente da Comissão Permanente de Cancro Cítrico de 1975 a 1977. Teve mais de 300 trabalhos publicados ou apresentados em congressos nacionais e internacionais e recebeu dezenas de prêmios e homenagens, entre os quais a Medalha Sigma Xi da Universidade da Califórnia (1952), o título de Engenheira-Agrônoma do Ano da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (1982) e o de Professor Honorário da Universidade de Flórida (1987), o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, da Embrapa (1993) e a Medalha Luiz de Queiroz (1999).
Membro da Academia Brasileira de Ciências, foi condecorada com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico pelo presidente da República em 2004.
No Instituto Biológico, assumiu a chefia da Seção de Fitopatologia Geral em 1957, tornando-se diretora da Divisão de Patologia Vegetal em 1968, cargo no qual se aposentou em 1987. Mesmo depois de aposentada continuou suas pesquisas junto ao instituto. O Herbário Uredinológico “Victória Rossetti” é parte do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal do instituto. Em 1988, recebeu o título de Servidora Emérita do Estado de São Paulo.
Descobertas e nomes
O nome Victória Rossetti estará sempre profundamente ligado às pesquisas das doenças que atingem as plantas cítricas. Se o Brasil se tornou o maior exportador mundial de suco de laranja, não foi sem vencer ou controlar uma série de doenças dos citros e a cientista se envolveu com boa parte delas.
Com a leprose dos citros, especificamente, começou a trabalhar em 1959. A doença foi descrita em 1935 e teve sua transmissão associada a um ácaro por Agesilau Bitancourt, seu mentor no Instituto Biológico.
“A leprose provoca manchas amarelas nas folhas e lesões escuras e deprimidas nos frutos. Os frutos terminam caindo em grande quantidade, o que resulta em perda de produtividade e de qualidade, principalmente da laranja doce”, explicou a pesquisadora anos depois. Em 1972, Kitajima constatou pela primeira vez, por microscopia eletrônica, um bastonete semelhante a vírus em lesões de leprose.
“Foi da doutora Vitória o primeiro avanço no conhecimento da leprose de citros, ao destacar a importância do controle do vetor da doença, transmitida pelo ácaro Brevipalpus phoenicis, que afeta principalmente as laranjeiras doces”, disse César Martins Chagas, pesquisador aposentado do Instituto Biológico, que trabalhou durante anos com a pesquisadora no estudo da leprose de citros.
Outra doença, o cancro cítrico, foi importante para a cientistas e para a própria FAPESP. Em 1963, quando a Fundação mal completara um ano de funcionamento, a doença se alastrava e ameaçava a jovem agroindústria da laranja no Estado de São Paulo.
Foi nesse momento que a Fapesp concedeu o primeiro auxílio para os estudos de controle do cancro, realizados no Instituto Biológico sob a direção de Victória. Desde então, a Fundação concedeu mais de dez outros auxílios às pesquisas feitas pela cientista.
Em 1987, foi convidada a identificar uma doença nova na Fazenda Ana Prata, na região de Bebedouro (SP). “Eu não sabia o que era”, diria anos mais tarde. Ninguém sabia. Aos poucos, a pesquisadora foi desvendando o mistério. Cobrindo algumas plantas com telas e comparando-as, depois, com as que estavam expostas, ela descobriu que o vetor da doença era um inseto: as plantas cobertas continuaram sãs.
Para testar a hipótese do entupimento dos vasos da planta, criou um equipamento tão simples quanto engenhoso: tubos transparentes por onde eram introduzidos galhos da planta. Depois, eles eram cheios com água. Nos tubos que continham galhos saudáveis, surgiam muitas bolhas, como resultado do ar que saía dos vasos da planta.
Nos tubos contendo plantas doentes, a água borbulhava bem menos, prova de que os vasos estavam entupidos. Para identificar a bactéria causadora da doença, Victória foi à França, onde teve a ajuda de Joseph Bové, especialista em fitopatologia.
No mesmo ano, a pesquisadora identificou a bactéria Xylella fastidiosa, causadora da doença a que deu o nome de clorose variegada dos citros. “Chamei-a assim porque as manchas amareladas na folha apresentam-se de forma variegada, não contínua”, disse. O sequenciamento do genoma da bactéria foi concluído treze anos depois, em um dos grandes momentos da história da ciência brasileira.
“A identificação do patógeno pela doutora Victória foi o ponto de partida do projeto de sequenciamento apoiado pela Fapesp. Outro ponto a se destacar é que ela soube fazer brilhantemente a mediação do conhecimento entre a academia, técnicos e produtores. A prova disso são os manuais que escreveu direcionado aos técnicos”, disse Kitajima.
“Ser visionário e ter extrema capacidade de desenvolver trabalhos são duas características muito difíceis de se encontrar em um pesquisador, mas que a doutora Vitória tinha de sobra”, disse Chagas.