A Conferência sobre Educação Superior, parte da série de eventos científicos do Ano da Alemanha no Brasil, organizada pela Academia Brasileira de Ciências em parceria com a Academia Alemã de Ciências Leopoldina, foi coordenada pelo reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Álvaro Prata.
Ele foi o primeiro palestrante, seguido pelo diretor da Universidade de Tecnologia de Hamburgo (TUHH, na sigla em alemão), Edwin Kreuzer. A terceira palestra foi do coordenador alemão do evento, Detlev Ganten, presidente do World Health Summit e diretor do Conselho da Charité Foundation, em Berlim. O encerramento foi feito pelo presidente do CNPq, o Acadêmico Carlos Alberto Aragão, que apresentou aos convidados alemães a estrutura do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia, implantado pelo ministro Sergio Rezende.
O cenário brasileiro
Álvaro Prata comparou os dois países em alguns aspectos relativos a C&T e educação superior, começando com uma contextualização de ambos. O Brasil tem 189 milhões de habitantes, enquanto a Alemanha tem pouco menos de 83 milhões. Ressaltou a influência alemã, especialmente nos estados do Sul do país. “As universidades do Sul devem muito ao sistema educacional alemão, especialmente em tecnologia e engenharia”, afirmou o reitor, cujas áreas de atuação são a Engenharia Mecânica e a Elétrica. Em termos de investimentos em C&T, a Alemanha está em 4º lugar no mundo, de acordo com o Relatório Unesco de Ciência de 2007. “O Brasil ainda tem muito a caminhar nesse setor”, comentou Prata.
Destacando os pontos fortes do Brasil na área, Prata citou a larga área e o bom solo, a grande população, a fartura de recursos naturais, o potencial para energia renovável, a ciência forte e a criatividade de seu povo. Como pontos fracos apontou a desigualdade econômica, educacional e social, a pobreza da educação científica infanto-juvenil, a baixa motivação em determinados setores industriais e a escassez de engenheiros – em cada 100 diplomados no ensino superior, apenas seis são engenheiros. “Para incrementar a economia, o número de engenheiros no Brasil hoje é preocupantemente baixo”, observou Prata. Um dos reflexos dessa limitação, por exemplo, seria o número estacionário de patentes no país. “Embora os índices de crescimento brasileiro em termos de publicações científicas tenham aumentado, o de patentes continua igual”, alertou o engenheiro.
Prata destacou que apenas 13% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos chegam ao ensino superior, índice baixo para um país em crescimento. E a escolha dos cursos por parte desses jovens também não condiz exatamente com as necessidades do país: mais de 35% dos alunos do ensino superior estão na área de Administração, Direito e Pedagogia. Além disso, 63% dos estudantes procuram cursos noturnos.
Esta é outra diferença marcante entre os dois países: no Brasil, 89,5% das instituições de ensino superior são privadas. “E é nessas 10,5% de instituições públicas que se concentra a pesquisa feita no país”, esclareceu Prata. Além de serem minoria, as universidades públicas formam pouco mais da metade dos alunos em quatro anos, tempo médio de duração dos cursos. Em torno de 40% dos estudantes não conseguem concluir o curso no tempo estabelecido ou o abandonam totalmente, sendo altíssimo o índice de evasão universitária no país. “Por isso as universidades públicas brasileiras estão investindo em oferecer cursos noturnos, coisa que as instituições particulares já faz há um bom tempo, já que grande parte dos estudantes precisa trabalhar para ajudar a família. A educação à distância também está crescendo, voltada para esse nicho de público”, relatou o palestrante.
Perspectivas para o futuro próximo
Os planos do Brasil para a educação superior nos próximos anos estão traçados e envolvem um forte compromisso social, com previsão de ações afirmativas na política de assistência aos estudantes – como acomodações, alimentação, bolsas de estudo e outras iniciativas. Outras propostas definidas pelo Plano Nacional de Educação são o investimento em ensino a distância; no ensino cooperativo em parceria com a indústria e diversos setores da sociedade; na mobilidade estudantil – de forma a permitir que um aluno possa fazer parte de sua formação em outras instituições; e a criação de cursos internacionalizados – com aulas em várias línguas.
Um aspecto fundamental das mudanças propostas é a flexibilização dos currículos e o estímulo à criação de cursos interdisciplinares. “O mercado hoje demanda profissionais com visão múltipla. Um engenheiro com formação em Biologia ou em Física, por exemplo, tem o diferencial necessário para se encaixar em alguns projetos importantes”, explicou Prata.
Com relação aos currículos, deu como exemplo a Universidade Federal do ABC (UFABC), cujos currículos para formação tecnológica não são mais divididos em quatro cadeiras de Cálculo, quatro de Física etc., mas em Estrutura da Matéria, Energia, Processos de Transformação, Representação e Simulação (modelagem matemática), Informação & Comunicação, Humanidades & Ciências Sociais. “O engenheiro, o matemático e o físico são parte de um coletivo social, precisam conhecer suas manifestações culturais, outras formas de expressão criativa e outras linguagens diferentes das suas. Um curso de tecnologia que não contempla essas áreas está falhando na sua função de formar um ser humano pleno e um cidadão com capacidade de compreender a sociedade em que vive de forma global e interferir nela.”
Prata também foi enfático na defesa de uma educação criativa. Afirmou que o ensino superior deve ter como objetivo formar profissionais capazes de aprender e descobrir por si mesmos, treinados para resolver problemas e encarar desafios. “Como se faz isso? Fazendo com que, nos cursos universitários, os alunos resolvam problemas e enfrentem desafios…”
Por fim, o reitor da UFSC apresentou o REUNI, programa do Governo Federal de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais do país, que oferece as linhas de ação para que as universidades adaptem de acordo com suas necessidades e realidades locais. “Os objetivos gerais são os mesmos, a maneira de atingi-los é que vai ser diferente para cada instituição ou grupo de instituições”, explicou Prata. Esses objetivos incluem a ampliação do número de estudantes universitários, com aumento de oferta de cursos noturnos; o uso de espaços desocupados e a redução da evasão. “E as mudanças no ensino superior vão se refletir no ensino básico, precisamos envolver os estudantes de graduação com os do nível básico”.
Pelo que foi apresentado na Conferência, as propostas realmente refletem a ideia de compromisso social. Espera-se que o próximo governo as assuma integralmente.
Cenário internacional
O evento contou também com a apresentação do presidente da Universidade de Tecnologia de Hamburgo (TUHH, na sigla em alemão), Edwin Kreuzer, sobre a Declaração de Bolonha (Bologna Declaration, também conhecida por Acordo de Bolonha ou Processo de Bolonha), documento assinado por 29 países em junho de 1999 e que atualmente conta com 46 países signatários – um quarto dos países do globo – e 5.600 instituições.
O documento visava a criação do Espaço Europeu de Educação Superior (EHEA – European Higher Education Area) – que se tornou realidade na Declaração de Budapeste-Viena em março de 2010. Kreuzer explica que o acordo não impõe uma uniformização do Ensino Superior Europeu: os valores de diversidade e princípios de autonomia de cada instituição são respeitados.
A declaração exalta uma reforma educacional que priorize um sistema compatível entre universidades e que promova ações em comum. O objetivo principal é promover a mobilidade e empregabilidade dos cidadãos e universitários europeus e, conseqüentemente, aumentar a competitividade do ensino superior. A meta em 1999 era que o acordo estivesse completo pelo ano de 2010.
Kreuzer detalhou alguns dos objetivos específicos citados na declaração, como o estabelecimento de um sistema de créditos capaz de promover uma mobilidade estudantil de longo alcance; mobilidade para estudantes, professores e demais atuantes da área da educação, assegurando um leque de experiências e oportunidades, tanto no país de origem, quanto nos externos a ele; implementação de um sistema de equivalência dos graus adquiridos pelos estudantes, que seria alcançado também pela validação do diploma, a fim de promover aos cidadãos europeus empregabilidade e competitividade internacional; dentre outros.
Com os objetivos implementados, as universidades teriam um padrão de comparação e compatibilidade dos graduandos, o que aumentaria a atratividade de estudantes de outras regiões do globo para os países da Europa. Kreuzer esclareceu que os países signatários decidiram se empenhar na cooperação intergovernamental, com reuniões dos ministros da Educação de cada país para reafirmar a validade do tratado.