Confira a matéria publicada na Folha de S. Paulo, abordando o manifesto escrito por reitores de três universidades paulistas, que se mobilizaram para preservar programas científicos. O documento foi escrita por Sylvio Canuto (membro titular da ABC), pró-reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP); Edson Botelho, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp); e João Romano, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Reagindo às sucessivas medidas tomadas pelo governo Bolsonaro nos campos do ensino, da ciência e da pesquisa, com o objetivo de desmontar o conjunto de políticas públicas que o País construiu nessas áreas ao longo das últimas décadas, os pró-reitores de Pesquisa das três universidades públicas paulistas lançaram um documento propondo à sociedade que comece a discutir o quanto antes um projeto de ciência para o Brasil.

Embora não tenham mencionado o nome de Jair Bolsonaro nem seu desprezo pela ciência, os pró-reitores de pesquisa da USP, da Unicamp e da Unesp lembraram que o desenvolvimento econômico brasileiro se deve a agências de fomento e órgãos públicos, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Ao lado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), essas agências e órgãos hoje se encontram com sua sobrevivência ameaçada pela asfixia financeira que lhes tem sido imposta.

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A iniciativa dos pró-reitores de pesquisa das universidades públicas paulistas não poderia ser mais oportuna.

Afinal, se no campo econômico os crescentes cortes orçamentários vão acarretando perda de competitividade do País num período em que as disputas no âmbito do comércio mundial são cada vez mais acirradas, no campo geoestratégico a incapacidade de compreender que ciência é progresso e poder vai convertendo o Brasil em protagonista menor nas discussões nas relações internacionais.

Igualmente, se no campo político o menosprezo do governo pelo avanço do conhecimento de ponta impede a formulação de programas científicos capazes de viabilizarem um projeto futuro de Nação, no plano social o desprezo pela educação e pela pesquisa tende a comprometer a formação de capital humano de que o Brasil precisa para crescer, tornando a sociedade mais pobre e ainda mais desigual.

A ciência sempre foi um dos fatores mais importantes do crescimento de longo prazo dos países. Neste momento em que o País está perdido, em termos de política da ciência, tecnologia e inovação, a iniciativa dos pró-reitores de pesquisa da USP, da Unicamp e da Unesp merece aplauso.

 

Confira o documento completo:

Acometidos por uma surpreendente pandemia, a sociedade pôde testemunhar a reação intensa e dedicada da comunidade científica mundial. Igualmente, de forma espontânea, a comunidade científica brasileira juntou esforços nessa batalha incansável. Nossos médicos, enfermeiros, cientistas e profissionais de saúde mostraram uma excelência que a própria sociedade não parecia conhecer.

Nas universidades, assistimos ao esforço e sucesso em muitas áreas. O custo social, econômico e psicológico da pandemia tem sido objeto de pesquisas recentes em diversas áreas do conhecimento. Destaca-se, por exemplo, o rápido aprimoramento dos ventiladores pulmonares para hospitais e o avanço de uma telessaúde inclusiva e acessível.

Além disso, premidos pela grave situação humanitária, cientistas brasileiros participaram ativamente da validação de vacinas e adquiriram competências no seu processo de desenvolvimento. Com a imunização, observou-se significativa redução de casos graves e de óbitos produzidos pela covid-19. A correlação entre aumento de vacinados e queda de óbitos é inequívoca.

Diante de um grande desafio, nossos cientistas mostraram maturidade, competência e compromisso. Isso demonstra uma qualificação para atender um projeto de política científica, adequada e com metas para o país.

O estágio atual de excelência iniciou-se, de forma sistemática, nos idos de 1950, com a criação do CNPq e da Capes. Foi um momento estratégico para o Brasil, liderado por homens de visão como o Almirante Álvaro Alberto (CNPq) e o professor Anísio Teixeira, entre tantos outros.

Vivemos hoje o que foi plantado no passado. Devemos muito ao CNPq e à Capes, que são órgãos estratégicos para o país, cada qual em sua função. Hoje, o plantel de cientistas do país permite almejar um avançado plano de desenvolvimento científico e tecnológico, à altura das necessidades do país, desejando um progresso inclusivo. É uma hora crítica para investir para não perdermos o avanço conquistado e a capacidade e competência já instaladas. Os desafios aumentam de forma rápida, numa sociedade em grande transformação e não é hora para estagnar. Menos ainda de andar para trás.

O que tem ocorrido em políticas federais não coaduna com isso. Temos que avançar, não retroceder. Pesquisas descontinuadas nem sempre podem ser retomadas sem custos desproporcionais. A ciência não avança bem com sobressaltos e incertezas de financiamento. É necessária a estabilidade, conferida por um planejamento de longo ou médio prazo. Essa é, em essência, a política adotada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e explica em parte o alto desenvolvimento científico alcançado em São Paulo.

Os cortes federais de recursos financeiros concedidos à ciência sufocam o futuro. Já estamos assistindo a uma evasão de jovens cientistas, que serão desfalques muito caros. A perda dessa riqueza humana terá um custo muito alto e precisa ser revertida. O escândalo recente em que 21 proeminentes cientistas brasileiros renunciaram coletivamente à Ordem do Mérito Científico, prestigiada condecoração brasileira, em resposta a um governo que insiste no obscurantismo anticientífico, é sintomático do momento que vivemos.

O Brasil precisa de uma política de desenvolvimento que seja compatível com seu desejo de progresso, de redução de desigualdades e que almeje o bem-estar de sua população. No momento em que se discute a necessária retomada econômica mundial, é bom lembrar que não há solução econômica sustentável fora da ciência. Urge que o país estabeleça um projeto de educação e ciência com os investimentos necessários, de forma sustentável, comprometida e estável.