Webinaristas reunidos durante o debate: Paulina Chamorro, Fabio Eon,
Hernan Chaimovich, Marlova Noleto e Renato Pedrosa.

 

O Relatório de Ciência da Unesco 2021, cujo título é “A corrida contra o tempo por um desenvolvimento mais inteligente; resumo executivo e cenário brasileiro”, foi lançado no último dia 11 de junho. Para celebrar o lançamento, a Unesco realizou um webinário em seu canal do YouTube, que contou com a presença do Acadêmico Hernan Chaimovich como palestrante. O evento também reuniu a diretora da Unesco no Brasil, Marlova Noleto; Fábio Eon, coordenador de ciências naturais da Unesco no Brasil; Paulina Chamorro, jornalista do podcast Vozes do Planeta; e Renato Pedrosa, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade de Campinas (Unicamp).

O debate teve como objetivo aprofundar o debate sobre algumas das questões levantadas no Relatório. A publicação visou enumerar alguns dos esforços globais em busca de novos paradigmas de desenvolvimento sustentável baseados na inovação, na economia digital e em energias renováveis. O Relatório também discorreu sobre o recente impacto da pandemia de Covid-19 e a importância da cooperação internacional para seu enfrentamento, além de apresentar avanços, desafios e tendências em investimento em pesquisa e desenvolvimento nos últimos anos no Brasil.

Apresentação

Fábio Eon apresentou o Relatório, que é publicado a cada cinco anos. Ele destacou que inúmeros países estão na transição para uma matriz energética mais limpa, almejando diminuir sua dependência do uso de energia fósseis. Além disso, ele também mencionou os resultados positivos na área de ciência e tecnologia, que vem recebendo cada vez mais investimento em indústria 4.0 e políticas e programas ligados à internet das coisas e inteligência artificial.

Marlova Noleto alegou que a pandemia aprofundou o fosso das desigualdades sociais no país e ressaltou o compromisso da Unesco de pensar na ciência que queremos para um mundo mais inclusivo, justo e sustentável, onde os benefícios do progresso científico possam ser alcançados.  “Como Nações Unidas, temos o compromisso de não deixar ninguém para trás”, completou. Ela também ressaltou que a atual pausa no sistema educacional é a maior da história, que não ocorreu nem durante as grandes guerras. Segundo ela, “falta de acesso à cultura e aos bens que a humanidade produz, entre elas, o próprio progresso científico”.

Sobre a pandemia que o Brasil está vivenciando, ela ressaltou a importância do uso de máscara e a higienização das mãos. “No último ano, todos sonhamos com a vacina. O que trouxe essa tão esperada vacina? A cooperação científica internacional”, afirmou. Noleto finalizou sua fala afirmando que o Relatório de 2021 tem como objetivo celebrar a ciência como um bem comum para a humanidade.

A publicação trouxe uma mensagem positiva acerca dos investimentos globais em pesquisa: o número aumentou 25% durante o período analisado pelo documento, entre 2014-2019. No entanto, esse número carrega consigo uma grande desigualdade: 63% desses investimentos estão concentrados na China e nos Estados Unidos. 

Houve também um aumento de publicações científicas, sendo 80% delas concentradas nos países do G20. Temáticas associadas à inteligência artificial e robótica são responsáveis pela maior parte da produção; artigos relacionados à sustentabilidade e meio ambiente estão em grande desvantagem. Os números de pesquisadores aumentaram consideravelmente em diversos países, como a Colômbia. Em alguns países, os números de novos pesquisadores ultrapassam a casa dos 20%.

Foi apresentado um vídeo educativo sobre o Relatório. Confira!

Resiliência como palavra-chave

O cientista e bioquímico Hernan Chaimovich foi um dos destaques do debate

A jornalista Paulina Chamorro questionou os autores do capítulo brasileiro do Relatório, Chaimovich e Renato Pedrosa, sobre quais eles consideravam ser as grandes transformações e tendências na ciência brasileira durante os anos analisados pelo documento.

Para Chaimovich, a característica fundamental do cientista e da ciência brasileira é a resiliência. A prova disso é que, entre 2015 e 2018, o número de trabalhos científicos totais aumentou quase linearmente, apesar da diminuição de investimentos. “No entanto, essa resiliência tem um limite”, destacou o professor. 

O sistema de pós-graduação brasileira é a base onde se sustenta e resiste a produção intelectual brasileira, inclusive a científica. O Acadêmico prevê um futuro amargo para a ciência brasileira caso o descaso com a ciência continue se acentuando: “Se o número de bolsas de pós-graduação continuarem diminuindo, o próximo Relatório poderá trazer dados preocupantes. Espero que possamos reverter esse descaso com a ciência.” Mesmo com as adversidades, os pesquisadores brasileiros seguem contribuindo fortemente com a ciência mundial. Chaimovich mencionou a construção do Sirius, o maior acelerador de partículas do mundo, em Campinas (SP), em 2018 e o papel fundamental dos pesquisadores brasileiros na descoberta dos efeitos do zika vírus no desenvolvimento infantil.

Concluindo, Chaimovich reafirmou que a ciência brasileira demonstra relevância mundial e colaboração com o desenvolvimento mundial e brasileiro para alcançar os objetivos do milênio, chegando a tornar-se um dos países que mais usa energia renovável do mundo.

Inovação e gênero

Renato Pedrosa focou sua particpação nos temas inovação e gênero. Ele afirmou que cerca de 54% dos títulos de doutorado nos últimos anos foram concedidos a mulheres, que agora representam a maior parte dos pós-graduandos, ficando para trás apenas em algumas poucas áreas, como a engenharia. No entanto, até mesmo nas áreas onde ficam para trás, as mulheres estão conquistando espaço: o número de engenheiras pós-graduadas subiu de 14% para 17% durante o período analisado pelo Relatório, número que supera dados de países como os EUA (16%). Em realção ao nível de escolaridade, as mulheres estão à frente dos homens em todos os aspectos – o que não se aplica, no entanto, aos salários, onde ainda há um grande abismo.

O palestrante destacou que, com exceção de São Paulo, todos os outros estados do país dependem do Governo Federal para financiar suas pesquisas. Dos 20 maiores patenteadores do Brasil, apenas duas são instituições privadas – a Petrobras e a Urucum do Brasil. Os dados são diferentes quando comparados a alguns anos atrás, quando cerca de ¾ dos patenteadores eram instituições privadas. “Isso demonstra que as empresas, ao contrário das universidades, não demandam e não produzem tecnologias. Isso faz com que o Brasil participe muito pouco dos negócios mundiais de alto valor tecnológico”, explicou Pedrosa. Complementando esse fato histórico-cultural, ele destacou que 75% das exportações nacionais são de produtos agrícolas – fruto de 40 anos do modelo de substituição de importações que se esgotou no início dos anos 1990. 

Chaimovich complementou a fala de Pedrosa afirmando que professores de ensino fundamental brasileiro não estão preparados para entender o que é o método científico. “Se crianças de até 7-8 anos não compreenderem o que é esse método, teremos problemas a longo prazo. Por exemplo, as crianças que desconhecem o método científico aceitarão com mais facilidade os argumentos de poder e serão adultos que, não necessariamente, irão acreditar na democracia”, argumentou o pesquisador. “Precisamos de uma revolução no ensino, que ensine às crianças que qualquer fato, qualquer dado apresentado, precisa ser demonstrado”, continuou o Acadêmico, evidenciando a relação entre a falta de preparo da população para entender ciência e os acontecimentos atuais, como o negacionismo associado à pandemia de COVID-19.

Perguntas: cooperação internacional e COVID-19

Respondendo à pergunta de internautas sobre a posição do Brasil na cooperação científica internacional, principalmente com a França, Chaimovich comentou ter publicado um artigo nos anos 1990 que destacava a tendência de diminuição da participação do Brasil em cooperações científicas – teoria que foi totalmente revertida graças, principalmente, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que incentivou políticas para abrir o país para o mundo. O programa Ciência Sem Fronteiras, mesmo com os problemas que apresentou, também foi fundamental nesse âmbito. “O reflexo disso é o aumento significativo na porcentagem de internacionalização das publicações científicas brasileiras, que foram de 18% na década de 80 para 40% nos dias de hoje. Com a França, a cooperação sempre foi fantástica, assim como com a Inglaterra e os Estados Unidos. Hoje, o Brasil publica também com o mundo, não estando limitado apenas a esses três países”, completou.

Outra pergunta foi relativa a quanto a queda nos investimentos e a baixa inovação das indústrias brasileiras podem ter afetado o controle da pandemia. Chaimovich fez questão de destacar que  o Brasil produz vacinas e não se limita à exportação. “Se o investimento tivesse sido adequado, pelo menos três vacinas brasileiras contra COVID-19 já estariam disponíveis no mercado.” Pedrosa complementou a fala, mencionando que não é falta de capacidade, já que o Butantan produz mais de 80 milhões de vacinas para gripe por ano; é uma questão de investimento e agilidade, que faltaram ao governo brasileiro.

Assista ao webinário completo aqui.