Os 15 anos do Programa L’Oréal-Unesco-ABC Para Mulheres na Ciência foram comemorados na noite de 8 de outubro, com uma cerimônia virtual, conduzida, como sempre, pela jornalista Renata Cappucci.

Cappucci ressaltou que, especialmente esse ano, a premiação para Mulheres na Ciência busca conectar e inspirar mulheres a refletir sobre o futuro da ciência, ciência esta que foi desafiada pela pandemia de COVID-19. “Estamos tendo que rever e reinventar nossa forma de viver no mundo e é a ciência que vai garantir a sobrevivência da espécie no planeta”, apontou a apresentadora.

O programa nacional já premiou 103 jovens pesquisadoras brasileiras nestes 15 anos, que se tornaram exemplo e referência para outras jovens cientistas. “A L’Oréal, a Unesco e a ABC manifestam seu orgulho em contribuir para esse movimento por meio da história dessas cientistas”, disse Cappucci, passando a palavra para a presidente da L’Oréal Brasil, An Verhulst-Santos.

Força feminina é fundamental para mudanças

Verhulst-Santos destacou o quanto a ciência se mostra necessária para enfrentar os desafios do mundo atual. “Aprendemos novos modos de trabalhar de forma remota, reunindo hoje pessoas de todo o país, mas colocando a saúde e a segurança das pessoas sempre em primeiro lugar”, disse, demonstrando sua alegria pelo fato de que, em meio à pandemia que ameaça o mundo, estarem sendo premiadas naquela noite duas cientistas que desenvolvem pesquisas relacionadas à COVID-19.

A presidente da L’Oréal Brasil relatou que a equipe de cientistas do grupo desenvolveu de forma acelerada uma fórmula de álcool gel para ampla distribuição, gratuita, a 140 mil famílias quilombolas, indígenas e profissionais de saúde, além de atender a quase 200 hospitais brasileiros. “Estamos vendo um movimento de grande solidariedade entre as empresas e a sociedade, além de mantermos o cuidado com os objetivos do desenvolvimento sustentável,  no sentido de evitar emissões de carbono.”

Verhulst-Santos afirmou que a L’Oréal acredita na necessidade absoluta de desenvolver ambientes de trabalho equilibrados entre homens e mulheres. “Somos a empresa número um do mundo no segmento de beleza e saúde, então buscamos empoderar cientistas mulheres e aumentar a representatividade feminina no setor. O mundo está passando por uma revolução e essa revolução não pode ser programada só por homens, para não reproduzir  estereótipos”, destacou.

Ela ainda chamou atenção para outro grande motivo de orgulho para o programa internacional da empresa, o For Women in Science: as químicas Emannuelle Charpentier e Jennifer Doudna, ganhadoras do Prêmio Nobel de Química este ano, foram premiadas pela L’Oréal e Unesco em 2016 https://en.unesco.org/news/laureates-2016-oreal-unesco-women-science-awards. “Isso mostra o nível das nossas eleitas e indica que estamos no caminho certo”, apontou.

Cooperação internacional fortalecida mais do que nunca

A diretora da Unesco no Brasil, Marlova Noleto, ressaltou o orgulho enorme da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em participar desse que é mais do que um prêmio: é um programa extremamente bem planejado dar visibilidade a jovens cientistas, promover a mentoria científica e advogar junto à sociedade a importância da ciência.

Citando dados recentes, Noleto destacou que apenas 35% dos estudantes de nível superior e 20% dos pesquisadores do mundo são mulheres. No entanto, elas são responsáveis pela metade dos artigos científicos produzidos mundialmente. Referindo-se à An Verhust-Santos,  Noleto ressaltou que “nós, representantes mulheres da L’Oréal e Unesco, temos duplo compromisso com esse prêmio, pois estamos sempre preocupadas que outras mulheres ocupem lugares de liderança em todas as carreiras no mundo”, afirmou.

Nesses 15 anos, o Programa divulgou conteúdos, promoveu campanhas e criou referências sobre ciência. “Mais do que nunca, compreendemos a importância da cooperação internacional, não só por sistemas multilaterais, mas também pelo setor privado e academia”, disse Noleto. Ela ressaltou o esforço mundial e cooperativo para encontrar uma vacina e o quanto as fissuras da sociedade foram expostas pela COVID-19, que evidenciou a desigualdade abissal. “Vemos a reafirmação da importância da ciência e da cooperação, para o enfrentamento dessa pandemia e para os desafios futuros da humanidade”, alertou.

Noleto apontou que a pandemia produziu muitos fenômenos, inclusive o surgimento de uma pandemia paralela de notícias falsas e negacionismo científico. “Redobramos então nossa aposta na ciência e comemoramos aqui a parceria com a L’Oréal e a Academia Brasileira de Ciências.”

Uma ciência diversa para lidar com os desafios do século 21

Único homem participante da cerimônia, o presidente da ABC, Luiz Davidovich, agradeceu ao corpo de jurados, em sua maioria membros titulares da Academia, pelo tempo e cuidado dispendidos na seleção criteriosa das vencedoras desse ano. “Tivemos um número recorde de inscrições, foram 556 projetos de altíssimo nível. Foi muito difícil escolher sete”, disse o físico.

Ele apontou que entre as inúmeras atividades em que a ABC está envolvida, algumas bastante desgastantes, como a defesa da ciência no âmbito político, a tarefa de reconhecer, valorizar e estimular talentos científicos femininos na ciência é uma das mais gratificantes e relevantes.

Para Davidovich, o movimento por mais mulheres na ciência se reflete também na Academia onde, dentre os quase 600 membros, apenas 17% são mulheres. “O percentual regula com as maiores Academias do mundo, como a francesa e a norte-americana. Mas sabemos que é pouco. No entanto, em 2020, pela primeira vez na história da ABC, metade dos membros eleitos são mulheres”, destacou.

A COVID-19 mostrou a necessidade de uma mudança de paradigma na economia e na saúde, segundo Davidovich. “Estamos ampliando a percepção do conceito de ‘one health’, ou saúde única, que envolve as pessoas, os animais e o ambiente. É uma interdependência”, destacou o presidente da ABC. Ele apontou que todas as eleitas do Programa este ano ou contribuem ou promovem projetos sociais. “Essa é a mentalidade. Diversidade contra a desigualdade. Interdependência. Queremos continuar junto com a L’Oréal e a Unesco nessa iniciativa por muitos anos.”

Os jurados

 

Veteranas do Prêmio

Para a cerimônia, foram convidadas três veteranas, ganhadoras do Prêmio L’Oréal-Unesco-ABC em anos anteriores, para falar sobre suas experiências pessoais com a premiação.

A bióloga carioca Maria Augusta Arruda é pesquisadora da Universidade de Nottingham, no Reino Unido. Doutora em biociências nucleares e atuante no campo da diplomacia científica, ela ganhou o Prêmio Para Mulheres na Ciência em 2008. Ela destacou que o “não” é parte da ciência, que acontece nos processos seletivos e na submissão de artigos, por exemplo. “O maior desafio é entender que na nossa sociedade, esses ‘nãos’ se dão de forma mais construtiva para alguns, não é igual para todos. Somos 56% de negros compondo a população brasileira, sendo que a imensa maioria não ocupa posições de destaque na sociedade. Aumentando a representatividade da população negra na ciência estamos dando uma opção e esperança para meninas negras verem a ciência como uma possibilidade de carreira”, disse.

A física Solange Binotto Fagan é vice-reitora da Universidade Franciscana, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Ela trabalha com nanomateriais, ensino de física e ensino de nanociências e contou que sua premiação em 2006 pelo programa L’Oréal-Unesco-ABC estimulou muitas meninas de cidades do interior a se arriscarem nas ciências, enfrentando o estereótipo social vigente. “As meninas dizem que suas famílias são contra a opção pelas ciências duras, porque acham que ‘não é carreira para mulher’. Atualmente não dá pra dizer que a carreira é promissora, porque o financiamento público para pesquisa está cada vez mais reduzido. Mas o mercado de trabalho está difícil em outras áreas também.”

A física Tatiana Rappoport é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tem experiência com materiais magnéticos e propriedades magnéticas, principalmente em spintrônica e transições de fase quânticas. Junto com duas outras pesquisadoras, desde 2013 ela conduz o programa  Tem Menina no Circuito, uma iniciativa para conversar e mostrar as possibilidades das ciências exatas – e do ensino superior, de modo geral –  para as estudantes do ensino médio.

“Também as levamos para visitas na universidade e museus de ciência, para mostrar como a ciência pode ser divertida e interessante”, diz Rappoport. Ela cita estudos que mostram que embora na infância meninos e meninas tenham o mesmo interesse por ciência, ao longo do ensino básico a pressão social desmotiva e exclui as meninas. “Quanto mais cedo ocorrer uma interferência, melhor. Criamos o projeto Tem Criança no Circuito,  para crianças a partir de cinco anos. Várias alunas do outro projeto são monitoras das atividades infantis”, relatou.

Imagine um cientista

Representando as premiadas, Fernanda Farnese falou sobre o estereótipo vigente sobre cientistas. “Nos anos 70, pesquisas mostraram que quando se pedia a uma criança que desenhasse cientistas, 99% desenhavam homens. Hoje, pesquisas similares indicam que cientistas do gênero masculino aparecem em 70% dos desenhos. Ou seja, ainda é um campo de homens”, apontou.

As mulheres, segundo Farnese, são subrepresentadas, recebem menos financiamento e mais críticas do que os correlatos masculinos. “Mulheres no topo puxam outras mulheres. Isso é o que esse prêmio faz: inspirar gerações de meninas. Agradecemos à L’Oréal, Unesco e ABC por essa preciosa oportunidade para nossas carreiras. Obrigada por acreditar nas mulheres e ajudá-las a ocupar seu lugar de direito na pesquisa”, concluiu.

Encerrando a cerimônia virtual, Renata Capucci agradeceu a todas as participantes e às vencedoras. “Obrigada por nunca desistirem. O mundo precisa de ciência e a ciência precisa de mulheres.”


Conheça as vencedoras do Programa Para Mulheres Na Ciência 2020
(Fonte: site do Programa para Mulheres na Ciência)


CIÊNCIAS DA VIDA

Vivian Costa

Com a pandemia do coronavírus, trabalhos como o da microbiologista Vivian Costa, da UFMG, se tornaram ainda mais relevantes. No dia a dia, ela pesquisa soluções para identificar e tratar formas graves da dengue e outras doenças virais, como zika, chikungunya e até Covid-19. “Em casos como esse, não adianta enfrentar só o vírus ou só a inflamação. É preciso desenvolver procedimentos que atuem nas duas frentes, reduzindo a carga viral e a inflamação excessiva causada pelo coronavírus. Estamos muito comprometidos em fazer a nossa parte, inclusive tenho alunos trabalhando voluntariamente nos diagnósticos de Covid-19”, afirma a pesquisadora. Saiba mais!

Luciana Tovo

A bióloga Luciana Tovo, da UFPEL – RS, foi reconhecida por sua pesquisa sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 no estresse crônico de adolescentes. “Sabemos que a infância e a adolescência são períodos da vida críticos para início de transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade”, argumenta Luciana. Para medir o estresse antes e após a pandemia, e estabelecer uma medida acurada, a solução dada por Luciana foi a medição de estresse a partir do cortisol capilar. “O cabelo cresce, em média, 1 cm por mês. Avaliamos os três centímetros mais próximos da raiz, de modo a mensurar o estresse vivenciado nos três meses anteriores à coleta”, explica a cientista. Saiba mais!

Andreia Melo

A oncologista mineira Andreia Melo, pesquisadora do INCA – RJ, foi escolhida pelo seu estudo para aperfeiçoar a imunoterapia contra o melanoma de mucosa, um tipo de câncer raro e grave, para o qual a sobrevida mediana é menor que 12 meses. A proposta de Andreia é um estudo translacional, que envolve desde análises em laboratório até uma proposta clínica. Dependendo das características moleculares dos tumores, um paciente pode enfrentar a enfermidade de forma mais ou menos favorável. “Muito do que se faz hoje, na oncologia, é buscar essas diferentes características para entender qual vai ser o desfecho da doença”, explica a pesquisadora. Saiba mais!

Fernanda Farnese

Ainda na categoria Ciências da Vida, a bióloga Fernanda Farnese, do Instituto Federal Goiano, foi premiada por desenvolver um método para preservar plantações de soja em períodos inesperados de seca. “Previsões apontam para uma redução de até 30% das chuvas no Brasil até o fim do século”, destaca Fernanda. Ao perceber os impactos dos veranicos sobre a soja, teve a ideia de aspergir um líquido com substâncias produtoras do gás sobre as folhas da planta. “O óxido nítrico altera o metabolismo da planta, intensificando mecanismos de defesa e, dessa forma, aumentando a tolerância à seca. Constatamos um crescimento de 60% na produtividade da soja”, conta. Saiba mais!


CIÊNCIAS FÍSICAS

Rita de Cássia

Dentro da categoria de Ciências Físicas, a contemplada da região Sul do país é a física Rita de Cássia dos Anjos, da UFPR. Uma das perguntas que motivam Rita é se galáxias em que há intensa formação de estrelas, conhecidas como galáxias starburst – que estão entre as mais luminosas do universo e apresentam fortes ventos – podem ser fontes de aceleração e propagação de raios cósmicos. Como pesquisadora negra, Rita já vivenciou diversas situações de racismo dentro e fora da academia, e acredita na importância de aumentar as oportunidades de acesso e representatividade da população negra nas carreiras de maior prestígio e remuneração. A cientista colabora com o projeto “Rocket Girls: Meninas na Astronomia e na Astronáutica”, que realiza atividades em robótica, arduino e astronomia com meninas de escolas públicas de Palotina, Paraná. A ideia é motivar as jovens a se interessarem pelas ciências exatas, área historicamente excludente e masculina. “Quando você mostra que passou por dificuldades, quando você fala da sua realidade e mostra para as meninas que é possível, elas se animam”, reflete Rita. Saiba mais!


CIÊNCIAS QUÍMICAS

Daniela Truzzi

A cada ano, os quatorze membros do júri do programa selecionam trabalhos com potencial de encontrar soluções para importantes questões ambientais, econômicas e de saúde, como é o caso do trabalho da química Daniela Truzzi, da Universidade de São Paulo (USP), que busca compreender o funcionamento do óxido nítrico, gás relacionado a diversos processos, como a contração dos vasos sanguíneos, a defesa imunológica e a cicatrização de tecidos. “Sabemos pouco sobre o que o óxido nítrico produz. Aprofundar esse conhecimento é fundamental para entender melhor os processos nos quais ele está envolvido”, explica a química.  Saiba mais!


CIÊNCIAS MATEMÁTICAS

María Amelia Salazar

Laureada na categoria Matemática, María Amelia Salazar, da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, estuda estruturas geométricas abstratas e complexas, contribuindo para uma nova área da matemática. Seu objeto de estudo remonta de uma teoria da simetria contínua e sua aplicação ao estudo da geometria e das equações diferenciais, do século 19. “É uma história bonita, porque faz a ponte entre duas áreas da matemática que, em princípio, não tinham a ver uma com a outra”, admira a pesquisadora. Saiba mais!