pedro2_edit.jpgEstá mais do que na hora de se adotar novas e mais modernas tecnologias para a produção de vacinas contra a febre amarela. Essa é a opinião do diretor do Instituto Evandro Chagas, Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos [membro titular da Academia Brasileira de Ciências].
“A tecnologia que usamos é dos anos 1930, basicamente desenvolvida por Max Theiler, que recebeu o Nobel de Medicina e Fisiologia de 1951 por esse trabalho”, disse o médico e pesquisador do Pará, que é membro do Yellow Fever Advisory Committee e do Strategic Advisory Group of Experts (Sage) em vacina de febre amarela, ambos da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra (Suíça).
“É claro que ao longo desses 80 anos a vacina foi purificada e aperfeiçoada, mas ela ainda é feita em ovos galados [que contém um embrião de galinha]. No Brasil, eles são fornecidos por uma única granja certificada, já que precisam estar livres de vírus, bactérias, fungos ou qualquer outro tipo de contaminante. A produção é demorada, laboriosa, complexa, e exige uma área grande. Além disso, e por causa disso, pessoas alérgicas a ovos não podem tomá-las, e isso é particularmente importante no caso das crianças. Como se não bastasse, ela é feita com o vírus atenuado, o que impede que seja administrada a pessoas com qualquer forma de imunossupressão”, detalhou o especialista.
Isso significa que um aumento da produção não pode ser feito rapidamente em caso de necessidade. Além disso, o baixo custo da vacina, em torno de US$1 a dose, fez com que os grandes laboratórios parassem de produzi-la.
“Os russos deixaram de produzir, bem como a Colômbia e a Nigéria. Restaram o Sanofi-Pasteur, que também produz essa vacina para os Estados Unidos, mas apenas para viajantes e militares, e BioManguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que hoje tem a maior produção do planeta. Está na hora de desenvolvermos uma nova vacina, usando biotecnologia, estratégias como RNA recombinante, que, sim, encareceriam o produto de início, mas permitiriam uma produção maior, mais rápida, em espaços reduzidos. E, sem riscos, principalmente para idosos,” afirmou.
De acordo com o especialista, estudos realizados em vários países desde 2001 mostraram que a vacina provoca reações adversas e até morte em uma a cada 1,5 milhão de pessoas vacinadas. No caso dos idosos, especialmente aqueles com mais de 70 anos, esse índice sobre para um a cada 150 mil vacinados.
Como membro do Yellow Fever Advisory Committee e do Strategic Advisory Group of Experts (SAGE), o Dr. Vasconcelos vem acompanhando de perto os recentes surtos de 2016 em Angola e no Congo, quando se utilizou pela primeira vez a dose fracionada da vacina com sucesso.
“Quando houve a epidemia em Angola, todo o estoque de vacinas foi para lá, para uma população de 30 milhões de habitantes. Logo depois apareceram casos em Kinshasa, no Congo, cidade com 10 milhões de habitantes. Passados quase dois anos, as pessoas que receberam a dose fracionada ainda mantêm uma resposta imune equivalente à de quem recebe dose integral. Ressalto que essas pessoas estão sendo acompanhadas tanto pela OMS quanto pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC),” destacou. Para ser eficaz, a vacina deve conter no mínimo 1.000 Unidades Formadoras de Placas (Plaque-Forming Unit, PFU, na sigla em inglês), que mede o número de partículas virais por unidade-volume.
“A dose integral da vacina contra a febre amarela contém 60 mil PFUs e foi a partir dessa constatação que se teve a ideia do fracionamento. A vacina fracionada em cinco contém, assim, entre 10 mil e 12 mil PFUs, ou seja, dez vezes mais que o nível mínimo, e bem acima do necessário para produzir uma resposta imunológica adequada”, explica.
Existe ainda um estudo a ser publicado por BioManguinhos que envolve 319 militares que receberam a dose fracionada oito anos atrás e mantêm resposta imune equivalente à dos que tomaram a dose integral na mesma época.
“Não sabemos ainda ao certo por quanto tempo persiste a resposta da dose fracionada. A OMS fala em mais de um ano, baseada na vacinação em grande escala de Congo e Angola. Temos estudo falando em oito anos num grupo pequeno. Precisaremos acompanhar essas pessoas para saber se precisarão ser revacinadas dentro 10 ou 20 anos ou nunca mais,” afirmou.
Segundo o Dr. Vasconcelos, o atual quadro de disseminação da febre amarela resulta também de falhas na contenção da doença.
“Minas Gerais deveria ter uma cobertura vacinal de 90% da população já no ano passado. As vacinas foram enviadas e ficaram nos postos de saúde. Não houve campanhas para estimular a vacinação e, além disso, era necessário ir até as zonas rurais para vacinar essa população mais exposta. Evidentemente, nossa produção de vacinas ficou aquém do necessário, enquanto se fazia promessas de abundância de vacinas.”
Reurbanização
Dr. Vasconcelos é também um dos autores do estudo “Potential risk of re-emergence of urban transmission of Yellow fever vírus in Brazil facilitated by competente Aedes population”, publicado no periódico Scientific Reports, que avaliou a capacidade de mosquitos como o Aedes aegypti voltarem a transmitir a doença, na chamada febre amarela urbana, não registrada no Brasil desde 1942. A pesquisa da Fiocruz, com colaboração do Instituto Evandro Chagas e do Instituto Pasteur, verificou a eficiência de mosquitos urbanos e silvestres do Rio de Janeiro para transmitir o vírus da febre amarela.
Os dados mostraram que os insetos das espécies Aedes aegypti, Aedes albopictus, Haemagogus leucocelaenus e Sabethes albipirvus são altamente suscetíveis a linhagens virais tanto do Brasil, quanto da África. Mosquitos Aedes de Manaus, Goiânia e de Brazzaville, no Congo, também foram avaliados. Foram coletados ovos das várias espécies, que foram separados também por gênero. Quando os ovos eclodiram, as fêmeas passaram a ser alimentadas com sangue contaminado com diferentes linhagens do vírus da febre amarela. Em seguida, foi medida a presença de partículas virais na saliva dos insetos. Os A. aegypti do Rio foram os que apresentaram o maior potencial para disseminar a doença com mais de 10% dos mosquitos apresentando partículas virais infectantes na saliva 14 dias após a alimentação, independentemente da linhagem viral. No entanto, apenas esse potencial seria insuficiente para tornar o Aedes um possível vetor para a reurbanização da doença.
“Dos vírus que podem ser transmitidos pelos Aedes, o da febre amarela é o menos competente para se reproduzir no mosquito, pelo menos nos dados experimentais. Outro fator que possivelmente é muito importante é quantidade de Aedes que infesta uma cidade. No tempo de Oswaldo Cruz, quando tínhamos febre amarela urbana transmitida pelo Aedes, a quantidade de mosquitos era enorme, eram nuvens de mosquito”, descreveu o pesquisador.
Se a possibilidade de reurbanização via Aedes é pequena, ela, no entanto, não pode ser totalmente descartada. Tanto que na conclusão do estudo os cientistas alertam para o risco de o vírus da febre amarela ser introduzido na capital fluminense, onde estão presentes todos os mosquitos transmissores tanto da febre amarela silvestre quanto da urbana. A Fiocruz alertou recentemente para o risco de explosão da população de Aedes na cidade, já que este deve ser um verão muito mais chuvoso do que o do ano passado.
“Temos problemas sérios no que se refere ao combate ao Aedes. Mais de 50% dos criadouros estão dentro das casas, e essa responsabilidade é da população. Por outro lado, temos falhas graves no abastecimento de água e as pessoas, inclusive nas comunidades cariocas, acabam estocando água nas próprias casas, facilitando a proliferação do mosquito. Ao poder público deveria caber apenas a limpeza e o cuidado de praças, fontes e chafarizes,” disse o Dr. Vasconcelos.
O estudo recomenda a rápida vacinação de toda a população urbana em contato com áreas florestais, como é o caso da Floresta da Tijuca, no Rio, e da Cantareira, em São Paulo, para eliminar o risco de reurbanização da doença.