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A matemática brasileira vai entrar para a elite mundial da disciplina. A União Matemática Internacional (ou IMU, na sigla em inglês), que classifica os países-membros em função da qualidade da pesquisa que fazem, decidiu promover o Brasil para o grupo que reúne as maiores potências do campo. O país se juntará a Alemanha, Canadá, China, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia.
“Entrar nesse grupo é o equivalente a se tornar adulto na matemática”, comparou Marcelo Viana, [membro titular da Academia Brasileira de Ciências], diretor-geral do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, o Impa. “A decisão reflete o nível de maturidade atingido pela comunidade de pesquisadores brasileiros”, completou Viana, que recebeu piauí para uma entrevista na véspera do anúncio, feito na manhã desta quinta-feira, 25 de janeiro, na sede do Impa.
Uma forma de medir a maturidade da comunidade é pelo volume de suas publicações. Nos últimos dez anos, o número de artigos publicados por matemáticos brasileiros praticamente dobrou, passando de 1 043 papers em 2006 para 2 076 em 2016. Trinta anos atrás, em 1986, os pesquisadores do país respondiam por 0,7% dos artigos matemáticos publicados no mundo. Em 2016, o percentual havia pulado para 2,35%. “É um salto extraordinário”, avaliou Viana.
A promoção do Brasil coroa uma boa fase cujo ápice foi a Medalha Fields conquistada em 2014 por Artur Avila, pesquisador do Impa e do CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica, em português), na França (o prêmio – o mais importante da disciplina – foi tema de uma edição especial da piauí). “A decisão é um reconhecimento da qualidade da pesquisa que vem sendo realizada há algum tempo no país”, disse Avila. “Ela deve servir para que nossa sociedade compreenda que podemos e devemos fazer ciência de qualidade no Brasil, num momento em que a ciência é tratada como um luxo dispensável em momentos de crise.”
A chegada à primeira divisão é a culminação de um processo iniciado há pouco mais de sessenta anos. O país filiou-se à IMU em 1954, quando foi admitido no grupo 1 – algo como o jardim de infância da disciplina. Foi promovido para o grupo 2 nos anos 60, e para o 3 em 1978. Desde 2005 estava no grupo 4, ao lado de outros nove países, incluindo Austrália, Coreia do Sul, Holanda e Suécia. “Até onde eu saiba, o Brasil é o único país que subiu do grupo 1 ao 5, e isso num intervalo de duas gerações”, disse Marcelo Viana.
Não há critérios objetivos que um país precise preencher para ser admitido na primeira divisão da matemática mundial. Além da qualidade e quantidade das publicações, a IMU leva em conta também os programas de pós-graduação – o Brasil forma hoje quase 180 doutores em matemática por ano, segundo Marcelo Viana –, a organização de eventos que atraiam a comunidade internacional e as atividades de divulgação realizadas, entre outros fatores.
O país pleiteou a promoção em outubro passado, quando enviou à IMU um documento de 32 páginas no qual apresenta um panorama da matemática brasileira (pdf). A entidade acatou a reivindicação brasileira de forma unânime e comunicou a novidade aos seus sócios numa circular no dia 19 de janeiro – a decisão passa a valer a partir de fevereiro.
Na prática, a entrada do Brasil na elite da matemática significa que o país terá mais votos na assembleia geral da IMU – e terá que dar uma contribuição financeira anual mais alta. A promoção não deverá ter efeitos práticos no dia a dia dos matemáticos brasileiros. “Mas seremos mais ouvidos e respeitados mundialmente”, ressaltou Viana. (O diretor do Impa se lembra com rancor de quando indicou um conterrâneo para uma comissão e ouviu do interlocutor que a vaga seria preenchida por um britânico ou americano, “pela credibilidade”).
Um indicador desse prestígio será visto no próximo Congresso Internacional de Matemáticos, o mais importante da disciplina. No evento, a ser realizado em agosto deste ano no Rio de Janeiro, haverá doze palestrantes brasileiros, representando sete instituições diferentes. Nas 27 edições anteriores do evento, apenas dezoito brasileiros tiveram esse privilégio, sendo quinze deles representantes do Impa.
Se na pesquisa de ponta o Brasil joga no time dos grandes, porém, quando o assunto é o ensino da disciplina o país tem desempenho calamitoso, e chegar à elite da IMU em nada muda esse quadro. Na última edição do Pisa, um programa internacional que avalia regularmente o desempenho de estudantes de setenta países, os alunos brasileiros ficaram na 65ª posição na prova de matemática.
Resta agora garantir que o Brasil continue a fazer pesquisa de ponta para se manter na elite mundial. “Chegamos até aqui porque houve recursos e políticas consistentes ao longo do tempo para apoiar ciência”, lembrou Viana. Com a crise de recursos que o setor atravessa – o orçamento federal para ciência e tecnologia em 2017 foi o pior dos últimos dez anos, e este ano deve ser ainda menor –, não será nada fácil para o Brasil se manter no topo. “Não quero acreditar que a gente vá jogar isso no lixo, mas há sempre o risco”, alertou o matemático.