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Webinários ABC/CNPq: a Contribuição dos INCTs para a Sociedade

¶O Programa Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTs)  se caracteriza por grandes projetos de pesquisa de longo prazo, de alto impacto científico e de formação de recursos humanos, em redes nacionais e ou internacionais de cooperação científica, envolvendo pesquisadores e bolsistas das mais diversas áreas.

Como forma de promover o acompanhamento das realizações dessa rede pela sociedade, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão organizando uma série de quatro eventos, os “Webinários ABC/CNPq: a Contribuição dos INCTs para a Sociedade”.

Começamos com a Sessão de Abertura, em 31 de maio, com falas de autoridades, seguidas por apresentação do vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt de Andrade, sobre “Os INCTs e o Futuro do Brasil“. Em 7 de junho, o webinário tratou de “Desigualdade e Democracia” e “Sustentabilidade do Planeta“. Já em 14 de junho, os temas foram “INCTs e Saúde Única (One Health)” e “INCTs – Segurança Energética, Alimentar e na Saúde”

Veja abaixo a programação do último webinário da série, no dia 21 de junho, das 16h às 18h.


21 DE JUNHO

Coordenação: Helena Nader e Luiz Davidovich

  • INCT, Ciência e Sociedade
    Luisa Massarani (Fiocruz)
    Roberto Lent (UFRJ/Rede CpE)
    Ricardo Gazzinelli (UFMG/Fiocruz)

  • O Futuro é Hoje – Pesquisas de Fronteira
    Virgilio Almeida (UFMG) – Inteligência Artificial/BigData
    Mayana Zatz (USP) – CrispR
    Gonçalo Pereira (Unicamp) – Energia/Descarbonização
    Marcos Pimenta (UFMG) – Nanociência/ Nanotecnologia

  • Encerramento

 


Veja aqui a PROGRAMAÇÃO COMPLETA e venha conhecer de perto a ciência brasileira, quem a produz e como acontece! 

Os eventos estão sendo transmitidos pelo YouTube da ABC e do CNPq.

Webinário reflete sobre o papel dos INCTs na promoção da Saúde Única

Os participantes da primeira mesa do evento de 14/6

No dia 14/6, ocorreu o 3º encontro da série “Webinários ABC/CNPq: a contribuição dos INCTs para a sociedade”, que trouxe para o centro da discussão dois temas: INCTs e Saúde Única (One Health) e INCTs – Segurança Energética, Alimentar e na Saúde. 

O Programa Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTs) é caracterizado por grandes projetos de pesquisa de longo prazo, de alto impacto científico e de formação de recursos humanos, atuando em redes nacionais e/ou internacionais de cooperação científica e integrando pesquisadores das mais diversas áreas. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) se uniram para promover uma série de quatro eventos para visibilizar as mais realizações dessa rede. No total, serão realizados quatro encontros. O último será realizado em 21/6 – veja aqui mais informações. 

Para debater o primeiro tema do dia, foram convidados os cientistas Adalberto Val (Inpa, vice-presidente da ABC para a Região Norte); Afonso Luís Barth (HC-UFRGS); e os representantes da Fiocruz Carlos Morel (membro titular da ABC) e Thiago Moreno (membro afiliado da ABC no período de 2017-2021). 

INCTs da região Amazônica 

“Não tem como pensar em ciência sem que ela esteja toda interligada. Ainda mais num país com as dimensões e os desafios que temos”, avaliou Adalberto Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Não dá mais para falarmos sobre mudança climática e geração de renda sem falarmos de todo o conjunto de ecossistemas que acabam sendo afetados.” 

Ele deu destaque para o Centro de Estudos de Adaptações Aquáticas da Amazônia (INCT-Adapta), que coordena. Segundo ele, no início o Adapta era um pequeno grupo de pesquisadores que se reuniu em torno da ideia e, hoje, são mais de 100. Os estudos realizados no Adapta têm como objetivo contribuir para avanços no entendimento de como organismos da biota aquática se adaptam às mudanças ambientais, expandindo também seu escopo para as mudanças naturais e aquelas causadas pelo homem, incluindo as mudanças climáticas. A diversidade de mecanismos em todos os níveis da organização biológica é o alvo das várias linhas de pesquisas. O Adapta conta com um grande herbário virtual, com mais de 11 milhões de registros de algas e plantas que, no último ano, recebeu cerca de 140 milhões de consultas diárias. 

Além da grande biodiversidade, a Amazônia também possui um histórico diferenciado de movimentos tectônicos e mudanças climáticas – características destacadas por Val, que alerta sobre a escassez INCTs na região. “Temos uma grande mistura de organismos vivendo nesses locais, uma imensa quantidade de informações em papel muito importante. Há um conjunto imenso de ecossistemas espalhados pela Amazônia e poucos INCTs para estudá-los.”  

Ele percebe que as questões relacionadas às mudanças climáticas na Amazônia têm um grande impacto em toda a região Norte. ‘O aumento da acidez e da temperatura das águas dos rios, por exemplo, influencia na qualidade da vida dos peixes – a principal fonte de proteína dos nortistas. O Rio Negro, por exemplo, já possui suas águas naturalmente ácidas e têm seus níveis de acidez ascendendo constantemente.  Atualmente, a temperatura máxima de suas águas é de 33ºC – quase o limite da tolerância térmica crítica dos peixes caracídeos, principal família existente na Amazônia, que resistem à até 38ºC”, observou. 

O vice-presidente da ABC para a região Norte destacou também a atuação de outros INCTs que estudam a biodiversidade de diversas regiões do país, como o baiano In-Tree, que realiza investigações inter e transdisciplinares na área de ecologia e evolução; o paulista INCT-Bionat que estuda a química de produtos naturais escondidos na biodiversidade brasileira; e o Inau, do Mato Grosso, que estuda o uso sustentável das áreas úmidas. 

De acordo com o palestrante, é fundamental usar as informações que os INCTs vêm produzindo para elaborar novas estratégias de saúde pública. “Os INCTs têm contribuído muito com a descoberta de novas zoonoses que representam  ameaça, por exemplo. É muito provável que essa interação próxima que temos com a mata e com a diversidade biológica nos traga problemas no futuro”, afirmou. 

Val encerrou sua participação afirmando que os INCTs que estudam a biodiversidade amazônica já capacitaram inúmeros profissionais, além de estarem contribuindo de forma efetiva com dados, informações e novas tecnologias, mas falta apoio político. “É por isso que eu prego a união dos INCTs”, justifica o pesquisador. “Somos apenas dois em toda a Amazônia, que representa cerca de 60% do território brasileiro. Não temos braços para colaborar com os outros 100 INCTs que existem.” 

Novos fármacos e doenças negligenciadas 

Carlos Morel e Thiago Moreno trabalham na Fiocruz, especialmente no INCT em Inovação em Doenças de Populações Negligenciadas (INCT-IDPN), que existe desde 2020 e se dedica à pesquisa translacional – ou seja, pesquisas que tentam “cruzar o vale da morte”.

Um dos novos focos que o grupo destaca é a mudança do conceito de “doença negligenciada” para “população negligenciada”. Um exemplo disso são os pacientes com câncer, que não é uma doença negligenciada, mas que exige que o paciente se desloque quilômetros para obter tratamento em um bom hospital.  

Morel destacou a precariedade dos laboratórios dos INCT, que foi destacada pela pandemia de covid-19: os laboratórios de nível de segurança 2 eram maioria na Fiocruz e a pesquisa sobre covid-19 requer laboratórios de nível 3. Estes, que eistiam, mas em menor número, ficaram congestionados. “Esse é um exemplo clássico de como o Brasil está despreparado no espectro da biossegurança”, apontou Morel.  

O Acadêmico destacou a importância das parcerias acadêmicas para o desenvolvimento de novos projetos. Mencionou o Sistema Único de Saúde (SUS) e instituições internacionais, como a Universidade de Liverpool e os Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla em inglês), assim como a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). “Temos novas urgências para demandas não atendidas”, disse Morel. 

Segundo Thiago Moreno, as doenças endêmicas que mais têm preocupado brasileiros ao longo da última década – zika, chikungunya, dengue e até mesmo covid-19 – derivam de um processo de degradação ambiental que faz com que alguns patógenos rompam a barreira animal e cheguem até os humanos. Em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz, está sendo desenvolvida uma nova linha de pesquisa com este foco. 

A integração entre profissionais de diversos setores é fundamental para o estudo dessas doenças ainda pouco ocnhecidas. Nesse sentido, o atual momento nos laboratórios da Fiocruz é de otimismo: com grandes parcerias, trabalhos de alto impacto estão sendo selecionados. A Coalizão Covid-19 tem facilitado a progressão no desenvolvimento pragmático de novos medicamentos antivirais e até mesmo na elaboração de possíveis imunizantes nacionais.  “Estamos nos empenhando para caracterizar as ondas genéticas de Sars-Cov-2 no Brasil em função do perfil do fenotípico viral. Dessa forma, é possível perceber como as ondas de covid se comportaram no Brasil de 2020-21 e como as variantes impactam no aumento global de casos.” 

Transdisciplinaridade nos laboratórios 

“Saúde única exige transdisciplinaridade, apoio às pesquisas colaborativas”, apontou Afonso Luis Barth, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HC-UFRGS).  O cientista destacou a atuação dos INCTs da área da saúde que, mesmo não especializados em covid-19, estão atuando ativamente há dois anos no desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico e de fármacos para o tratamento. “Os INCTs desenvolveram um kit nacional para diagnóstico da covid-19 e, atualmente, trabalham na produção de um imunizante 100% nacional”, conta Barth, destacando o trabalho dos INCTs de Investigação em Imunologia (iii-INCT) na produção de uma vacina nasal brasileira. Barth destaca uma questão ainda mais atual, que preocupa toda a população: os casos de varíola de macacos. Ele garante, de antemão, que a doença não terá as mesmas proporções que a covid-19. 

Barth destaca a excelência de outro INCT: o  Instituto Nacional de Pesquisas em Resistência a Antimicrobianos (INCT-Inpra), que atua na detecção rápida de mecanismo de resistência aos antibióticos. Este INCT estima que cerca de 25% das prescrições de antibióticos são desnecessárias. Dado que cerca de 80% das vendas de antibiótico são para uso veterinário, conclui-se que há uma grande quantidade de conteúdo tóxico escoando diretamente para os lençóis freáticos e influenciando a qualidade dos vegetais. De acordo com Barth, isto resulta nas superbactérias, com alta resistência aos antimicrobianos. “A resistência a antibióticos é um dos tópicos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) coloca como prioridade”, relatou o palestrante. 


Assista à gravação completa do webinário.

Webinário ABC/CNPq: O papel dos INCTs na segurança alimentar, energética e da saúde

No dia 14 de junho aconteceu o terceiro webinário da série “A Contribuição dos INCTs para a Sociedade”, organizado pela Acadamia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Esta edição foi mediada pela presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, e pelo presidente do CNPq, Evaldo Ferreira Vilela.

A segunda mesa do evento teve como tema “Segurança Energética, Alimentar e na Saúde”, e contou com a participação de Marcel Bursztyn, coordenador do INCT Observatório das Dinâmicas Socioambientais (INCT Odisséia); e dos Acadêmicos Mariangela Hungria, coordenadora do INCT em Microrganismos Promotores de Crescimento de Plantas (INCT MicroAgro) e João Batista Calixto, coordenador do INCT-INOVAMED.

Mariangela Hungria.

Produtividade e sustentabilidade

O Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo e o segundo maior exportador. Enquanto a participação da agricultura no PIB global gira em torno de 4%, no Brasil ela é de 27%, o que leva o país a ser considerado “celeiro do mundo”. Mas ao contrário do que prega uma visão ultrapassada de desenvolvimento, o avanço da fronteira agrícola por sobre biomas naturais não explica esse cenário. Pelo contrário, apenas 8% do território nacional é lavoura, cuja produtividade é dependente de contínuos investimentos em pesquisa e inovação. “O nosso desafio atual é aumentar a oferta de alimentos de forma sustentável”, resumiu Mariangela Hungria.

Mas agricultura sustentável não significa apenas manter os biomas em pé. O Brasil é atualmente o primeiro país em uso de agrotóxicos por área cultivada, o que traz consequências graves não só para o meio ambiente, mas para o consumidor final. Apesar desse uso intensivo, o país é completamente dependente do mercado externo para adquirir esses defensivos, importando cerca de 85% do utilizado. Essa dependência externa já foi abordada em recente webinário da ABC, e urge ao país que desenvolva alternativas nacionais e sustentáveis para esses compostos. Para a palestrante, o objetivo final nessa área tem de ser a substituição total ou parcial dos compostos químicos importados por bioinsumos nacionais.

Já na pecuária, o Brasil é atualmente o terceiro maior produtor de carne do mundo e o primeiro em exportações. O país possui o maior rebanho bovino do planeta, o que traz dilemas sérios quanto ao uso da terra e emissões de metano, que contribuem para as mudanças climáticas. Outro problema é a mortandade, e cerca de 8% do rebanho nacional, algo em torno de 16 milhões de cabeças de gado, é perdido todo ano.

“Temos inúmeros desafios, mas graças aos INCTs nós possuímos a competência necessária em tecnologia e inovação para superá-los”, afirmou Hungria, que listou diversos exemplos de institutos que estão atuando no desenvolvimento do agro brasileiro. Ela frisou que não se trata apenas de criar novos produtos, mas fortalecer toda a cadeia de pesquisa e auxiliar os produtores na implementação. Por fim, a palestrante refletiu sobre uma contradição no destino final da produção: “a agropecuária brasileira tem capacidade de alimentar até 800 milhões de pessoas, mas temos 33 milhões passando fome”.

João Batista Calixto.

Segurança em medicamentos

Se o Brasil é fortemente dependente na área de fertilizantes, o cenário é ainda pior quando falamos de medicamentos. Atualmente o país importa 90% dos remédios que consome, o que impõe uma pressão imensa no orçamento do SUS. Nosso parque industrial da saúde deixou de focar em inovação para se dedicar quase que exclusivamente à produção de genéricos, e os efeitos disso ficaram cruelmente expostos durante a pandemia da covid-19. Com o envelhecimento da população e o surgimento de novas doenças, a tendência é que esse cenário se agrave. “Precisamos urgentemente de um plano de Estado para reduzir essa dependência”, alertou João Batista Calixto.

A indústria farmacêutica é a que mais investe em inovação no mundo, dedicando cerca de 20% de seu faturamento à pesquisa e desenvolvimento. Investimentos nessa área são naturalmente de alto risco, pois os valores necessários estão na casa dos milhões de dólares. O processo completo, desde a identificação de um possível alvo terapêutico até a disponibilização de um medicamento, leva em média uma década e tem taxas de sucesso extremamente baixas. Com isso em mente, se o Brasil pretende se tornar autossuficiente nessa área, a participação do Estado é indispensável.

Atualmente, são 40 INCTs que atuam na saúde, área com maior representação no programa. Esses institutos atuam em todos as etapas do desenvolvimento de terapias, desde a ciência básica até os últimos testes clínicos. Entretanto, alguns gargalos ainda persistem. “Até 2014 o Brasil não tinha nenhuma instituição capaz de ligar pesquisa básica até testes pré-clínicos, o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP) foi o primeiro”, conta Calixto, “mas o maior entrave continua sendo a fase 1 de testes clínicos, que ainda conta com poucos centros no país”.

No momento, o projeto dos INCTs em saúde se encaminha para a terceira fase, e superar esses gargalos deve ser prioridade no planejamento. Para Calixto, essa nova fase deve incentivar a pesquisa translacional, ou seja, a pesquisa que perpassa as diferentes etapas do desenvolvimento de medicamentos (que foi tema do Webinário 47 da ABC). Além disso, deve estimular a interação entre INCTs e a indústria. “Sobretudo, precisamos focar nos pesquisadores, que precisam receber cursos sobre aspectos regulatórios e, principalmente, serem incentivados a criarem start-ups a partir de seus projetos de pós-graduação e pós-doutorado”, finalizou.

Marcel Bursztyn.

Em busca de novos nexos

Marcel Bursztyn começou sua apresentação trazendo um breve histórico da ciência orientada a desafios brasileiros. Desde os anos 70 o CNPq já era pioneiro no financiamento de programas integrados, como no combate a doenças tropicais, na adaptação do solo brasileiro à agricultura e no desenvolvimento da genética. Essas primeiras experiências foram fundamentais para a criação de redes e para consolidar a ideia de uma pesquisa voltada ao mundo fora da academia. “A criação dos INCTs em 2008 é fruto de uma série de esforços para o fortalecimento de comunidades científicas de excelência”, resumiu o palestrante.

Em seguida, Bursztyn apresentou a abordagem “Nexus”, desenvolvida pela ONU na década de 80, que tratava da demanda concorrente por terras para cultivo de alimentos e de biomassa para geração de energia. O choque do petróleo na década de 70 fomentou uma corrida por formas alternativas de combustível, o que gerou um debate sobre os riscos de se retirar áreas cultiváveis da produção alimentícia. “O Nexus do século XXI está na relação entre a produção alimentícia, hídrica e energética e a vulnerabilidade do planeta às mudanças climáticas”, afirmou.

Utilizar essa abordagem para enfrentar os problemas atuais significa, essencialmente, integrar áreas do conhecimento, políticas públicas e atores sociais. “Quando desenvolvemos políticas para o clima, por exemplo, elas necessariamente terão impactos no setor agrícola e energético. Por isso, chamar para o diálogo representantes dessas áreas é crucial”, explicou Bursztyn, que destacou o papel fundamental que os INCTs cumprem nessa integração. “Existe uma predisposição à colaboração dentro dos institutos, falta um arranjo institucional que a incentive”.

Segundo Webinário ABC/CNPq debate Desigualdade e Democracia

A segunda edição dos Webinários ABC/CNPq: A Contribuição dos INCTs para a Sociedadeaconteceu na última terça-feira, 7 de junho, e trouxe representantes de diferentes Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTs) para debater, em duas sessões com temáticas transversais. A moderação ficou a cargo da diretora de Cooperação Institucional do CNPq, Maria Zaira Turchi.

A primeira mesa abordou “Desigualdade e Democracia”, teve a participação do filósofo Wilson Gomes, coordenador do INCT em Democracia Digital (INCT.DD), e dos membros titulares da ABC Roberto Kant, coordenador do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT InEAC); e Nadya Guimarães, ex-coordenadora do INCT para Estudos da Metrópole (INCT/CEM).

Wilson Gomes

Ciência e Democracia

Wilson Gomes é pesquisador na área de comunicação e política e, em sua apresentação, se dedicou a responder à pergunta “É a democracia objeto da ciência?”. Para ele, existe uma percepção entre cientistas de que a democracia é uma condição e um precursor do desenvolvimento científico. Entretanto, essa visão não é inteiramente verdadeira, visto que existe ciência sendo feita em ditaduras. “A ciência é uma importante aliada da democracia, mas esta só sobrevive, em última instância, pela ação política”, entende Gomes.

Com isso em mente, o palestrante reforçou o papel crucial que as ciências humanas e sociais cumprem ao explorar as tendências no discurso e na prática política, auxiliando as instituições democráticas e alertando quanto ao crescimento de correntes autoritárias. A noção fantasiosa que relega às humanidades uma posição inferior às chamadas ciências duras não poderia estar mais equivocada, uma vez que nenhuma ciência técnica ou natural é capaz de ocupar esse espaço. “Se física fosse suficiente para alcançarmos a paz, a justiça e o direito, nem Einstein nem Schrödinger teriam tido que fugir da Alemanha nazista”, exemplificou.

Nesse sentido, Gomes acredita que produzir mais e melhores democracias é um dos desafios da ciência no século XXI, e apresentou alguns INCTs que vem trabalhando para isso no Brasil. O Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC), por exemplo, tem atuado no debate público pela divulgação de pesquisas em democracia através de uma coluna no Uol, além de atuar no Observatório das Eleições  e no Observatório do Legislativo Brasileiro, duas importantes iniciativas de monitoramento democrático no país.

Já o INCT em Democracia Digital se dedica a estudar como a transformação digital vem moldando a institucionalidade brasileira, seja na digitalização de processos e serviços governamentais, na relação de partidos e campanhas políticas com o ambiente virtual ou nas mudanças que redes sociais trazem para a esfera pública. Nessa temática, o INCT tem se debruçado sobre a questão da desinformação, atuando inclusive em parceria com tribunais eleitorais para controlar esse problema. “Não há mais dúvida sobre o risco que as fake news representam para a democracia”, afirmou Gomes. “Para se ter uma ideia de quão recente é esse assunto, ele não fazia parte da proposta inicial do Instituto em 2014, o que mostra também a adaptabilidade que o modelo dos INCTs permite”.

Roberto Kant

Desigualdades Institucionalizadas

O antropólogo Roberto Kant é especialista em antropologia do Direito e administração institucional de conflitos. Ele iniciou sua apresentação contrapondo a desigualdade inerente à sociedade de mercado e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, prevista na Constituição. Uma democracia liberal pressupõe a necessária convivência de todos os indivíduos e, para isso, conflitos devem ser resolvidos por tribunais que garantam segurança jurídica e previsibilidade. “O mercado desiguala materialmente, enquanto o direito deve igualar formalmente”, sumarizou.

Entretanto, quando olhamos para a realidade brasileira enxergamos um país que está entre os mais desiguais do mundo e cuja solução enfrenta vícios muito enraizados. Para Kant, muitos dos problemas endêmicos do Brasil são explicados por nossa trajetória histórica singular, de colônia que virou império antes de se tornar república, e de uma sociedade profundamente escravocrata que não promovia cidadania a uma enorme parcela de sua população, embora continuasse responsabilizando-a criminalmente. “Com o decorrer do tempo o Brasil foi instituindo direitos políticos, porém sem nunca incorporar plenamente os direitos civis”, explicou Kant.

Essa situação aparece de forma explícita em nosso sistema judicial, sobretudo na área criminal. “Os estamentos [tipo de estratificaçãosocial mais rígida que o sistema de classes, ainda presente em algumas sociedades] formais do império foram informalizados em segmentos sociais, mas não deixaram de existir na prática cotidiana”, avaliou o palestrante, que citou como exemplo a violência policial; o direito à prisão especial de acordo com escolaridade e não com o crime cometido; o foro especial para determinados cargos do funcionalismo público; e as indenizações por danos morais cujos valores são definidos a partir da posição social da vítima e não a partir da ofensa recebida. Kant trouxe também sua experiência acompanhando audiências de custódia em que características sociais e raciais tendem a causar impressões e decisões diferenciadas. “A diferença no tratamento não está apenas em resquícios do passado, mas em legislações e práticas institucionalizadas no presente”, alertou.

O palestrante elogiou o projeto dos INCTs e, em particular, os trabalho dos dez INCTs voltados às ciências sociais. Esses institutos atuam na formação de recursos humanos qualificados, na inclusão de grupos marginalizados e no desenvolvimento de iniciativas que visam uma sociedade menos desigual e mais sustentável. Kant terminou frisando que a desigualdade é uma ameaça a democracia. “É impossível criar uma cultura democrática numa sociedade em que a desigualdade é institucionalizada. Se os agentes públicos não reproduzem padrões uniformes e igualitários, quem há de fazê-lo?”, finalizou.

Nadya Guimarães.

Percepção da Desigualdade

A socióloga Nadya Guimarães iniciou sua apresentação trazendo dados que mostram como os brasileiros entendem a enorme desigualdade do país. De acordo com dados de 2018 da Oxfam e Folha de São Paulo, 88% dos brasileiros acreditavam fazer parte da metade mais pobre da população, e 70% não tinham a esperança de que a desigualdade se reduziria nos anos subsequentes. “É como se tivéssemos uma sólida consciência a respeito do problema, mas nos faltasse uma luz no fim do túnel”, resumiu a palestrante.

Guimarães alertou para o alto risco de reversibilidade de quaisquer ganhos na área, e trouxe como exemplo o artigo “Distribuição de renda nos anos 2010: Uma década perdida para desigualdade e pobreza” (Barbosa, Souza e Soares, 2019), que traz um panorama dos retrocessos nos índices de desigualdade brasileiros após uma significativa melhora na primeira década do milênio. Naquele período, a renda média das famílias cresceu 30%, e o coeficiente de Gini do Brasil caiu 10%, com redução de 12% na pobreza. Entretanto, esses ganhos se reverteram na década passada, contribuindo para uma percepção de que avanços em desigualdade são efêmeros no país.

Apesar de tudo, a percepção da sociedade sobre como combater o problema é reveladora, 67% dos brasileiros acreditam que a educação é crucial para promover equidade e 79% entendem que é papel do governo atuar com esse intuito. Para responder a esses anseios, a palestrante trouxe exemplos de INCTs que atuam na área da educação, das políticas públicas de inclusão e estratégias de desenvolvimento e mitigação de desigualdades. “Os INCTs representam apoio contínuo e de longo prazo, algo estratégico nas ciências sociais. O formato colaborativo, multidisciplinar e interinstitucional é especialmente promissor para tratar de desafios complexos como os que enfrentamos hoje”, finalizou.

Leia tudo sobre a segunda sessão do webinário, sobre “Sustentabilidade do Planeta: Terra, Mar e Ar”

Assista o webinário na íntegra no YouTube da ABC:

Estudo revela mecanismo de alta transmissão do coronavírus

Confira trechos de matéria da Folha de S. Paulo publicada em 22 de maio:

 

Uma pesquisa inédita mostrou como algumas proteínas que formam a superfície do coronavírus podem estar desempenhando um papel fundamental na capacidade elevada de replicação de algumas de suas variantes.

A principal proteína envolvida nessa função é a não-estrutural 6 (NSP6, na sigla em inglês) que, quando sofre uma mutação, acaba criando uma ligação melhor entre estruturas envolvidas no processo de multiplicação do Sars-CoV-2 e da célula hospedeira. Outras envolvidas são a NSP3 e a NSP4.

Essa conexão mais “refinada” entre o compartimento contendo o vírus dentro da célula e outros componentes celulares também atua impedindo a defesa natural do organismo contra o invasor, por isso ela garante maior sucesso replicativo.

Entre as variantes de preocupação (VOCs, na sigla em inglês) que carregam essa mutação estão a alfa, gama (que surgiu em Manaus), lambda e a subvariante BA.2, da ômicron, que já é predominante no Brasil.

(…)

“O vírus, quando ele invade a célula, ele utiliza a maquinaria presente nas células hospedeiras para fazer o seu processo de replicação, e o coronavírus Sars-CoV-2, assim como outros vírus, faz esse processo em locais que são as vesículas de dupla membrana. Como essas vesículas precisam de componentes para se formar, é aí que a comunicação fornecida pela NSP6 atua, organizando esse processo replicativo”, explica Patrícia Bozza, chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz e uma das autoras do estudo.

(…)

Leia a matéria completa na Folha de S. Paulo.

Última Conferência Magna recebeu a líder técnica da OMS para a Covid-19

Maria Van Kerkhove com o Acadêmico Wilson Savino.

Para abrir o último dia de Reunião Magna 2022: O Futuro é Agora, a Academia Brasileira de Ciências recebeu para a Conferência Magna a epidemiologista Maria Van Kerkhove, líder técnica do grupo de resposta à covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS). Kerkhove tem vasta experiência no combate a doenças infecciosas, é chefe do Programa de Emergências em Saúde da OMS para Doenças Emergentes e Zoonoses, tendo liderado a Força-Tarefa de Investigação de Surtos no Centro de Saúde Global do Instituto Pasteur, em Paris.

Enfrentando a  Covid-19

Durante toda a apresentação, a representante da OMS enfatizou que a pandemia ainda não acabou, e que relaxar nos cuidados é um erro que deixa o mundo cego para futuros surtos. Ao todo, o novo coronavírus já é responsável por 6 milhões e duzentas mil mortes registradas ao redor do mundo, número que deve ser até três vezes maior considerando o alto número de casos que não chegam a ser contabilizados. “Estamos vendo um declínio nos números globais, mas parte dele é explicado apenas pela diminuição do monitoramento”, avaliou.

A discrepância entre as estratégias adotadas e a própria realidade de cada país demandam algumas preocupações na hora de avaliar os números. Ainda assim, muitos avanços ocorreram nestes últimos dois anos. “O Brasil, por exemplo, passou de três laboratórios fazendo testagem para vinte e sete”, lembrou a palestrante. A necessidade de adaptação rápida e localizada foi defendida como um dos fatores cruciais para o enfrentamento. Entretanto, as bruscas mudanças nas orientações e políticas públicas foram vistas como dificultadores, gerando desconfiança na população. “Em muitos lugares, o que vimos foi um movimento pendular entre tudo ou nada, entre severas restrições e liberação total”.

Mas o que realmente mudou o curso da pandemia foi a vacinação. Ao sobrepormos as taxas de imunização com a mortalidade, podemos ver claramente a correlação – quanto mais completo o ciclo vacinal, menor o número de mortes. Na maior parte dos países, alta vacinação caminha lado a lado com outros fatores que contribuíram para o controle da pandemia, como testagens e acesso a tratamento. Entretanto, um problema que foi observado mesmo em países que lidaram bem com a doença foi a desinformação. “Não existe a menor dúvida de que fake news mataram nessa pandemia, mesmo que não possamos ainda quantificar em que extensão”, frisou a palestrante.

A baixa cobertura vacinal (Figura 1), sobretudo no Sul Global, é um fator de risco para o surgimento de novas variantes. Atualmente, o mundo está em alerta para as novas linhagens da ômicron, BA.1 e BA.2, que são mais transmissíveis, e, no caso da última, vem provocando fechamentos de cidades inteiras na China. Kerkhove lembrou que a evolução e recombinação dos vírus inevitavelmente trarão novas cepas. “BA.1 e 2 são as com que nos preocupamos agora, mas novas virão, o coronavírus permanecerá e temos que lidar com ele”.

Figura 1. Números da vacinação ao redor do mundo. Kerkhove apresenta a situação atual da imunização, dividida por região e metas percentuais.

Futuro da pandemia

Pensando no futuro, a OMS trabalha com alguns cenários. O mais provável é que novas variantes com diferentes graus de risco continuem surgindo, com impactos cada vez menores devido à vacinação, mas ainda capazes de gerar surtos localizados e afetar especialmente grupos vulneráveis e não vacinados. Uma situação pior aconteceria se essas variantes escapassem significativamente a cobertura das vacinas atuais, o que demandaria atualizações mais frequentes e mais doses de reforço. Sendo otimista, podemos esperar também um futuro em que as novas cepas são cada vez mais fracas e não demandem tanto reforço. “Trabalhamos também com um cenário de recomeço, onde surge um novo vírus completamente novo que nos jogue de volta a 2020, por isso precisaremos estar sempre preparados”, disse Kerkhove.

Apesar das muitas críticas ao enfrentamento global da pandemia, a palestrante elogiou a solidariedade global entre cientistas, integrando dados, inteligência e equipes laboratoriais. “Quando me perguntam quantas pessoas estão na minha equipe, eu respondo ‘milhares!’, são tantos contatos internacionais, tantas pessoas disponíveis, que, de certa forma, nós da ciência estivemos todos no mesmo time”. Entretanto, a mesma colaboração não foi observada entre governos, e os níveis vacinais dos países mais pobres atestam isso. “Atualmente, apenas 54 dos 193 países existentes no mundo atingiram a meta da OMS de 70% da população vacinada”, apontou Kerkhove.

A palestrante fez questão de frisar que, embora a meta global seja de 70%, esse número precisa estar distribuído de forma equitativa, com especial cuidado com os grupos vulneráveis. “Precisamos cobrir 100% dos grupos de risco”, alertou. Atualmente, 11,7 bilhões de doses já foram aplicadas no mundo inteiro, com 59% da população global com o ciclo vacinal completo e 66% ainda incompleto. “Temos muito trabalho pela frente para fortalecer a arquitetura de saúde global. Entramos num período de negligência, e muitos sistemas estão sendo desmontados. Temos que lembrar que não existe paz na preparação para pandemias”, reforçou.

Por fim, Kerkhove lembrou que todos os aspectos da sociedade foram afetados pela pandemia, e que, por isso, sistemas de preparação devem ser muito amplos. O vírus causou disrupção não apenas na saúde, mas na economia, na produção de alimentos, na educação e até no clima – com a diminuição de investimentos em energias renováveis. “Todos tivemos nosso futuro alterado”, declarou. “Precisamos de governança, inovação, comunicação, treinamento de pessoal, e, não menos importante, bom senso”, concluiu.

Debate

Após a palestra, o espaço foi aberto para os participantes lançarem perguntas, e alguns temas mais específicos foram abordados.

Solidariedade internacional

Respondendo a uma pergunta sobre a imunização de países subdesenvolvidos, Kerkhove analisou que faltou mais engajamento das nações ricas. “Faltou logística, estratégia, prioridades, enfim, acesso equitativo aos imunizantes”, disse. Outro problema foi o monitoramento insuficiente e as barreiras que muitos países impuseram aos observadores internacionais. “Existiu pouco incentivo à transparência devido às consequências geopolíticas, como restrições de viagens e problemas na imagem internacional”.

Quanto à OMS, a palestrante lembrou que a organização foi muitas vezes tragada no debate político, o que só contribuiu para o crescimento da desinformação. Ela considera que o financiamento ainda é insuficiente para cobrir todas as frentes de atuação da entidade. “Nosso orçamento é menor do que o de um único grande hospital de Nova York, somos gratos pelo que recebemos, mas precisamos de mais”, ressaltou.

Testes caseiros

Recentemente, foram disponibilizados no mercado testes de covid-19 de aplicação individual, o que levantou dúvidas sobre a eficácia diagnóstica e de controle epidemiológico. Para Kerkhove, contanto que sejam fáceis e intuitivos, esses testes são bem-vindos, e colaboram para um maior monitoramento. Entretanto, estes precisam estar ligados de alguma forma a uma base de dados para controle. “Nos EUA temos testes que podem ser contabilizados por QR code, mas que ainda não estão ligados a uma base de dados do governo. Isso mostra que a tecnologia existe e deveria estar sendo utilizada”, exemplificou.

Assista ao 2º dia da Reunião Magna pelo YouTube da ABC, em português ou inglês:

Fertilizantes e bioinsumos são tema do 51º Webinário da ABC

O destaque agropecuário brasileiro esconde uma falta de autossuficiência perigosa. Cerca de 85% dos fertilizantes usados no país são importados, resultado de uma tendência de crescimento que já dura três décadas. Essa dependência externa expõe o Brasil às flutuações – comuns nesse mercado – e a crises internacionais. O preço de aditivos está em alta desde o ano passado, e a guerra na Ucrânia cria um sério risco de desabastecimento.

Mariangela Hungria, membro titular da ABC.

Em meio a esse cenário, uma oportunidade surge para o uso de insumos biológicos. O Brasil já é liderança mundial em aplicação de microorganismos na agricultura, graças a um século de pesquisas na área. Apesar de ainda representarem uma parcela minoritária dos aditivos utilizados, o mercado de bioinsumos no país cresce cerca de 30% ao ano.

Para debater esse assunto, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) convidou para o seu 51o webinário, realizado em 29 d emarço com o tema “Fertilizantes e Bioinsumos para a produção de alimentos no Brasil”, a engenheira agrônoma Amália Piazentim Borsari, diretora de Biológicos da CropLife Brasil; o agrônomo José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos; a engenheira agrônoma e membro titular da ABC Mariangela Hungria, pesquisadora da Embrapa Soja; e o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2003 – 2006), Roberto Rodrigues, Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV).

 

Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Futuro da agropecuária

As projeções para o futuro do planeta indicam que os desafios da agropecuária brasileira serão ainda maiores. Até 2050, estima-se que a população mundial atingirá 10 bilhões de pessoas, o que demandará um aumento de 50% na produção de comida. Como muitos países não são autossuficientes nessa área, isso significa um crescimento ainda maior do que a média em grandes produtores. “Para que em 10 anos a produção mundial cresça 20%, o Brasil terá que crescer 40%”, afirmou Roberto Rodrigues durante o evento.

Além disso, a mais recente avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) alerta que o aquecimento global deve causar perdas consideráveis na agropecuária, sobretudo em regiões tropicais. Segundo o relatório, a produção brasileira de milho e soja deve sofrer uma queda superior a 30%, e a quantidade de terras aráveis per capita no mundo diminuirá em 20%. Diante dessa situação, soluções inovadoras e sustentáveis se tornam cruciais. “A modernização da agricultura passa por otimizar tecnologias, sistemas de produção e gestão, e processos distributivos”, avaliou Amália Borsari.

Amália Borsari, diretora de Biológicos da CropLife Brasil.

Agroquímicos x biológicos

Apesar de possuir pesquisa de ponta na área de bioinsumos há décadas, a produção agropecuária brasileira sempre dependeu mais de fertilizantes químicos. Até hoje existe a percepção entre agricultores de que aditivos biológicos são de menor qualidade e eficácia nos cultivares tradicionais. “No passado, o biológico era pra ser combatido, atitude estimulada pela indústria de químicos”, disse Borsari.

Entretanto, isso vem mudando nas últimas décadas. Investimentos em inovação permitiram ao setor crescer num ritmo mais acelerado que o da indústria química, gerando produtos cada vez mais tecnológicos. Os números também mostram que a resistência dos produtores está diminuindo. “Estamos entrando na terceira geração de biológicos”, acrescentou a palestrante.

Para ilustrar esse desenvolvimento, a Acadêmica Mariangela Hungria falou sobre casos brasileiros de sucesso. “Um bom exemplo é o nitrogênio, que no Brasil é 90% importado, tem uma eficiência de absorção pelas plantas de, no máximo, 50%, e o resto é perdido para o ambiente”. Algumas bactérias, porém, conseguem capturar esse elemento do ar e transformar em amônia para as plantas. Esse processo é tão eficiente que os genes envolvidos foram transportados para outros procariontes, de forma a serem usados em associação a outras plantas. “Isso é o que torna a soja brasileira a mais competitiva do mundo”, explicou Hungria.

A pesquisadora avaliou também que a agricultura brasileira ainda desperdiça muitos recursos com adubação química em plantas que não precisam. “Existe um pensamento entre agricultores de colocar ‘só’ 30 kg de nitrogênio na soja para dar um arranque, mas isso é antiquado, não precisa”, exemplificou, citando também a combinação de microorganismos e a reinoculação como inovações pensadas pela pesquisa agropecuária brasileira.

José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos.

Uma estratégia nacional para fertilizantes

No dia 11 de março, o Brasil lançou oficialmente o novo Plano Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas, que planeja o desenvolvimento do setor até 2050 com o objetivo de reduzir a dependência externa. O agrônomo José Carlos Polidoro fez parte do grupo de trabalho interministerial que elaborou o Plano, e apresentou um pouco mais de seu conteúdo.

A estratégia se sustenta em cinco pilares: adequar a infraestrutura para integrar polos de produção; aumentar investimento em pesquisa e inovação; reativar e modernizar projetos existentes; melhorar o ambiente de negócios; e criar vantagens competitivas com insumos verdadeiramente tropicais. “O Brasil precisa diminuir o subsídio a insumos importados, temos uma longa história de projetos descontinuados nessa área, o que nos coloca na insegurança atual”, lembrou o palestrante.

O documento também sugere ações imediatas, como incluir fósforo e potássio na lista de minerais estratégicos, alocação de uma parte do FNDCT em pesquisas com aditivos rurais e programas de aproximação com agricultores, como a Caravana FertBrasil, que, nas palavras de Polidoro, ensina “como, quando, onde e porquê adotar cada fertilizante”. Outra decisão foi a criação de um Conselho Nacional de Fertilizantes, com técnicos representando os setores público e privado.

Outras preocupações para a agropecuária

Mas nem só a insumos se resume o desenvolvimento do agro brasileiro. Segundo o ex-ministro Roberto Rodrigues, os avanços que o setor obteve nas últimas décadas ainda podem ser maximizados em diversas áreas, sobretudo em segurança e infraestrutura para os produtores. “Na década de 70, o Brasil enviou muitos agricultores para o Centro-Oeste num grande plano de governo, mas a infraestrutura chegou em menor grau”.

Além da infraestrutura física, Rodrigues defende também uma infraestrutura burocrática que dê mais segurança jurídica aos agricultores, com simplificação tributária e uma política de renda que inclua seguro rural, crédito para tecnologia e preços de garantia. O palestrante defendeu também a integração de pequenos produtores em cooperativas. “Atualmente, temos 5 milhões de produtores no Brasil e apenas 1 milhão está no mercado. Precisamos organizar os 4 milhões restantes e trazê-los para esse circuito”, avaliou.

O ex-ministro terminou analisando a importância que o tema da segurança alimentar deve ganhar nos próximos anos e sugerindo que o Brasil dialogue mais com o exterior. Além de mais acordos comerciais e avanços diplomáticos, Rodrigues entende que o país precisa recuperar sua imagem e, para isso, é preciso combater ilegalidades. “O Brasil precisa se desenvolver tendo o alimento como ponto central”, finalizou.

Assista ao webinário completo no YouTube da ABC:

 

Repercussão na mídia:

Agrolink – Bioinsumos e fertilizantes foram debatidos na Academia Brasileira de Ciências

Acadêmicos debatem a importância da inovação tecnológica e o papel da indústria

Os participantes Fernando Galembeck, Pedro Wongtschowski, Carlos A. Pacheco e Jorge Guimarães.

 

A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) reuniu cientistas de diversas áreas para a 9ª Conferência Fapesp 60 anos, que ocorreu nesta quarta-feira, 23/3. Sob a temática “Inovação e Indústria”, os palestrantes debateram a importância da inovação tecnológica e sua imprescindibilidade na agenda de inúmeras instituições, incluindo a própria Fapesp. 

Desde o final dos anos 1970, a palavra inovação entrou de forma definitiva na agenda das políticas de ciência e tecnologia. A inovação tecnológica está no centro das estratégias empresariais e esforços políticos e públicos de melhoria de qualidade de vida. Dessa forma, a ciência – tanto a básica, quanto a aplicada – e o desenvolvimento tecnológico se unem para adentrar os mercados e as políticas públicas.  

Segundo Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp e membro titular da ABC, a inovação sempre fez parte do planejamento da instituição: “Aqui, todos reconhecem que a origem da inovação está na ciência. E a inovação leva ao crescimento econômico.” 

“À medida que os setores dependentes do conhecimento se expandem e a pressão competitiva aumenta, o financiamento da pesquisa básica se torna um elemento central para apoiar o desenvolvimento empresarial e para promover interação entre os setores público e privado”, observu o Acadêmico. Para Zago, os palestrantes devem discutir o papel de uma agência de apoio à pesquisa na promoçã da inovação. 

O ponto de vista de quem inova 

O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Fernando Galembeck, também membro titular da ABC, afirma que apesar de a inovação ser muito defendida e muito necessária, ela envolve problemas ético-sociais e tem opositores – como os trabalhadores que temem que sua mão de obra seja substituída pelo uso de máquinas. “Por muitos anos disseram que um dia ocorreria o ‘fim da ciência’. De fato, estamos vivenciando um novo mundo na ciência. Um mundo do caos, do status e da complexidade”, observa o químico, defendendo formas inovadoras de fazer ciência, novas ferramentas e mais possibilidades.  

Ao oferecer um panorama do ecossistema de inovação no Brasil, Galembeck defende que o país oferece vantagens, mas precisa aprender como explorá-las a seu favor: “Existe capacidade ociosa, o que reduz as necessidades de investimento em plantas, e a crescente intensidade do interesse de empresas industriais em inovação. Já aderimos às práticas de ESG [sigla para environmental, social and corporate governance, abordagem para avaliar até que ponto uma corporação trabalha em prol de objetivos sociais que vão além do tradicional], mas é preciso estendê-las para o setor público.” No entanto, as desvantagens ainda são muitas, o que dificulta o progresso: “O essencial aqui é que o ecossistema precisa ser todo forte, ou não avançamos. Nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco”, declara o Acadêmico. Galembeck aponta o negacionismo, os altos custos e a legislação hostil como alguns dos principais pontos fracos do país dentro desse aspecto. “Deixo claro que, nesse ecossistema, o que mais importa, do meu ponto de vista, é talento. É ter pessoas qualificadas, diversificadas e com objetivos comuns.” 

Em seu laboratório, Galembeck está em busca da inovação, tendo destacado um de seus mais recentes projetos na apresentação: a higroeletricidade, que foi descoberta em 2010 e verificada por vários autores, um tipo de eletricidade estática formada em gotículas de água e podendo ser transferida para pequenas partículas de poeira. O cientista desenvolveu um equipamento que se propõe a gerar energia através da higroeletricidade presente na umidade do ar, gerando uma quantidade de energia equivalente a 0,000001% da produzida em uma mesma área por uma célula solar. “Ao abandonar um velho paradigma, foi possível viabilizar um novo processo de produção de energia”, aponta o químico. 

O ponto de vista de quem financia a inovação  

Jorge Almeida Guimarães ousou ao propor um debate sobre o desencontro entre as ICTs e a indústria no Brasil e o papel de mediação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), onde atua como diretor-presidente. Segundo ele, um dos grandes erros dessa ligação é a ausência de uma cultura que facilite uma interação entre os órgãos, capaz de destacar a importância da pesquisa para o desenvolvimento socioeconômico do país.  

Guimarães defendeu que os pilares da educação são talento, instituições acadêmicas fortes e a existência de um estado empreendedor, capaz de investir em ciência – algo que o Brasil não tem até os dias de hoje. “Continuamos escapando da necessidade do Estado de participar pesadamente na subvenção e no recurso não-reembolsável… Esse foi um dos motivos pelos quais surgiu a Embrapii”, conta o pesquisador, utilizando a situação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) como exemplo. Metade da verba do fundo virou empréstimo bancário, oferecio pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Apesar de o Brasil preeencher todos os outros requisitos, a falta de um governo capaz de prover incentivo à ciência ainda é uma lacuna que precisava ser preenchida.

Visando suprir essa ausência, em 1951, foram criadas as primeiras iniciativas de amparo à pesquisa, com a fundação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Fapesp, primeira fundação de apoio à pesquisa estadual, surgiu em 1960. Criada em 2013, a Embrapii é uma associação privada criada para ampliar os centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, além de buscar solucionar outros problemas, como diminuir a distância entre produção científica e desenvolvimento tecnológico. “O índice de inovação tecnológica no Brasil ainda é muito baixo”, comenta Guimarães. “Há mais de 2 mil indústrias no país e poucas promovem pesquisa e desenvolvimento. É necessário fazer algo diferente.”  

Quase uma década após sua criação, a instituição demonstra um rápido crescimento, contando com 76 Unidades Embrapii – centros de pesquisa com foco em desenvolvimento de alta tecnologia industrial. Os projetos desenvolvidos nas instalações prezam pela alta rigorosidade e competitividade, além de abrangerem múltiplas competências, desde inteligência artificial até engenharia marinha. Para o futuro, Guimarães espera que a atuação da Embrapii cumpra com um de seus principais objetivos: elevar para 2% a participação de pesquisa e desenvolvimento no PIB brasileiro.  

Assista à gravação completa no canal da Fapesp no YouTube.

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