No dia 10 de dezembro, o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) celebrou o recebimento do arquivo pessoal do físico e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) José Israel Vargas, falecido em 15 de maio deste ano. A doação foi uma decisão da família junto ao cientista ainda em vida, e suas três filhas – Maria, Joana e Cláudia – estiveram juntas na cerimônia de assinatura do termo.
A química Maria Domingues Vargas, que também é Acadêmica, afirmou ter incentivado a doação devido à sua atuação próxima ao MAST no Projeto Memória Histórica da ABC, uma parceria entre as duas instituições. “Sinto muita admiração e confiança pelos técnicos, graças à relação que construímos no projeto da ABC. Mas o que realmente convenceu meu pai foi descobrir que o acervo de seu querido amigo Maurício Peixoto já estava por aqui”.

Maurício Peixoto, outro ex-presidente da ABC, teve seu acervo doado ao MAST em 2023. Para o diretor da instituição, Márcio Rangel, receber os acervos de grandes cientistas consolida a imagem do museu e só é possível graças à confiança depositada pelas famílias. “Um acervo é algo com múltiplas dimensões, inclusive afetiva. Por isso, precisamos mostrar que o material será bem cuidado e tratado. Em 2025 o MAST completa quatro décadas, então nada melhor do que fecharmos o ano com essa honra”, avaliou.
A cerimônia contou com a participação remota da ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, que elogiou a decisão da família. “É uma escolha repleta de significado e que reflete a confiança na equipe do MAST, um espaço privilegiado para preservação e valorização da memória científica. O legado de José Israel Vargas servirá de exemplo e inspiração para iluminar os caminhos da ciência brasileira. Um homem que dedicou sua trajetória à ciência como bem público”.
Outro Acadêmico que já doou seu próprio acervo ao MAST é o paleontólogo Diógenes Almeida Campos, convidado pelo museu para ministrar uma palestra sobre Vargas. Ele destacou a carreira dupla do pesquisador, que equilibrava prática científica e ação política. “Conheci Vargas quando ele voltou do exílio. O então presidente da ABC Maurício Peixoto me disse ‘Isso aqui agora vai fervilhar, pois Vargas é um verdadeiro vulcão’, e era mesmo!”.

Após o golpe militar de 1964, Vargas foi afastado de sua posição na UFMG e seguiu para o exílio na França, onde liderou um grupo de pesquisa no Centro de Estudos Nucleares do Comissariado de Energia Atômica. “Encontramos o processo movido pela ditadura militar contra ele e os relatórios secretos do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) sobre suas atividades políticas desde 1963, quando foi preso no protesto do ‘O Petróleo é Nosso’”, contou Joana Vargas, socióloga e professora da UFRJ..
De volta ao Brasil, José Israel Vargas liderou a Comissão de Avaliação do Programa Nuclear Brasileiro, que ficou conhecido como comissão Vargas. Uma cópia do relatório final da comissão está no acervo, cuja liberação em 1990 aconteceu por iniciativa de Vargas enquanto ocupava a presidência da ABC.
De 1992 até 1999, o Acadêmico ocupou o cargo de ministro de Ciência e Tecnologia, até hoje a pessoa com mais tempo à frente da pasta. “Sua gestão é lembrada pela estabilidade. Consolidou instituições, criou a Ordem Nacional do Mérito Científico (ONMC) e sempre pensou a ciência à serviço da sociedade. Foi um dos primeiros gestores a levar em conta a questão ambiental, sobretudo relacionado à mineração. Defendia que o cientista deveria ser um cidadão engajado e um gestor público comprometido”, contou Diógenes.
Internacionalmente, Vargas também ocupou os cargos de embaixador do Brasil na Unesco e presidente da Academia Mundial de Ciências (TWAS). “Sua trajetória internacional foi robusta, mas sempre manteve um olhar voltado ao Brasil”, sumarizou o palestrante.
Organizar o arquivo e trazê-lo de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro foi um trabalho árduo, e dois terços do material já estão em posse do MAST. Entre as peças estão documentos, livros, fotografias, encadernações, maquetes, gravações e diversos outros formatos. “Ficamos muito felizes de o acervo agora estar junto aos de seus grandes amigos Maurício Peixoto e Jacques Danon”, afirmou Cláudia Vargas, neurobiologista e professora da UFRJ..
Ao final da cerimônia, o termo de doação foi assinado pelas três filhas e pelo diretor-geral do MAST. O cientista Lindolpho de Carvalho Dias amigo da família e Secretário-Executivo do MCT, no período em que o Prof. Vargas foi ministro, assinou como testemunha.
Assista à cerimônia completa: