A vice-presidente a Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a Região Minas Gerais e Centro-Oeste, Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, realizou em 18 de novembro, na COP 30, a palestra magna “A Contribuição da Ciência para as Políticas Nacionais de Mudança do Clima”, na Casa da Ciência, iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG),
A pesquisadora destacou três modelos de comunicação científica que orientam a produção de políticas climáticas. O primeiro, tradicional e linear, se caracteriza pela produção de conhecimento científico seguida de recomendações aos tomadores de decisão, como os sumários executivos. O segundo modelo preconiza uma interação mais forte entre cientistas e gestores públicos, exigindo instituições-chave como pontes. O terceiro é representado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), exemplo clássico onde cientistas se reúnem para produzir relatórios consolidados.
Ciência como fundamento da ação climática
“A ciência é a base, é a fundação efetiva da informação climática”, afirmou Bustamante, enfatizando o papel do conhecimento científico sobre causas, impactos e soluções para as mudanças do clima. Um dos principais desafios apontados pela pesquisadora é transpor o conhecimento global para ações locais, especialmente considerando que os problemas climáticos são complexos e acompanhados de incertezas.
A professora destacou temas centrais do último relatório do IPCC (2021-2023): o impacto significativo de cada grau de aquecimento, os limites da adaptação e a necessidade essencial de trabalhar mitigação e adaptação de forma conjunta. “Quanto mais cedo a gente encaminhar a adaptação, mais a gente vai proteger. A mitigação é essencial porque a adaptação tem limites”, alertou.
Mercedes Bustamante ressaltou que o Brasil possui uma história bem-sucedida em política ambiental, especialmente no monitoramento de florestas tropicais. O país foi pioneiro ao desenvolver sistemas como o Prodes [Projeto de Monitoramento do Desmatamento por Satélite] e o Deter [Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real], inicialmente para a Amazônia e posteriormente expandidos para todos os biomas brasileiros. “Essa iniciativa representa benefícios ambientais, oportunidade econômica e ganhos sociais. A decisão de tornar os dados de desmatamento públicos e transparentes foi uma revolução naquele momento”, destacou a pesquisadora, lembrando que isso permite que comunidades indígenas participem do processo de discussão.
Outro exemplo citado foi a participação dos cientistas brasileiros, por meio da Rede Clima, no apoio à elaboração de inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa, fundamental para o estabelecimento de metas de redução.
Desafios persistentes
Apesar dos avanços, a Acadêmica apontou desafios consideráveis que exigem continuidade na geração de conhecimento. Entre eles estão a coleta de dados em vastas regiões ainda pouco estudadas dos biomas brasileiros, a compreensão de como os ecossistemas já respondem às mudanças climáticas e a quantificação das incertezas nas estimativas.
“Mudança climática tem que ser vista como uma emergência nacional. Nós somos um país que ainda tem enormes vulnerabilidades”, alertou Bustamante, citando as secas históricas de 2024 no Sul do país e os incêndios florestais na Amazônia e no Cerrado. A ecóloga também chamou atenção para os impactos já observados e as projeções futuras: aumento da temperatura e redução da precipitação no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, enquanto o Sudeste tende a ter aumento da precipitação. “A gente precisa pensar também nas áreas urbanas, onde nosso processo de urbanização foi pouco planejado, com muitas populações em áreas de risco”, afirmou.
Soluções baseadas na natureza
Entre as oportunidades, Bustamante destacou as soluções baseadas na natureza. O Brasil ainda possui cobertura vegetal significativa e possibilidades de melhorar a agricultura de forma sustentável, além de projetos de restauração que incorporem diversidade social, cultural e conhecimentos tradicionais.
No entanto, a professora alertou que os custos iniciais dessas soluções podem ser altos e que é necessário conhecimento técnico para entender como os processos funcionarão a longo prazo. “A gente planta uma árvore hoje, mas tem que pensar que são florestas que têm que estar aí nas próximas décadas, em um ambiente que está mudando”, explicou.
Novos desafios para a ciência
Para a nova geração de cientistas, Bustamante apresentou questões fundamentais: qual conhecimento é necessário para uma economia sustentável baseada no capital natural? Como preparar os sistemas para mudanças climáticas e geopolíticas? Quais habilidades são necessárias para formar uma comunidade científica preparada para esses desafios? A presidente regional da ABC defendeu estratégias para integração efetiva entre ciência e política pública, como a criação de “science advisors” no governo, missões de inovação focadas em soluções localizadas e o conceito de transição justa.
“A gente já avançou muito em função do conhecimento que acumulamos, mas temos novas perguntas e desafios. É preciso superar as dificuldades de financiamento e garantir que as decisões sejam baseadas na ciência, lidando com complexidade e incerteza, mas sem paralisar a ação”, concluiu.