Palestras Magnas da Diplomação Sul abordam nanomateriais e glaciologia

Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar

No dia 30 de outubro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizou, no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, a diplomação dos novos membros afiliados ABC para a regional Sul eleitos em 2024 e 2025. Devido à tragédia das enchentes do ano passado, não havia sido possível realizar o evento de 2024. Como parte da cerimônia, a ABC convidou seus membros titulares, Aldo Zarbin (UFPR) e Jefferson Cardia Simões (UFRGS) para ministrarem palestras magnas para seus novos colegas. Confira:

Nanoarquiteturas para baterias transparentes, flexíveis e sustentáveis

Aldo Zarbin

Baterias já se tornaram parte das nossas vidas, estamos cercados por eletrônicos que funcionam a partir delas. Também alternativas para a descarbonização da matriz energética, como a eletrificação da frota de automóveis ou os painéis solares, dependem de baterias para funcionar. O problema é que as baterias tradicionais funcionam utilizando o lítio, um metal raro cuja extração é extremamente danosa ao meio ambiente.

Buscar alternativas ao lítio, bem como inovações que tragam transparência e maleabilidade as baterias, o que permitiria uma série de novas aplicações, é o trabalho do Acadêmico Aldo Zarbin, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde lidera o Grupo em Química dos Materiais. “Nossa busca é substituir o lítio por sódio ou potássio. O sódio, por exemplo, tem no sal da cozinha, é muito mais barato e limpo. Mas se fosse fácil já estava todo mundo fazendo”, brincou. “O problema é que o material que funciona com o lítio não funciona com o sódio, então é preciso trocar tudo”.

Encontrar esses novos materiais não é tarefa fácil, é preciso inovação. Muitas vezes, todas as propriedades necessárias não vão existir em um só material, então é preciso combinar dois ou mais tipos diferentes. É aí que entra a técnica de nanoarquitetura, que busca maximizar o contato entre dois materiais para obter propriedades únicas. “O bacana da engenharia de materiais é o efeito sinérgico que conseguimos quando combinamos, o resultado tem propriedades a mais do que apenas a soma das partes”, explicou Zarbin.

O uso de materiais combinados, entretanto, gera desafios adicionais para obter transparência e maleabilidade. Isso porque essas características são atingidas quando diminui-se a espessura dos materiais ao que chamamos de “filtro fino”, quando a espessura é menor que o comprimento de onda da luz visível, e portanto é transpassada por ela. “É um desafio enorme preparar materiais em filtro fino, mais ainda quando se tratam de materiais combinados por nanoarquitetura”, conta.

Mas o grupo de Zarbin conseguiu. Utilizando tecnologia 100% brasileira e com financiamento majoritariamente público, o trabalho acaba de ser capa da revista Sustainable Energy & Fuels, da Royal Society of Chemistry, uma das líderes do setor. “Essa é a primeira vez na literatura que se reporta a criação de uma bateria com essas seis características: aquosa, transparente, flexível, estável, recarregável e de sódio. É fruto das universidades públicas e com alta capacidade de expansão em aplicações e materiais”, finalizou.

O registro das mudanças ambientais no gelo polar

Jefferson Simões

Uma das ironias das mudanças climáticas é que algumas das estruturas naturais mais ameaçadas pelo aquecimento são também as mais valiosas para contarem essa história. Tratam-se das geleiras polares da Groenlândia e principalmente da Antártica, continente que concentra 90% do gelo do planeta. Estudar as geleiras é o foco do glaciologista Jefferson Cardia Simões, professor da UFRGS que coordena o INCT da Criosfera e integra o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).

Essas formações tem origem com o acúmulo de camadas sucessivas de neve, que deixam uma marca similar ao que são os estratos geológicos nas rochas. Conforme a neve se acumula, as camadas mais baixas se tornam mais densas, pela pressão, mas pequenos vãos com ar ou sedimentos sobrevivem, se tornando verdadeiras janelas para entendermos a composição química da atmosfera milhares de anos atrás. “Hoje dizemos que é a melhor técnica de reconstrução da história climática e da química atmosférica”, resume Simões.

Quanto maior a capacidade perfurante dos equipamentos, mais longe no passado conseguimos ir. Algumas equipes de cientistas europeus, sobretudo franceses e russos, já estão reportando análises em gelo de um milhão de anos atrás, coletado a uma profundidade de quatro quilômetros. Os equipamentos que os cientistas brasileiros têm à disposição permitem analisar “apenas” 150 metros, mas essa distância já é suficiente para obter respostas sobre o período mais importante das mudanças climáticas, as duas décadas que nos separam da Revolução Industrial.

Analisando, por exemplo, a razão de isótopos estáveis nessas bolhas de atmosfera os cientistas conseguem medir a temperatura do passado, e observar a aceleração do aquecimento nas últimas décadas. Análises de partículas aprisionadas permitem um vislumbre da poluição, do presente e do passado. Estudos internacionais já recuperaram vestígios de grandes erupções e até da poluição por resquícios de prata quando da expansão da cunhagem de moedas no Império Romano!

Mas é concentração de gás carbônico que realmente assusta Simões. Desde 1960, esta saltou de 300 partes por milhão por volume (ppmv) para 430 ppmv. Quando analisamos os últimos 200 anos, o valor quase dobrou. Uma análise ainda mais longa, pegando os últimos 800 mil anos, mostra que as concentrações de CO2 na atmosfera são cíclicas, alternando períodos de maior ou menor atividade biológica. Entretanto, as concentrações atuais já estão 50% maiores do que qualquer período de pico já registrado. “Se deixarmos chegar em 500 ppmv estaremos falando de, no mínimo, 2°C de aquecimento garantidos”, alertou Simões.

Concentração de gás carbônico na atmosfera em 2025 (estrela) é a maior e mais discrepante em 800 mil anos (Fonte: Jefferson Simões/ apresentação)

Assista às palestras aos 25m e 4h34m do vídeo abaixo:

Saiba tudo sobre o Simpósio e Diplomação dos Membros Afiliados ABC Regional Sul 2024 e 2025

(Marcos Torres para ABC, 07/11/2025)