Médico e pesquisador, dos bichos

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O veterinário Ulisses de Pádua Pereira nem lembra quando começou a dizer que queria “ser médico de bicho”. O amor pelos animais o acompanha desde o início, fruto de uma infância em constante movimento entre várias pequenas cidades do interior de Minas Gerais. Ulisses acompanhava o pai, Geraldo, técnico agrícola que visitava fazendas para acompanhar a produção de laticínios. “Eu adorava ir com ele, sempre voltava com pintinhos, patinhos e filhotes de gato e cachorro. Minha mãe ficava brava porque atacava a minha bronquite”, lembra com carinho.

Quando Ulisses tinha dez anos, ele e seus três irmãos mais velhos – Sibele, Angélica e Leandro – foram morar sozinhos em Lavras. Os pais entenderam que seria melhor deixar os filhos numa cidade boa para os estudos, já que as mais velhas chegavam à hora do vestibular. Durante esse período, Ulisses foi o único que não precisou trabalhar, podendo se concentrar apenas na escola, e ele aproveitou essa oportunidade. Seu talento para as ciências exatas e naturais chamou a atenção dos professores, e lhe seria muito útil para a carreira que havia decidido seguir.

Mas para isso precisaria passar no vestibular, e de primeira. Ulisses acompanhou o esforço das irmãs e sabia que não seria nada fácil. Sabia também que não poderia demorar, a família estava enfrentando dificuldades financeiras. Mesmo com bolsa, os pais não conseguiriam pagar sozinhos o ensino médio em uma escola particular, e a irmã mais velha, Sibele, foi fundamental. “Ela pagou uma parte e convenceu meu pai a pagar a outra para que eu pudesse estudar nessa escola que foi muito importante para minha aprovação”, conta.

Na escola, Ulisses destaca os professores Rogério, de biologia, Ismael, de física, e Haidê, de literatura. Os dois primeiros davam show na didática e sabiam estimulá-lo a ser curioso em matérias para as quais levava jeito. Já a professora Haidê o fez enfrentar sua timidez através do teatro e outras dinâmicas interativas. Ela encenava cenas de Capitu em sala de aula e incentivava Ulisses a participar mesmo com ele vermelho de vergonha. Também insistiu para que entrasse no grupo de teatro que formou. “Ela certamente me ajudou muito para controlar o nervosismo em todas as entrevistas, seleções e provas que tive que passar para ser docente e pesquisador hoje.”

Quando finalmente chegou a hora do vestibular, Ulisses controlou a ansiedade e foi aprovado nas Universidades Federais de Lavras (UFLA) e Viçosa (UFV), optando pela primeira. A graduação foi muito estimulante, as turmas pequenas lecionavam com professores jovens e motivados, gerando uma experiência de muito estímulo e recompensa, já que os alunos viam os laboratórios crescerem e as linhas de pesquisa se consolidarem, e participavam desse processo. Ulisses participou do Programa de Educação Tutorial (PET) em Zootecnia, cuja bolsa foi fundamental para que pagasse um curso de inglês e participasse de congressos. Nessa época ele também conheceu o professor Geraldo Márcio da Costa, seu primeiro “pai científico”.

Geraldo estava no doutorado e precisava de um aluno que conhecesse os produtores de leite da região, então Ulisses começou a auxiliá-lo. A parceria deu resultado e o jovem graduando foi logo convidado a fazer iniciação científica, isolando bactérias em amostras de leite e comparando a reação do plasma de animais e humanos frente a bactérias Staphylococcus.

“O professor Geraldo tem conhecimentos de técnicas de laboratório que muitos microbiologistas não possuem. Aprendi com ele a resolver muitos dos problemas em equipamentos e técnicas que enfrento hoje”.

Ao se formar, Ulisses logo ingressou no mestrado em Ciências Veterinárias, também na UFLA, e pela primeira vez seu trabalho passou a incluir análises em peixes, animais nos quais se especializou sob orientação do professor Henrique Figueiredo, um professor jovem e que estava em ascensão. Durante esse período, teve a oportunidade de passar um ano no Rio de Janeiro, realizando análises na UFRJ. “Eu realmente precisava de novos ares por conta de conflitos e medos pessoais, como de não passar no doutorado ou de não conseguir emprego após o doutorado”.

De volta à Lavras e com mestrado concluído, Ulisses ingressou no doutorado e conheceu seu segundo “pai científico”, o professor Vasco Azevedo. Nessa época, ele realizou estudos genômicos, explorando o DNA das bactérias Streptococcus agalactiae, patógeno relevante para a produção de peixes. Titulou-se em 2013 e poucos meses depois, em meados de julho de 2013 já prestou o concurso e foi aprovado como docente na UEL. Contudo, a nomeação demorou dois anos e assim, embarcou em dois pós-doutorados, na UFMG e depois na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), antes de tomar posse e ingressar como professor na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 2015, que hoje considera sua segunda casa.

Atualmente, suas pesquisas se concentram na saúde de peixes e no desenvolvimento de soluções para a piscicultura, área que ainda possui muitas lacunas em relação a produção no Brasil e com potencial para gerar crescimento econômico sustentável. “Trabalhamos com a caracterização genética das bactérias patogênicas, desenvolvendo novos diagnósticos para doenças bacterianas. Integramos os conhecimentos clássicos da microbiologia e os mais modernos de biologia molecular, engenharia genética, estratégias ômicas e outras metodologias para encontrar as soluções. Desenvolvemos vacinas e probióticos mais modernos e vislumbramos, para todas essas técnicas, adaptá-las a outras espécies conforme a demanda”, explica.

Ulisses destaca a importância de fazer ciência próximo aos produtores e as pessoas cujos problemas o cientista está tentando solucionar, observando seus procedimentos e identificando lacunas onde há potencial de tornar o trabalho mais eficiente. Para ele, o ingresso na ABC é uma vitória que compartilha com a UFLA, a UEL e seus familiares, em particular seu marido, que sempre o apoiou. “Pretendo auxiliar nas questões relevantes para a academia, e também gostaria de criar uma ação dos jovens pesquisadores que tenha força política para melhorar as oportunidades de recursos e bolsas para jovens cientistas com carreira promissora”, almeja.

(Marcos Torres para ABC | Foto: Luis Ventura)