
Ives nasceu em 1984, em Recife, capital do estado de Pernambuco, onde viveu até os oito anos. Lá, ele e seu irmão Sávio integravam um grupo de nove crianças cujos pais eram muito amigos e estavam sempre juntos. Aos fins de semana, tudo ficava mais divertido, pois costumavam ir todos ao Parque da Jaqueira ou à praia de Boa Viagem. Devido à carreira militar do pai, no entanto, a família se mudou para Fortaleza. Ives estudou no Colégio Militar e no Colégio Faias Brito. Tinham um sítio na cidade do Eusébio, próximo à capital, onde os irmãos brincavam ao ar livre e mantinham contato com a natureza.
A mãe era gerente no Banco do Brasil e foi uma influência fundamental para o filho, com sua generosidade, dedicação e amor pelo conhecimento. Com o pai, Ives diz que desenvolveu a virtude da coragem, não só para explorar o novo, navegar por outros mundos, mas também na resiliência para superar os momentos difíceis e lidar com a dor. “Suas palavras ficaram gravadas na minha memória através do lema do Colégio Militar: ‘Para a frente custe o que custar’”.
Seu interesse pela ciência começou no laboratório do Colégio Militar, onde gostava das disciplinas de matemática, física, biologia, química e história. “Meu pai teve um grave problema cardíaco quando éramos criança e um cardiologista o ajudou. Isso certamente marcou a mim e ao meu irmão, que hoje é anestesista. Minha mãe, por sua vez, relatava-nos que gostaria de ter se formado em medicina”, lembra o Acadêmico. Ives Passos destacou que a maioria dos amigos da infância de Recife seguiu a medicina, incluindo ele e seu irmão, provavelmente em virtude da admiração e respeito que seus pais nutriam pela figura do médico.
Embora estivesse convicto do seu futuro como médico, a decisão de qual especialidade seguir angustiava o rapaz. A essa angústia se somava outra: a vontade de conhecer outras cidades. Ives não sabe dizer se isso foi reflexo das mudanças a que o pai foi submetido durante sua carreira militar, mas sempre se sentia atraído pelas histórias de pessoas que haviam conhecido diversas culturas. “Ficava fascinado quando meus pais me contavam histórias de quando moraram em Teresina, no Rio de Janeiro ou em Manaus – eu também queria conhecer outros lugares”, contou o Acadêmico.
Na graduação em medicina, realizada na Universidade Federal do Ceará (UFC), o desejo de trabalhar com ciência cresceu após ter sido orientado pelo professor Ronaldo de Albuquerque Ribeiro, já falecido, que era oncologista e pesquisador. “Não realizei iniciação científica oficialmente, mas desenvolvi trabalhos científicos ainda na graduação, investigando os efeitos cardiovasculares dos inibidores seletivos da COX-2 e estudando a dispensação de medicamentos, como a talidomida”, relatou o Acadêmico. “Esse envolvimento inicial com a pesquisa me mostrou o impacto da ciência na vida das pessoas e fortaleceu meu interesse em seguir a carreira acadêmica”, lembrou.
Em 2008, ainda na graduação, durante um período de internato na Universidade Claude Bernard Lyon 1, na França, Passos estagiou por cinco meses em cirurgia geral com o professor Jacques Baulieux. Apesar do interesse inicial, não se via em um centro cirúrgico. A psiquiatria, entretanto, o fascinava. “O estudo da saúde mental é valorizado na França e muitos internos em medicina consideravam essa área”, contou. Decidiu então experimentar a psiquiatria durante seu mês optativo, no Centro Hospitalar Le Vinatier, sob a orientação dos professores Thierry D’Amato e Martin. “A dedicação deles ao estudo das doenças mentais me inspirou a seguir a psiquiatria como especialidade, mostrando como um professor motivado pode influenciar um aluno”, apontou.
Mas foi durante a residência médica em psiquiatria, no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA/UFRGS), onde se envolveu com pesquisa no Laboratório de Psiquiatria Molecular, que seu interesse por pesquisa amadureceu. Ives gostava de ler sobre filosofia e autores como Dostoiévski, que se destacava pelas cuidadosas análises da mente humana. Essa combinação de interesses fez com que escolhesse o campo da saúde mental para desenvolver sua carreira científica.
Como já tinha alguns artigos científicos publicados, Ives passos pulou a etapa do mestrado e ingressou diretamente no doutorado, também na UFRGS. Foi orientado pela professora Márcia Kauer-Sant’Anna e sua tese teve como título “Transtorno Bipolar e Transtorno de Estresse Pós-Traumático: Aspectos Clínicos e Biológicos”. Realizou doutorado sanduíche e um pós-doutorado na Universidade do Texas, sob orientação dos professores Flávio Kapczinski e Benson Mwangi.
Ives Passos aponta o Acadêmico e psiquiatra Flávio Kapczinski como seu principal modelo nessa trajetória. A partir da orientação dele, Passos desenvolveu sua formação científica no campo dos transtornos de humor, especificamente depressão, bipolaridade e suicídio. No doutorado sanduíche e pós-doutorado na Universidade do Texas, Passos desenvolveu habilidades relacionadas ao campo da inteligência artificial. sob a orientação do professor Benson Mwangi, cientista da computação.
Atualmente, Passos é professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRGS e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da UFRGS. Também coordena o Programa de Transtorno Bipolar do HCPA/UFRGS e o grupo de pesquisa Alliance (Artificial Intelligence in Neuroscience), além de ser cocoordenador do Laboratório de Psiquiatria Molecular do HCPA/UFRGS. É líder da Força-Tarefa de Big Data da Sociedade Internacional de Desordens Bipolares e bolsista de Produtividade em Pesquisa A do CNPq. Suas pesquisas se concentram no estudo dos transtornos de humor, como depressão e transtorno bipolar, e na aplicação de inteligência artificial para melhorar o diagnóstico e o tratamento em saúde mental. “Utilizo técnicas de machine learning para analisar grandes quantidades de dados e identificar padrões que possam prever, por exemplo, quais pacientes têm maior risco de tentativa de suicídio, quais podem desenvolver transtorno bipolar ao longo do tempo ou quem pode apresentar dificuldades cognitivas associadas a transtornos psiquiátricos. Ao identificar precocemente quem está sob maior risco de desenvolver esses desfechos, podemos intervir precocemente, tanto com medicamentos como com psicoterapia”, explicou Ives Passos.
Ele já publicou mais de 125 artigos científicos nos principais periódicos da psiquiatria e é autor de sete livros, sendo três editados pela Springer Nature e quatro pela Artmed. Além disso, o Acadêmico desenvolveu dois aplicativos: o Thrive, voltado para pacientes com sintomas depressivos, e o Artmed +PSI, um guia de psicofarmacologia para profissionais da saúde mental. Ele também investiga o impacto da inflamação no cérebro e como processos biológicos podem influenciar a saúde mental, abrindo caminho para novas estratégias terapêuticas.
“Meu objetivo é tornar a psiquiatria mais personalizada, permitindo que médicos possam tomar decisões mais bem informadas sobre quais tratamentos são mais adequados para cada paciente. Esse avanço tecnológico pode ajudar a evitar erros diagnósticos, reduzir o tempo até o início de um tratamento eficaz e oferecer abordagens mais individualizadas para cada caso”, acrescentou o Acadêmico. “No fim das contas, meu objetivo principal é transformar o conhecimento científico em aplicações práticas que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem com transtornos psiquiátricos”, sintetizou Ives Passos.
O Acadêmico se diz fascinado pelo método científico, que considera uma das maiores conquistas da humanidade. “O método científico combina paciência, inspiração e energia em um processo rigoroso de descoberta. Esse processo, embora exigente, é também profundamente recompensador, pois nos aproxima de uma compreensão mais verdadeira e refinada da realidade”, ressaltou. Para Passos, o conhecimento é um processo contínuo e colaborativo, no qual o trabalho de uma geração serve de base para as próximas.
A interdisciplinaridade é outro aspecto que Ives Passos valoriza muito na ciência. “A possibilidade de integrar diferentes áreas do conhecimento, como no meu caso psiquiatria, inteligência artificial e neurociências, é algo que me fascina. Acredito que as grandes inovações surgem da interseção entre campos distintos, onde um olhar novo pode trazer soluções inesperadas”, avaliou.
A diversidade cultural também é um aspecto que Passos considera crucial para a ciência. “Estudei e trabalhei em instituições no Brasil, na França e nos Estados Unidos, aprendi com pesquisadores de diversas partes do mundo. Essas experiências ampliaram minha visão sobre como a ciência é conduzida em diferentes contextos e como colaborações internacionais podem acelerar descobertas e inovações”, apontou.
Passos considerou a eleição para membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências como um reconhecimento do seu trabalho e da importância da pesquisa na interface entre psiquiatria e inteligência artificial. “Sinto-me honrado por fazer parte desse grupo e vejo isso como uma oportunidade para ampliar o impacto da ciência no Brasil.
Pretendo atuar na ABC promovendo debates sobre inovação em saúde mental e contribuindo para iniciativas que fortaleçam a pesquisa e a colaboração interdisciplinar no país.”
Além da ciência, Passos tem grande interesse por cinema, literatura, música, artes marciais e pelo mercado financeiro. As duas maiores experiências da sua vida, no entanto, são a esposa Juliana, a que se refere como “o amor da minha vida”, e o filho Arthur, agora com seis meses. “O maior prazer que tenho é ficar em casa com eles. São eles que me motivam hoje em dia a continuar trilhando a missão que a vida me deu”, concluiu.