Jonas Saute nasceu em1985, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Passou a infância entre a cidade e o litoral do estado, em Tramandaí. O pai é engenheiro civil e trabalhava na gerência da construção de grandes empreendimentos, como shoppings e hotéis. A mãe é administradora de empresas, mas foi dona de casa na maior parte da infância de Jonas. O irmão, dois anos mais velho, cursou engenharia de produção na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Do meu núcleo familiar – pais, tios, tias, avós, primos em primeiro grau – fui o primeiro a ter título de doutorado”, contou o Acadêmico.
Morava num prédio com espaço para jogar bola com os vizinhos e outras brincadeiras, como montar paraquedas de sacolas plásticas, em diferentes formatos, para que valentes bonecos dos Comandos em Ação mergulhassem no ar e arriscassem não ser resgatados, dependendo do local da aterrisagem. Na juventude, uma atividade importante para Jonas foi a pesca esportiva, tendo participado de diversos campeonatos, que requeriam preparação, disciplina e manejo da ansiedade – ou seja, proporcionaram a ele uma ótima formação.
A maior parte do ensino fundamental foi cursado em escola pública, no Instituto de Educação, e o ensino médio em escola privada. Jonas tinha muita facilidade com todas as matérias, particularmente com as de ciências exatas. Gostava muito das aulas de física e, no final do ensino médio, começou a se interessar pela biologia. Estudava e aprendia coisa novas com prazer e interesse. “Lembro de tentar aplicar fórmulas diferentes das que tinham me ensinado para resolver problemas matemáticos e achava muito interessante ver se a nova fórmula dava certo e se trazia alguma vantagem”, recordou Jonas.
Uma experiência que marcou sua adolescência foi a participação numa feira de ciências, em que o trabalho que seu grupo apresentaria seria apenas descritivo, mostrando como se dava o cultivo de hortaliças por hidroponia. “Fomos visitar um produtor que nos explicou sobre o processo e montamos uma ‘horta’ no evento”, relatou. Jonas avalia que esse processo de aprendizado e a própria experiência da feira, vendo o trabalho dos demais colegas, alguns experimentais de fato, certamente atiçaram seu interesse pela ciência.
Embora fosse bom em exatas e a engenharia fosse uma opção de carreira “natural”, em função do pai e do irmão, Jonas tinha claro que não queria fazer os mesmos cursos que eles haviam feito: queria trilhar um caminho minimamente novo. E algumas experiências mudaram marcadamente sua escolha.
Fez vestibular no 2º ano do ensino médio “para ver como era”, e foi aprovado para engenharia civil na UFRGS. A mãe começou a pressioná-lo para tentar ingressar na universidade através desta aprovação, segundo ela “uma oportunidade imperdível”. Mas como tinha feito a prova apenas como teste e queria acabar o ensino médio junto com a turma de que gostava e com a qual tinha viagens planejadas, Jonas renunciou à vaga.
Depois de outras experiências que o fizeram desistir de vez das engenharias, Jonas pensou em biologia e ficou em dúvida entre ela e a medicina. “Eu não brincava de médico e nem tinha sonho de clinicar. Meu interesse era pela biologia do corpo humano e pelos desafios que teria de enfrentar para fazer medicina”, esclareceu.
Ingressou na graduação em medicina na UFRGS e adorou. Todas as disciplinas eram uma grande novidade, pois não tinha referência próxima. “Tive que ir trilhando o meu caminho e a sensação foi muito boa, tendo rapidamente entendido que a escolha tinha sido acertada”, disse Jonas Saute. Desde o início, tinha claro que queria fazer pesquisa. Já no primeiro semestre ficou fascinado com a bioquímica e foi bater na porta do Acadêmico Diogo Souza, que o deixou esperando diversas vezes no laboratório por uma conversa. Depois de muita espera, Souza o apresentou ao farmacêutico e ao ex-afiliado da Academia Brasileira de Ciências Félix Soares, então doutorando e hoje professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ele atuava numa área que lhe interessou e assim Jonas começou a contribuir nos seus projetos de pesquisa.
A linha de pesquisa em neurobioquímica e neurociências foi influenciando o seu caminho, de modo que acabou escolhendo a neurologia como especialidade. A partir da metade do curso, começou a acompanhar a área de neurogenética com a professora Laura Bannach Jardim, e no fim do curso integrou um projeto realizado em parceria da professora Laura com o professor Luis Valmor Cruz Portela. Esse projeto buscava biomarcadores para a doença de Machado-Joseph, uma doença genética degenerativa que afeta o equilíbrio das pessoas para caminhar e que tem uma frequência maior no Rio Grande do Sul, devido a um efeito fundador relacionado a colonização açoriana, e posteriormente compôs grande parte do projeto de doutorado de Jonas Saute.
Sua primeira publicação científica foi em 2005, quando estava no quinto semestre da faculdade, como primeiro autor de um artigo em uma revista importante sobre memória. Depois, participou de diferentes trabalhos, alguns em neuropsicofarmacologia com o professor Diogo Lara e outros em biomarcadores de doenças neurológicas, com o professor Luis Valmor. Teve boas oportunidades de fazer estágio e conhecer laboratórios fora do país. Uma delas foi um estágio em genética comunitária para conhecer a população com maior prevalência no mundo da doença de Huntington: comunidades de pescadores que moravam em palafitas na região do lago Maracaibo, na Venezuela.
Durante o doutorado, ele reconhece sem dúvidas que a professora Laura Jardim foi sua principal influência, tendo sido uma orientadora exemplar, pois lhe deu espaço e abraçou os projetos de sua autoria, estando sempre disponível para que os processos parecessem simples e eficientes. Além dela, novamente o professor Luis Valmor e o professor Ignacio Torres-Aleman, de Madrid, cujos trabalhos haviam sido a inspiração para os biomarcadores candidatos na pesquisa em parceria entre Laura e Valmor já mencionada.
Sua escolha pela neurologia se concretizou na residência – tinha, inclusive, sido um dos fundadores da Liga de Neurologia de Porto Alegre. Foi aprovado em diferentes concursos de residência médica em neurologia, todos em primeiro lugar, mas ficou no HCPA por diversas razões, sendo a principal a possibilidade de cursar o doutorado direto na UFRGS, concomitante com a residência.
Três dos artigos que iriam compor sua tese já tinham os dados coletados enquanto Jonas estava na graduação, o que lhe deu tranquilidade para cursar a residência com dedicação, sabendo que parte do doutorado já estava cumprida. “Adicionalmente a estes trabalhos, liderei uma importante revisão com autores internacionais sobre quais as melhores formas de avaliar doenças genéticas que afetam o equilíbrio, as ataxias, sendo por muitos anos a referência mais completa sobre o tema disponível mundialmente”, ressaltou
Em uma das disciplinas que cursou, com o professor holandês Harm Kampinga, ele perguntou aos alunos qual seria o seu sonho ou objetivo principal da carreira. A resposta de Jonas foi: “Poder ajudar a encontrar um tratamento para doenças ainda intratáveis”. Assim, com o doutorado “garantido”, Jonas Sauté pôde fazer algo mais arriscado: a realização de um ensaio clínico, testando uma terapia reposicionada para a doença de Machado-Joseph.
Concluiu a residência em neurologia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) em janeiro de 2012, ano em que ingressou na especialização em neurogenética pelo Serviço de Genética Médica do HCPA, concluindo tanto a especialização quanto o doutorado em medicina em janeiro de 2013.
Entre 2022 e 2023, Saute atuou como professor visitante júnior, fazendo um estágio equivalente a um pós-doutorado na Divisão de Doenças Neurodegenerativas do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Atualmente, Jonas Saute é professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da UFRGS e dos Serviços de Genética Médica e Neurologia do HCPA. Coordena o grupo de pesquisa em Genética das Doenças Neuromusculares e participa dos grupos de pesquisa em Neurogenética Clínica e Translacional do HCPA, sendo o investigador principal do grupo de pesquisa clínica em genética médica/doenças neuromusculares. É vice-coordenador do Programa de Medicina Genômica e de Precisão do referido hospital e ainda atua como coordenador substituto do Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2024-2026).
Saute estuda doenças neurogenéticas que afetam os sistemas que comandam o nosso movimento voluntário, o sistema motor. Essas doenças são causadas por alterações únicas no DNA, que irão levar a problemas em proteínas fundamentais para o funcionamento desses neurônios ou para a estrutura das células musculares. Desde 2014, ele coordena o grupo de Genética das Doenças Neuromusculares. “Ao longo dos últimos dez, onze anos, fizemos a caracterização genética de diversas dessas condições no Rio Grande do Sul e no Brasil. Hoje, temos um grupo multidisciplinar de ciência translacional, com uma linha clínica que foca na busca pelos melhores marcadores clínicos ou bioquímicos para monitorarmos essas doenças e avaliarmos resposta de novos tratamentos, e uma linha pré-clínica em que atuamos com modelos celulares e animais para o melhor entendimento dos mecanismos das doenças, bem como para o desenvolvimento de tratamentos específicos, desenvolvidos nacionalmente”, explicou o Acadêmico.
Falando sobre motivação para o que faz, atuar em ciência aplicada é uma profunda realização para Saute. Grande parte dos projetos que conduziu fez com que pessoas que viviam por décadas sem diagnóstico, pudessem ter um. Além disso, alguns dos resultados possibilitaram a incorporação dos testes utilizados no sistema único de saúde, o SUS. “Fico muito feliz que a pesquisa aplicada feita no contexto do SUS tenha sido a força motriz para modificar o cuidado das famílias, dando luz a problemas graves, que antes não eram nominados e pareciam invisíveis. Por este viés, acabo pensando que o que mais me motiva na ciência é a capacidade de gerar conhecimento que pode ajudar a melhorar a vida das pessoas.”
Além disso, Jonas Saute pensa que o inesperado é um grande motor. “Por mais controlada que seja a pesquisa clínica, às vezes temos uma hipótese a priori e os resultados nos apontam um caminho diferente. Ter a cabeça aberta para entender os resultados e, a partir deles, sugerir novas hipóteses e novos experimentos para testá-las também é algo que me motiva”, refletiu Sauté.
Por fim, ele também considera a formação de pessoas fascinante. “Gosto muito de conviver com os alunos, particularmente os da iniciação científica, pelo encanto que alguns têm no primeiro contato com a ciência. A energia deles, de algum modo, recarrega as minhas baterias e me dá ânimo para estar sempre envolvido em novas ideias e novos projetos”, declarou o pesquisador.
Já com 40 anos, Jonas Sauté se considera um pesquisador em momento intermediário de carreira. No limite de idade para ser eleito membro afiliado da ABC, ele considera o título como um reconhecimento à sua trajetória acadêmica.
Ele conta que leu a publicação da ABC “Um Projeto de Ciência para o Brasil”, no ano em que foi publicada, 2018, e a considerou muito interessante. Inspirado neste projeto, buscou fomentar encontros de discussão sobre o ecossistema da ciência no país, que resultaram no Encontro de Jovens Pesquisadores do Rio Grande do Sul, organizado em 2019. Neste encontro, Saute relata que ficou fascinado com a reunião de pesquisadores de todas as áreas do conhecimento e pela riqueza oriunda da troca desses saberes.
Sua expectativa em relação à ABC é poder vivenciar esta troca de saberes em um contexto nacional e assim se aprofundar no entendimento, nas reflexões e no planejamento do sistema científico do Brasil. “De alguma forma, gostaria de atuar como disseminador desses debates em meu estado, na região sul do país”, comprometeu-se Jonas Saute.
Atualmente, devido à paternidade – pois tem uma filha de dois anos e um filho de quatro meses -, o principal prazer de Jonas tem sido experienciar o mundo pela perspectiva de alguém que está vivenciando situações e aprendizados pela primeira vez. Ele gosta bastante de cozinhar e durante a pandemia sentiu a necessidade de ampliar suas aventuras culinárias com um espaço verde em casa. “Nos mudamos e, atualmente, cuido de uma horta urbana numa laje verde, em um bairro central de Porto Alegre”, contou.
Fora isso, Jonas Sauté gosta de praticar esportes e corrida. Como tem quase dois metros de altura, tem alguma facilidade no vôlei. Disse ainda que gosta de estudar. “Como estudar faz parte do meu trabalho e gosto muito do que faço, fica uma confusão entre o que é trabalho e o que é lazer”, disse Jonas Saute. Que sorte a dele.