Contribuindo para uma agricultura mais produtiva e sustentável

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Vanessa Galli é mãe. “Alice é minha prioridade de vida. Gosto muito desta vivência, das brincadeiras, das responsabilidades, do dia a dia com minha filha. Nossa família tem um sítio onde podemos viver integrados na natureza, cultivar, mexer na terra, tomar banho de sanga, fazer uma fogueira, brincar com os animais”, relatou a Acadêmica. Essa é uma oportunidade única que ela tem prazer de oferecer à filha, de aprendizado através do contato direto e observação da natureza, dos efeitos das mudanças climáticas, vivenciar a biologia, instigando esta curiosidade e paixão pelos seres vivos. Além disso, a yoga e a dança fazem parte da sua vida.

A Acadêmica nasceu em 1986, na cidade de Barra do Rio Azul, no interior do estado do Rio Grande do Sul. Cresceu em Aratiba, cidade pequena, com pouco mais de seis mil habitantes, com o pai, marceneiro, e a mãe, secretária da Paróquia municipal, além de dois irmãos mais novos, um menino e uma menina, a caçula. Teve uma infância saudável, com brincadeiras ao ar livre. Suas atividades preferidas eram a leitura e a dança. “Gostava muito de estudar e de ajudar meus colegas nas atividades escolares e minhas matérias prediletas eram ciências e matemática”, contou a Acadêmica.

Frequentava a biblioteca municipal, que tinha um ambiente muito especial: as bibliotecárias eram suas companheiras por horas, a incentivavam a ler e até mesmo solicitavam a sugestão dela para livros a serem adquiridos. “Isso certamente teve uma influência positiva na minha infância e adolescência”, destacou Vanessa. No ensino médio, suas leituras preferidas eram sobre fisiologia do corpo humano, fisiologia vegetal e genética.

Seus pais sempre a incentivaram a estudar. Vanessa queria muito ir para a universidade federal, até porque a família não tinha recursos para uma faculdade privada, então na escola os professores e diretores a apoiavam muito. A madrinha, que também era entusiasmada com o sonho de Vanessa, foi com ela até Pelotas fazer sua matrícula, porque era menor de idade. “Sem isso, não teria ingressado na UFPel”, ressaltou.

No último ano do ensino médio, Vanessa estava indecisa se seguiria a biologia ou matemática. “Na ocasião, conversei com a professora da escola em que sempre estudei – que era a única na cidade na época – e que lecionava ambas as disciplinas. Ela me sugeriu seguir a biologia, com o argumento de que, caso eu não seguisse a carreira, ao menos teria estudado sobre o meu corpo, animais e vegetais que me cercam, ou seja, informações que poderiam ser úteis no meu dia a dia e que despertariam minha curiosidade”, contou a pesquisadora.

E assim foi feito. Vanessa ingressou no bacharelado em ciências biológicas, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e logo no segundo semestre buscou se inserir em um laboratório para realizar a iniciação científica (IC). Visava estimular sua curiosidade e ter uma bolsa de IC como fonte de renda, por não ter muitos recursos financeiros. Seu primeiro estágio foi no Laboratório de Genética Vegetal, seguido por outro em Oncologia e Farmacologia e um terceiro, de Biologia Molecular e Vacinologia.

Para Vanessa Galli, esse foi um período fundamental para gerar o ímpeto de seguir na pesquisa. “Foi quando aprendi como se trabalha em um laboratório e em equipe, como é o pensamento científico, como formular hipóteses e construir um experimento, como interpretar resultados e escrever trabalhos científicos, além de diversas técnicas. Sou muito grata a estas oportunidades”, afirmou a pesquisadora.

Os três últimos anos da faculdade e os dois anos de mestrado ela passou no Laboratório de Biologia Molecular, atual Laboratório de Vacinologia, sob orientação do Acadêmico Odir Dellagostin. “Ter sido orientada pelo professor Odir certamente contribuiu para despertar meu interesse pela pesquisa. Além de ter sempre me incentivado e aconselhado, ele é um exemplo de dedicação profissional, por quem tenho muito respeito”, destacou Vanessa, citando ainda a professora Simone Simionatto pela contribuição ao seu desenvolvimento acadêmico, assim como os outros colegas de laboratório.

Nesse período de mestrado, Vanessa Galli começou a desenvolver atividades na Embrapa Clima Temperado, onde o pesquisador Sérgio Delmar dos Anjos e Silva e outros da instituição tiveram um papel muito importante ao apresentá-la à fisiologia vegetal, área pela qual se apaixonou. Além de lhe proporcionar os recursos e contatos para executar experimentos na área, a encaminharam para um doutorado com o professor Rogério Margis, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Vanessa ressaltou que o período do doutorado foi muito importante para o seu desenvolvimento na área vegetal, pois teve a oportunidade de ser orientada por um pesquisador e equipe renomados na área e muito receptivos. “Me senti positivamente desafiada a desenvolver novos conhecimentos, que possibilitaram a elaboração de um projeto de pós-doutorado na UFPel sob a orientação do professor Cesar Valmor Rombaldi. Este projeto foi a base para toda a linha de pesquisa em que atuo até hoje, sempre com muito apoio do professor Cesar, que é para mim um exemplo de pesquisador, docente e ser humano”, apontou a cientista.

Atualmente, Vanessa Galli é professora adjunta da UFPel. Orienta nos Programas de Pós-graduação em Biotecnologia (PPGB), Ciência e Tecnologia de Alimentos (PPGCTA) e Fisiologia Vegetal (PPGFV). Coordena o Laboratório de Biotecnologia Celular e Molecular Vegetal e o grupo de pesquisa em Genômica Vegetal da UFPel.

Este grupo de pesquisa vem trabalhando com duas abordagens inovadoras: edição genômica e RNA de interferência, utilizando como modelo de pesquisa o morangueiro. “Estamos usando análises de genômica, transcriptômica, metabolômica, bioinformática e inteligência artificial para identificar alvos gênicos relacionados à resposta vegetal a estresses abióticos, como seca e alta salinidade; estresses bióticos, como o mofo cinzento (Botrytis cinerea); e ao processo de maturação e acúmulo de compostos antioxidantes, como as antocianinas e compostos fenólicos, em frutos não-climatéricos. Através destes estudos, foram identificadas enzimas, fatores de transcrição, miRNAs e circRNAs potencialmente envolvidos nestes processos” explicou a Acadêmica.

O objetivo dos estudos atuais é utilizar a tecnologia de edição genômica para desenvolver plantas mais resistentes a estresses, através do aumento de compostos antioxidantes, visando uma agricultura mais produtiva e sustentável. Além disso, o aumento destes compostos resulta em alimentos biofortificados, uma vez que os compostos promovem diversos benefícios à saúde humana.

Além da edição genômica, o grupo de pesquisa está trabalhando no desenvolvimento de produtos alternativos aos agroquímicos atuais utilizados no controle do mofo cinzento, uma vez que estes apresentam efeitos negativos ao meio ambiente e à saúde humana, e tem apresentado eficácia reduzida em virtude do desenvolvimento de resistência. Esta alternativa é baseada na aplicação de RNAs interferentes (sRNAs e dsRNAs) e no desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas capazes de produzir estes RNAs interferentes, cujo alvo são genes do patógeno. O principal objetivo neste caso, é aumentar o tempo de prateleira de frutas como o morango que apresentam parede celular frágil, sendo facilmente acometido por este patógeno.

O que mais encanta Vanessa Galli na ciência, de modo geral, é o espírito investigativo, a possibilidade de desvendar os mínimos detalhes desta teia complexa que é a vida. “Também a percepção do quão multifatorial e dinâmica é uma célula, e a sincronicidade necessária entre esta e outras células para possibilitar o funcionamento de um organismo vivo. E diante do conhecimento científico, sermos capazes de desenvolver tecnologias que permitam o desenvolvimento humano de forma mais saudável e sustentável”, declarou a cientista.

Galli acha excepcional poder conciliar a atividade de pesquisa com a docência. Além de ser apaixonada pela docência desde pequena, acha fundamental os avanços científicos e tecnológicos serem acompanhados pelos alunos em formação. “Certamente a vivência nos laboratórios de pesquisa impulsionam e qualificam a formação destes alunos. Fico muito contente em poder transmitir esta paixão pela ciência, não apenas ensinando como também mostrando os caminhos da pesquisa, do pensamento científico. Neste aspecto, saliento a importância de bolsas de iniciação científica e na pós-graduação, bem como o financiamento de projetos para viabilizar o avanço da ciência e na formação dos alunos”, afirmou Galli.

Como membra afiliada da ABC, eleita para o período 2025-2029, Vanessa Galli pretende atuar junto à Academia difundindo o conhecimento sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura e o potencial da biologia celular e molecular, fisiologia vegetal, ciência e tecnologia de alimentos e biotecnologia em buscar alternativas para minimizar estes impactos.

“Este título permitirá a visibilidade necessária para avançar nestes objetivos enquanto pesquisadora, além de estimular meus alunos a persistirem na pesquisa”, concluiu a Acadêmica.

(Elisa Oswaldo-Cruz para ABC | Foto: Luis Ventura)