Buscando explicar o ainda inexplicável

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“Sou um homem do povo, da rua, dos bares, botecos, festas e confraternizações, das conversas aleatórias sobre tudo e com todos, sem distinção de classe social. Isso é o que mais gosto de fazer no meu tempo livre”, declarou o astrofísico Rafael da Costa Nunes. Ao mesmo tempo, diz que é reservado, aproveitando seus momentos de descanso assistindo a filmes, séries e jogando videogame e outros jogos com a família ao longo da semana. Sempre que possível, promove viagens, “para alimentar as vivências e experiências.”

Rafael nasceu em 1988, em Natal, no Rio Grande do Norte. Passou a infância entre a capital e a cidade de São José de Campestre, na região agreste do estado. Foi um período difícil, do ponto de vista econômico, como é a realidade da maioria da população brasileira. Filho único, foi criado pela mãe, que sempre trabalhou fora. “Ela foi caixa de supermercado, cobradora de ônibus e vendedora de roupas. Atualmente, é técnica de enfermagem em um hospital público no Rio Grande do Norte”, relatou o cientista. Criado com a ajuda dos avós, Rafael sempre foi cercado de afeto familiar.

Tinha liberdade. Brincava de futebol descalço nas ruas ou em terrenos baldios, adorava jogar videogame e participar de qualquer atividade coletiva comum nas comunidades brasileiras mais típicas. Seu interesse pela ciência surgiu da combinação entre a curiosidade de entender os fenômenos físicos e uma necessidade social de transformação. Não teve nenhum modelo ou influência direta na ciência. Suas maiores inspirações e motivações sempre foram as pessoas mais inteligentes que conheceu ao longo da vida e que, por circunstâncias sociais, nunca tiveram a oportunidade de sequer entrar em uma universidade.

Ele sempre soube que queria explorar a ciência pelo ponto de vista mais formal e teórico, pois avalia que nunca teve grande habilidade com experimentos em laboratório. “Por isso me adaptei facilmente àquilo que, de fato, sei fazer melhor: trabalhar com papel, caneta e computador”. Escolheu a graduação em física e passou para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Na faculdade, fez iniciação científica e foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por três anos. Também recebeu apoio da UFRN, por meio de vales-alimentação. “Passei praticamente todos os dias no campus, em tempo integral, estudando e trabalhando”.

Desde o início, ele já tinha em mente que queria seguir na pesquisa. Daí seguiu para o mestrado em física pela UFRN, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Sua dissertação, defendida em 2014, foi orientada pelo professor Edésio Miguel Barboza Júnior e intitulada “Vínculos Observacionais sobre Modelos Cosmológicos com Interação no Setor Escuro”.  O mestrado foi seguido pelo doutorado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no estado de Minas Gerais, com período sanduíche de dois anos na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). A tese foi orientada pelos professores Jorge Ananias Neto e Everton M. C. Abreu no Brasil e Diego Pavon na Espanha e teve como título “Aspectos termodinâmicos em cosmologia”. Nesses quatro anos, Rafael foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Ele foi a segunda pessoa na história da sua família a conquistar um diploma em uma universidade pública. Passou três anos fazendo pós-doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no interior de São Paulo.

Sobre as pessoas significativas na sua trajetória, sua resposta é clara: “As únicas verdadeiramente importantes foram minha família: minha mãe, esposa, filha, avós, e os amigos que fiz e deixei ao longo do caminho.”

Hoje, Rafael Nunes é professor adjunto no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Física da mesma instituição. Também é docente colaborador no Programa de Pós-Graduação em Astrofísica do INPE. Ele trabalha com astrofísica, mais especificamente na área de cosmologia física. “Minha atuação consiste em desenvolver e explorar modelos teórico-computacionais, além de analisar dados observacionais, com o objetivo de explicar fenômenos que os astrônomos observam, mas cuja origem ou natureza ainda não compreendem completamente. Em outras palavras, meu trabalho é tentar explicar o que, por enquanto, parece inexplicável. Isso inclui, por exemplo, investigações sobre matéria escura, energia escura, buracos negros e outros fenômenos cósmicos que desafiam nossa compreensão atual do Universo”, informou.

O que encanta Rafael Nunes na ciência, de maneira geral, é exatamente o que ele busca fazer: encontrar uma explicação científica para problemas e/ou observações que ninguém sabe interpretar, nem mesmo entre os cientistas. Ou seja, ser o cientista capaz de explicar aquilo que outros ainda não conseguem compreender.

O título de membro afiliado da ABC para Rafael Nunes é o reconhecimento de um trabalho árduo desenvolvido ao longo de muitos anos. Ele pretende contribuir de modo a ajudar a comunidade científica como um todo, não apenas pequenos grupos ou indivíduos. “Quero direcionar o olhar principalmente para aqueles que realmente requerem atenção, mas que, por questões político-acadêmicas, acabam sendo esquecidos. Os melhores e mais competentes cientistas do nosso Brasil estão, muitas vezes, escondidos em salas e laboratórios, e não em grupos de ‘amigos dos amigos’. Algo precisa ser feito nesse sentido também”, ressaltou.

(Elisa Oswaldo-Cruz para ABC | Foto: Luis Ventura)