A ciência como estilo de vida

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O gaúcho José Reck Júnior decidiu ser cientista antes de decidir ser veterinário. Na infância, o amor pelos animais já existia, mas a biologia era só mais uma matéria sem graça na escola. “Achava o ensino muito ‘quadrado’, não combinava com a impressionante diversidade do que eu via na natureza”, conta.

Apesar de ser bom aluno, com gosto pela leitura e por falar em público, não foi na escola que a paixão pelo meio ambiente se desenvolveu. Esta viria pelo estímulo do pai, que alugava documentários do National Geographic e comprava revistas sobre a natureza, que rapidamente viravam recortes e colagens na mente fértil do jovem José. Filho caçula, cuja criação foi compartilhada entre os pais e as irmãs, ele sente-se privilegiado por sempre ter sido estimulado a fazer perguntas.

Na adolescência, o gosto pelo mundo natural foi se misturando com um fascínio pela figura do cientista na cultura pop, aquela personalidade excêntrica de jaleco branco e cabelo bagunçado. O Dr. Emmettt Brown, do filme De Volta para o Futuro, teve muita influência em sua imaginação. Mas nessa época ninguém sabia explicá-lo o que exatamente fazia um cientista…

Isso mudou no fim do ensino médio. Durante uma visita guiada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José levantou a mão e perguntou “qual curso devo fazer para ser cientista?”. A resposta veio de pronto: “Qualquer um, desde que você seja curioso e queira aprender, qualquer curso te dá essa oportunidade”. “De repente eu descobri que poderia fazer qualquer coisa!”, brinca.

José escolheu então um curso que aliasse a ciência à sua outra paixão, os animais. Em 2002 ingressou na graduação em Medicina Veterinária na UFRGS, para um período que descreve como “inebriante”. Na faculdade ele foi apresentado ao clássico “A Origem das Espécies”, de Darwin, que influenciaria sua vida tão profundamente quanto influenciou a biologia. “Me marcou profundamente, profissionalmente e pessoalmente, e tive a certeza de que a escolha pela ciência foi acertada. Depois de ler ‘A Origem das Espécies’ nada mais é igual na vida da gente!”.

Logo na primeira semana de aulas buscou estágio no laboratório do professor Carlos Termignoni, que o orientaria até a conclusão do curso. Lá ele aprendeu a planejar experimentos e teve muita liberdade para propor ideias. Mas nem tudo são flores. Num momento de dúvidas e frustrações com ideias que não vingaram, surgiu outra figura crucial em sua formação, o Acadêmico Jorge Almeida Guimarães. Ele viu o jovem Jose Reck realizando um experimento com sangue de bovinos e pediu que lhe contasse sobre seu projeto. “Foi a primeira vez que tive a oportunidade de conversar com o melhor professor que já tive. Ele me ouviu atentamente e me explicou sobre como cada etapa do meu experimento havia sido desenvolvida, como as proteínas de coagulação haviam sido descobertas e como elas funcionavam. Era fascinante, fiquei quase três horas ouvindo suas histórias e saí da sala pensando ‘é esse o tipo de cientista que eu quero ser’”, lembra.

E foi assim que surgiu uma parceria frutífera. Sob co-orientação de Termignoni e Guimarães, José Reck produziria seu trabalho de conclusão de curso, onde abordou como artrópodes parasitas afetam a coagulação do sangue de seus hospedeiros. Essa foi sua introdução à área na qual se especializaria, o estudo dos carrapatos e das doenças causadas por eles em humanos e animais. Além dos orientadores, ele agradece também o professor João Ricardo Martins, um entusiasta do trabalho de campo, que o mostrou como notar os detalhes e ouvir os produtores “que vivem os problemas que tentamos resolver”. “Entendi que fazemos muito no laboratório, mas, sem o campo, não entendemos a realidade e nada devolvemos à sociedade. Se consegui construir uma carreira, devo muito a esses três camaradas”, afirma.

A colaboração com Jorge Guimarães continuaria durante toda a pós-graduação e, após obter o título de doutor pela UFRGS, em 2011, José ingressou como pesquisador no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF) e da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro).

“Temos como meta estar o mais próximo possível da sociedade e gerar resultados aplicáveis, tanto no campo como na cidade. Nos últimos anos, além da produção científica, temos avançado no entendimento e na prevenção de doenças associadas aos carrapatos no Pampa. Assim, por exemplo, conseguimos fazer recomendações práticas a produtores rurais sobre estratégias mais sustentáveis de controle do carrapato bovino; ou transmitir informações aos agentes de saúde sobre como identificar e lidar com casos de zoonoses; ou ainda identificar cenários de risco a biodiversidade em decorrência da circulação de doenças em áreas de proteção ambiental. Ainda prestamos serviços de diagnóstico e assessoria e realizamos eventos de difusão técnica. Trabalhamos para gerar ciência de qualidade aplicada a realidade local. Acreditamos que, como pesquisadores e divulgadores, podemos ser agentes de transformação social”, conta sobre o trabalho de seu grupo.

Para José Reck, a ciência não é uma profissão, mas um estilo de vida, uma forma de ser e pensar o mundo. “Uma vez Carl Sagan disse que ‘a ciência é muito mais uma maneira de pensar do que um conjunto de conhecimentos’. Acredito muito nisso, uma vez que ela entra na sua vida, não sai nunca mais. A ciência muda vidas em diversos sentidos, não apenas financeiramente, mas na forma de pensar, questionar e planejar a vida. Se eu pudesse ter várias vidas, seria cientista em todas elas, mas cada vez em uma área diferente!”.

(Marcos Torres para ABC | Foto: Luis Ventura)