Um brasileiro no Olimpo

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Leia matéria de Mauricio Thuswohl para Carta Capital, publicada em 2 de outubro:

Após enganar a morte em duas ocasiões, Sísifo recebeu uma punição exemplar dos deuses do Olimpo: foi condenado a empurrar eternamente uma gigantesca pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar de volta sempre que se aproximava do topo, derrotado pela força irresistível do peso que carregava. A alegoria do esforço inútil, resgatada por autores como Albert ­Camus, tem sido frequentemente associada à trajetória da ciênciano Brasil, marcada por avanços frustrados por cortes orçamentários e pelo desprezo de governos que não reconhecem seu valor estratégico.

Ainda assim, há quem desafie essa lógica. Ao menos um cientista brasileiro parece ter conseguido vencer a gravidade e levar sua pedra até o cume: o físico Luiz Davidovich, professor emérito da UFRJ e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, que acaba de receber o Prêmio TWAS Apex 2025, uma das mais altas distinções concedidas a pesquisadores de paí­ses em desenvolvimento.

A láurea, concedida pela Academia Mundial de Ciências (TWAS), foi entregue a Davidovich na quinta-feira 2, durante a 17ª conferência geral da instituição, no Riode Janeiro. O prêmio de 100 mil dólares reconhece as contribuições do brasileiro na área de ciência quântica, por pesquisas que “ampliaram o entendimento sobre a interação de sistemas quânticos com o ambiente,base para tecnologias como computação, comunicação e sensores quânticos, que podem revolucionar áreas da saúde, logística e meio ambiente”. Se

tivesse nascido no Leste Europeu,região de origem de sua família, possivelmente Davidovich daria autógrafos nas ruas. No Brasil, o quase octogenário cientista e professor vive um cotidiano longe dos holofotes, mas de uma intensa relação com a ciência que já dura 56 anos.

A aproximação com a ótica quântica ocorreu em circunstâncias inesperadas. “Em 1969, no fim do primeiro semestre do mestrado, fui expulso da universidade por participar de manifestações contra a ditadura”, relembra Davidovich. O Decreto 477, conhecido como “AI-5 dos Estudantes”, impedia os punidos de ingressar em qualquer instituição de ensino no Brasil por três anos. “Como a expulsão aconteceu em julho, após o prazo de inscrições em universidades estrangeiras, dependi da solidariedade de professores que intercederam junto a colegas no exterior”, explica.

Davidovich acabou aceito na Universidade de Rochester, em Nova York, referência em ótica quântica, onde também atuava o físico brasileiro Moysés ­Nussenzveig. “Ele interveio para garantir minha matrícula fora do prazo e tornou-se meu orientador de doutorado, além de autor de uma das obras fundamentais na área. Essa experiência foi decisiva para a minha trajetória”, conta. Além do orientador nos EUA, Davidovich vai mais atrás para prestar outra reverência. “Foi na ­PUC–Rio que tive aulas com o professor Pierre Henri Lucie, cujos dedicação e brilhantismo me inspiraram a optar definitivamente pela Física já nas primeiras semanas.”

Luiz Davidovich apresentando seu trabalho em física quântica na 17a Conferência Geral da TWAS, no Rio de Janeiro, em 2 de outubro de 2025 | Foto: André Noboa

Indagado sobre as dificuldades enfrentadas em seu percurso científico, ­Davidovich diz ser mais justo testemunhar, antes, o que contribuiu para o seu sucesso. “As agências de fomento CNPq, Capes e Faperj tiveram papel crucial. Graças aos seus programas, foi possível construir, no Instituto de Física da UFRJ, um laboratório de ótica quântica que alcançou resultados de repercussão internacional.” Iniciativas como o Pronex, os Institutos do Milênio e os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia foram fundamentais para o fortalecimento da infraestrutura de pesquisa no País, ressalta. “A colaboração de estudantes e colegas também foi determinante. A ciência é cada vez mais um empreendimento coletivo, e aprendi imensamente com os jovens pesquisadores e pares com quem trabalhei.”

A principal dificuldade – agora, sim, Davidovich se sente à vontade para expor – é a instabilidade do financiamento científico e universitário no Brasil. “Ciência, inovação e educação de qualidade ainda não são tratadas como políticas de Estado. Os recursos oscilam de acordo com os governos e raramente são prioridade parlamentar”, revela. Outro problema é a precariedade da infraestrutura das universidades federais e dos institutos. “Houve um avanço importante com o fim do contingenciamentodo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi­co no governo Lula, mas esses recursos ainda representam apenas 0,1% do PIB”, lamenta.

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Para Davidovich, o avanço científico depende de foco e escala. Ele defende a identificação de quatro ou cinco projetos estratégicos para o País, capazes de articular pesquisa, desenvolvimento sustentável e inclusão social. Um exemplo, afirma, é a sociobiodiversidade, que envolve o uso responsável dos recursos naturais da floresta, aliada à valorização das comunidades locais. A transição energética é outro eixo prioritário. “O Brasil tem um sistema de energia limpa fantástico. O que falta, realmente, é a ação decisiva do Estado para explorar essas questões de forma sustentável”, destaca.

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Leia o artigo na íntegra no site da Carta Capital

(Mauricio Thuswohl para Carta Capital, 2/10)