Ciência em Gaza

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A diversidade encontrada entre os participantes da 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências é grande e enriquecedora para a ciência. No entanto, o relato da pesquisadora Hala El-Khozondar, professora titular dos Departamentos de Engenharia Elétrica e Sistemas Inteligentes da Universidade Islâmica de Gaza, mostrou um esforço de sobrevivência científica em uma situação absolutamente adversa que comoveu os mais de 300 cientistas de todo o mundo presentes.

Ela contou que está presa fora do seu país, trabalhando atualmente no Imperial College, na Inglaterra. “Meu pai morreu. Quando cheguei em Gaza, não pude ir ao seu funeral nem dizer adeus”. Hala El-Khozondar obteve seu PhD em Física pela Universidade Estadual do Novo México, nos Estados Unidos, e realizou estágio de pós-doutorado no Instituto Max Planck, em Heidelberg, na Alemanha. Junto com sua equipe, desenvolve soluções inovadoras para sistemas de energia solar, avança em fibras ópticas para transmissão de dados mais rápida e trabalha em sensores ópticos para diagnósticos mais precisos de doenças.

A engenheira relatou que a região enfrentou ataques em 1967, 2008-2009, 2012, 2014, 2019, 2021 e 2023. Mostrou a destruição em alguns desses períodos: bombardeios perto de escolas, hospitais, mesquitas, parques, centro de tratamento de síndrome de Down. Morte de jornalistas. “Em todas essas guerras tivemos blackouts, dificultando estudos nas escolas e o trabalho de cientistas. Interromperam o fornecimento de água potável também”, declarou.

Imagens mostradas pela cientista sobre o estado de destruição contínua que vem ocorrendo há anos em Gaza

El-Khozondar mostrou fotos de Gaza antes dos ataques, apresentou itens da economia de Gaza, sua arte e a culinária. “Hoje estamos com o aeroporto destruído, sobraram a passagem de Rafah para o Egito e a passagem de Beat Hanon para a Jordânia. Algumas pessoas saíram em carregamentos de bovinos”, relatou.

Itens da cultura e da economia de Gaza, com artesanato e produção agrícola pujantes, apresentados pela palestrante

Após 2023, as escolas e universidades da região estão completamente destruídas. Na Universidade Islâmica de Gaza, foram destruídos 200 laboratórios científicos e mais de 75 laboratórios de informática. Ela tinha sido construída em 1978 como uma instituição palestina independente. Era composta por dez faculdades: Medicina, Engenharia, Ciência, Enfermagem, Comércio e Administração de Negócios, Educação, Lei Islâmica, Fundamentos Religiosos, Tecnologia da Informação e Artes, além de 20 centros e institutos de pesquisa e o Hospital da Amizade Turco-Palestino. Tinha em torno de 18 mil estudantes.

A destruição da Universidade Islâmica de Gaza, em imagem da apresentação de El-Khozondar

El-Khozondar, que integra a Sociedade Internacional de Mulheres Muçulmanas em Ciência (ISMWS), a Organização para Mulheres na Ciência para o Mundo em Desenvolvimento (OWSD) e a Sociedade de Mulheres Graduadas na Faixa de Gaza., conta que teve seu escritório destruído, com todas as suas notas e teses de alunos. “É preciso sair de Gaza para fazer pesquisa, pois não lá há mais infraestrutura. E é preciso encontrar uma universidade que o receba”, ressaltou. Em dezembro de 2023, o professor Sufyan Tayeh, presidente da universidade e proeminente pesquisador, foi morto junto com sua família em um ataque aéreo israelense no campo de refugiados de Jabalia.

O laboratório da professora Hala El-Khozondor na Universidade Islêmica de Gaza, antes dos bombardeios

A universidade voltou a atuar após um ano, usando o ensino remoto, mas o acesso à internet é limitado e à eletricidade também. “O máximo que podemos fazer é gravar as aulas e disponibilizar nossas anotações em bibliotecas locais para que os estudantes acessem. Temos que ensinar ao som de bombardeios”, apontou. Os estudantes têm que dividir seu tempo entre os estudos e as filas para comida, água, para carregar celulares e computadores. “Algumas pessoas têm painéis solares e podem prover isso”, explicou.

Hala pensa que, pelo menos, estudar on-line pode garantir que os alunos não percam sua formação e é um modo de escapar da terrível realidade. “Por outro lado, não é justo, porque não é possível para todos. Para mim, é muito sofrido. Não posso aguentar perder meus alunos a cada semestre”, emociounou-se a cientista, que é membro sênior do Centro Internacional de Física Teórica (ICTP, em Trieste, na Itália), membro da Academia de Ciências do Mundo Islâmico (IAS) e da Academia Mundial de Ciências (TWAS).

Professora Hala mostra a situação dos residentes em Gaza, nas filas de água, comida e eletricidade | Foto: André Noboa

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