
A relação da nova afiliada da ABC Mariana Lima Boroni Martins com a ciência não poderia ser mais íntima. Pesquisadora do Instituto Nacional de Câncer (Inca), onde usa a bioinformática para extrair respostas sobre a doença, Mariana é ela própria uma sobrevivente. Ela lutou durante toda a adolescência contra um linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer que afeta o sistema linfático, que compõe o sistema imunológico.
Durante o tratamento, a menina ainda precisou se despedir dos avós, ambos levados pelo câncer num curto intervalo de tempo. “As perdas e a minha experiência pessoal fizeram com que eu me interessasse pelas ciências da saúde, buscando entender mais sobre o câncer e como melhorar as opções de tratamento, inspirada pela dor de ver meus familiares e pacientes enfrentando tamanha incerteza”, relata.
Mesmo com anos de quimioterapia e interrupções nos estudos, Mariana conseguiu ingressar na Universidade Federal de Viçosa (UFV) em 2004. “Inicialmente, meu desejo era ser médica, pois essa era a única forma que eu conhecia de atuar na saúde. No entanto, com o tempo eu percebi que não tinha vocação nem interesse pela prática assistencial, mas sim pela pesquisa. A virada aconteceu quando conheci o curso de Bioquímica da UFV, um dos primeiros focados na formação para a pesquisa”.
Esse foi um momento de realização, quando viu que existia um lugar onde seus interesses por ciência e saúde se encaixavam. Mas a graduação não foi uma linha reta. Pelo contrário, foi um período de intensa experimentação, dentre as quais está um estágio no Laboratório de Câncer. Mas seu trabalho de conclusão, sob orientação da professora Maria Baracat, foi em outra área, a agricultura, fazendo uma análise proteômica de tomateiros sob estresse biótico.
Essa linha de pesquisa seguiu para o mestrado, realizado na UFV com a mesma orientadora. Mariana investigou mais a fundo as proteínas dos tomateiros, procurando por moléculas relacionadas à defesa contra a bactéria Xanthomonas campestres, causadora da podridão negra, um patógeno com impactos econômicos no cultivo. “Enfrentei dificuldades experimentais que me ensinaram a lidar com a frustração, já que, muitas vezes, experimentos não saem como esperado. Com a minha orientadora, a professora Cristina Baracat, aprendi o valor das colaborações, algo fundamental para o progresso da ciência”, conta sobre o período.
Foi no mestrado também que Mariana se apaixonou pela bioinformática. Esse evento marcou uma mudança em sua carreira, tanto de área como de universidade, buscando doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sob orientação da professora Glória Franco, a pesquisadora investigou o processamento de RNA no Schistosoma mansoni, verme causador da esquistossomose. “Esse período me apresentou novos horizontes na ciência, foi repleto de aprendizados e conquistas. Tive uma experiência internacional no National Institute of Health, dos EUA, recebi prêmios e tive a oportunidade de fazer diversos cursos complementares”, lembra.
Mariana doutorou-se em 2014 e logo ingressou em um pós-doutorado na Universidade Ludwig-Maximilians de Munique, Alemanha. No ano seguinte, de volta ao Brasil, entrou como pesquisadora do Inca, no Laboratório de Bioinformática e Biologia Computacional, onde trabalha até hoje. A área da bioinformática esteve em franco crescimento nesses dez anos e a revolução prometida pela inteligência artificial tem tudo para acelerar os desenvolvimentos nesse campo.
“A combinação entre big data e oncologia oferece um campo vasto e em constante evolução, com grandes oportunidades de impacto na vida dos pacientes. A análise de grandes volumes de dados moleculares permite uma compreensão mais profunda dos processos por trás da doença. A genômica e a transcriptômica podem identificar padrões invisíveis aos nossos olhos, mas cruciais para o tratamento. Traduzir esses padrões em informação que possa ser aplicada em novas terapias e diagnósticos é uma das partes mais gratificantes. O trabalho realizado hoje pode resultar em tratamentos mais eficazes e personalização dos cuidados, o que é fundamental para o avanço da medicina de precisão. Além disso, não se trata apenas de descobertas pessoais; também envolve o compartilhamento de conhecimento e a formação de novas gerações de pesquisadores”, explica a cientista.
Essa contribuição da ciência para a sociedade, para além da medicina, é um dos aspectos que Mariana destaca em sua integração à ABC. “Além do reconhecimento pessoal, esse título traz uma grande responsabilidade. Vejo isso como uma oportunidade única de contribuir não apenas para a ciência, mas também para a sociedade. Acredito que a ciência deve ser acessível e ética. Pretendo atuar para promover a democratização do conhecimento para construir uma sociedade mais justa diversa e igualitária”.