
A biomédica Tatiana Maron Gutierrez, membra afiliada da Academia Brasileira de Ciências eleita para o período 2025-2029, é daquelas cientistas que se sentem muito à vontade num laboratório, mas também sabem se virar fora dele. Sua trajetória mostra a importância de o pesquisador não apenas dominar a sua ciência, mas ter noções de gestão e administração de projetos – ainda mais no Brasil, onde a necessidade de se desdobrar é perene para todos que escolhem a carreira.
Carioca e tijucana, Tatiana cresceu na companhia dos primos, transitando entre os bairros da capital fluminense. Na escola suas disciplinas preferidas eram a física, a história e a biologia, e esta última levaria a melhor na hora de decidir a faculdade. “É difícil determinar exatamente quando começou meu interesse pela biologia, mas foi durante o ensino médio que surgiu o desejo de trabalhar com pesquisa. Em casa, todos eram da área de Exatas, então meus principais modelos na área biológica foram meus professores da escola”, conta.
De início esse interesse se deu pela biologia marinha, através de documentários e sonhos de ser uma “pesquisadora-mergulhadora”, mas a oportunidade de participar de um curso sobre a área, ainda no ensino médio, mostrou que não era bem aquilo que queria. Tampouco a ideia de ser médica a agradava, não se enxergava cuidando de pacientes. “Foi quando, ao pesquisar sobre os cursos em biológicas, me deparei com a Biomedicina e o interesse foi imediato”, lembra.
A família de início se assustou, o curso de Biomedicina ainda era relativamente novo nas grades universitárias, mas isso não impediu Tatiana. Ao final do ensino médio, prestou vestibular para as três grandes universidades federais do Rio de Janeiro – UFRJ, UFF e Unirio – e foi aprovada nas três. “Optei pela UFRJ por apresentar o currículo que mais contribuía com a formação de pesquisadores e pelo grande prestígio, o que abriria um grande leque de possibilidades futuras”, explica.
Logo no início da graduação a futura Acadêmica se encantou pela disciplina Técnicas de Laboratório e teve a certeza de que fez a escolha certa. Os primeiros semestres consistiam num rodízio de estágios pelas diferentes áreas de pesquisa, molecular, celular e integrativa. Ao final desse período, ingressou de vez na iniciação científica, buscando um lugar para fazer pesquisa clínica, e conheceu os Acadêmicos Marcelo Morales e Patricia Rocco, cujos laboratórios haviam acabado de se fundir.
Fora da ciência, Tatiana conciliou a faculdade com um curso sobre gestão de negócios oferecido pelo Sebrae. A influência dos pais foi importante para essa decisão. Filha de pai engenheiro e mão estatística, que, apesar de sempre apoiarem sua decisão pela ciência, mantinham a jovem atenta à necessidade de dominar técnicas para além da prática científica. A experiência foi frutífera e, três anos depois, quando já cursava o mestrado, Tatiana ingressou em outro curso, dessa vez mais voltado para a gestão de projetos. “Aprender sobre planejamento, execução e controle, delimitando o escopo dos trabalhos, gestão de equipe, prazos, custos, qualidade, entre outros aspectos, foi fundamental na minha formação e me ajudou a pensar de forma mais sistemática a minha pesquisa”, avalia
Nesse período, sua ciência focava em doenças pulmonares, as quais estudava utilizando camundongos. Tatiana seguiu sob orientação dos professores Rocco e Morales durante todo o mestrado e doutorado, este último com período sanduíche na Universidade de Toronto, no Canadá, sob orientação da professora Claudia dos Santos. “Foram experiências enriquecedoras fundamentais para minha formação. As professoras Rocco e dos Santos são referências na pesquisa e desenvolvimento de estratégias terapêuticas inovadoras para sepse e lesão pulmonar aguda. A experiência internacional também foi essencial, até num nível pessoal, ampliando minha visão sobre como se faz ciência e criando toda uma rede de colaborações”.
Após se tornar doutora, em 2013, Tatiana resolveu mudar sua temática de pesquisa, saindo do pulmão para o cérebro. Um momento marcante para essa decisão foi uma palestra do célebre biólogo Bruce Alberts, um dos autores do lendário “Molecular Biology of the Cell”, principal livro-texto de qualquer aluno que ingressa em cursos de biológicas. “Ele falou sobre erros e acertos na ciência, encorajando pesquisadores a saírem de suas zonas de conforto e buscarem novas experiências. Isso despertou em mim a certeza de querer explorar novos desafios”, lembra.
Após essa experiência, Tatiana passou a buscar oportunidades em outras áreas, encontrando uma vaga no Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), na Fiocruz. Sob orientação do professor Hugo Faria Neto, ela agora estava com um novo desafio, deixando de focar em infecções pulmonares para investigar inflamações neurológicas e, mais especificamente, malária. “Minha bolsa de pós-doutorado, vinculada ao Ciência Sem Fronteiras, fazia parte de um projeto internacional com o professor Guy Zimmerman (in memoriam), da Universidade de Utah, EUA. Foi uma transição decisiva para minha carreira”.
Hoje pesquisadora titular do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC/Fiocruz, Tatiana segue nessa linha de pesquisa, desenvolvendo estratégias de neuroproteção contra doenças infecciosas e disfunções cerebrais agudas utilizando células-tronco. Além disso, ela também busca compreender os processos neurodegenerativos e seus impactos no comportamento e na cognição. “Na prática, isso significa que buscamos maneiras de evitar sequelas neurológicas. Embora nossas pesquisas ainda estejam em fase experimental pré-clínica, os resultados podem vir a contribuir para novos tratamentos e prevenções”, explica a Acadêmica.
A pandemia foi um período especialmente desafiador para Tatiana, que havia acabado de ser mãe. Conciliar o trabalho remoto com a maternidade não foi fácil, mas ela encontrou um jeito para ajudar seus alunos e colegas a lidar com o estresse, oferecendo aulas online de yoga. Tatiana também mantém uma vida ativa fora do laboratório, devorando livros e praticando esportes para ficar em dia com a saúde física e mental. Só este ano ela já correu três meia-maratonas!