
Para a química Vanessa do Nascimento, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membra afiliada da Academia Brasileira de Ciências (ABC) eleita para o período 2025-2029, a ciência sempre foi o caminho para melhorar de vida. Natural de Passo Fundo, RS, e criada entre os municípios de Marau e Casca, Vanessa cresceu habituada à vida nas cidades pequenas. Filha mais velha de pais humildes, que sempre valorizaram os estudos, mas nunca esconderam a realidade da filha, ela cresceu internalizando a responsabilidade de ajudar e não dar trabalho.
Por isso, na escola as brincadeiras ficavam em segundo plano, dado que seu compromisso total era com o aprendizado. Na época não se falava muito sobre questões de gênero, então Vanessa acredita que foi moldada pela ideia do “papel da menina”, exacerbando suas obrigações para com a família e com o mundo. “Meu pai acreditava que meu destino deveria ser encontrar um marido, não uma carreira. Mas eu sabia o que queria e lutei para conquistar meu espaço”.
Nesse contexto, os estudos se tornaram uma diversão, uma válvula de escape para os sonhos e um caminho para a independência. “Através dos amplos horizontes desenhados pelo ensino, eu sonhava em ser presidente, astronauta, médica. A educação abre as portas para o mundo, foi o meu caso”.
O esforço dos pais para não deixar que nada faltasse sempre foi uma inspiração para Vanessa. A mãe trabalhou como caixa de supermercado, doméstica e costureira e, quando a menina tinha dez anos, resolveu voltar a estudar, terminando o ensino médio e formando-se em Matemática. “Sua trajetória sempre foi um exemplo de determinação e força, apesar de sua constante ausência nesta época”, conta.
Com esse modelo em mente e sua autocobrança constante, Vanessa prestou vestibular. De início ela pensou em ser médica, pois era a única forma pela qual imaginava fazer a diferença na vida de alguém. Mas uma experiência cirúrgica na adolescência fez com que percebesse que aquilo não era para ela. Outra barreira era a competitividade do curso, pois Vanessa sabia que não poderia arcar com um pré-vestibular caso não passasse de primeira. “Foi um momento difícil, pois além das dúvidas, carregava uma insegurança imensa sobre a minha capacidade de passar para uma universidade pública. O peso das expectativas e das dificuldades da infância me levaram a uma depressão severa”, lembra.
A ansiedade era grande, uma verdadeira tempestade de emoções. A família deixava claro: ou passava no vestibular ou teria que começar a trabalhar e o estudo ficaria em segundo plano. A realidade se impunha e a prova se tornou um divisor de águas entre duas vidas possíveis. Mas o resultado veio, com aprovação no curso de Química Industrial na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). “Foi um marco para toda a minha família. Meu pai, que não acreditava, mudou seu olhar e viu que meus objetivos eram possíveis, que eu merecia ter a chance de sonhar. Vi nos olhos da minha mãe um misto de felicidade pela minha conquista e dor pela minha partida”.
Acostumada a uma cidade de sete mil habitantes, Vanessa sentiu a mudança intensamente. Santa Maria é uma cidade universitária com 270 mil pessoas, cujo ritmo é ditado por jovens, que, em sua maioria, vieram de fora. “Mas, por trás do deslumbramento, eu carregava uma certeza: tinha quatro anos para me formar. Esse era o prazo e eu precisava aproveitar cada minuto”.
Por isso, logo no primeiro semestre, quando uma greve foi decretada e a maior parte dos alunos voltou para casa, Vanessa permaneceu. Ela aproveitou para já buscar uma iniciação científica e encontrou uma oportunidade junto ao professor Antonio Luiz Braga. Foi nessa época que começou a estudar os organocalcogênios, cadeias carbônicas que contêm pelo menos um elemento do grupo 16 da tabela periódica, em particular o selênio, o telúrio ou o enxofre. “Fazer ciência era mais do que um trabalho, era uma paixão que me envolvia por completo. O ambiente de pesquisa, a alegria da descoberta, o esforço compartilhado entre amigos que sonhavam juntos, tudo me estimulava”, conta.
O fim da graduação coincidiu com a mudança do professor Antonio para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e Vanessa decidiu segui-lo para fazer mestrado e doutorado. Agora em Florianópolis, ela adquiriria uma experiência muito útil: acompanhar a montagem de um laboratório do zero. “Foi um período de muito aprendizado, que me preparou para enfrentar adversidades às quais toda pesquisa está sujeita. Isso foi fundamental quando me tornei professora. Nunca tive medo do trabalho, mesmo em finais de semana”, conta.
A pós-graduação foi focada na aplicação biológica de compostos de selênio. Durante o doutorado, Vanessa teria a oportunidade de passar cinco meses na Universidade de Perugia, na Itália, sob orientação do professor Claudio Santi. “Foi uma experiência que ampliou meus horizontes, permitindo não só um crescimento profissional, mas também pessoal. Fiz amizades e estabeleci colaborações que rendem frutos até hoje”. Durante todo esse período, o suporte da família e do marido foram fundamentais, sobretudo quando ficou sem bolsa.
Vanessa obteve o título de doutora e logo foi aprovada no primeiro concurso que prestou, para a Universidade Federal Fluminense (UFF), onde hoje é professora adjunta do Departamento de Química Orgânica. Ela busca fazer uma ciência que faça a diferença para a sociedade, retribuindo os anos de financiamento público ao desenvolver novos tratamentos para doenças como tuberculose, Chagas e esporotricose. “No laboratório, buscamos criar substâncias inovadoras que sejam não apenas eficazes e seguras, mas também acessíveis e sustentáveis”.
Além de fazer boa ciência, seu grupo se dedica à divulgação científica pelo site e redes sociais do laboratório SupraSelen. Desde 2016, quando ingressou na docência, Vanessa viu o financiamento à pesquisa minguar e teve que se adaptar à um novo cenário, em que a atenção individualizada à necessidade de cada aluno se tornou ainda mais fundamental. “Acredito que a orientação vai muito além do laboratório, é sobre incentivar e mostrar que é possível”.
Fora da ciência, a vida de Vanessa mudou para melhor em 2018, quando se tornou mãe dos gêmeos Arthur e Lucca. Apesar do desafio de conciliar maternidade e carreira, os pequenos se tornaram uma motivação a mais para trabalhar todos os dias. “Quero proporcionar a eles um mundo melhor, quero que eles e os filhos deles ainda tenham acesso aos recursos naturais como eu tive. Quero que eles sintam orgulho da mãe cientista. Fazer ciência tornou-se ainda mais especial desde então”.