Compreendendo os efeitos adversos de tratamentos contra câncer

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Deysi Viviana Tenazoa Wong nasceu no ano de 1983, na cidade de Iquitos, no Perú. Teve uma infância simples, feliz e de belas memórias. Adorava brincar de boneca e de cozinhar com as primas e primos. Sua mãe era técnica de enfermagem e trabalhava em um hospital público. Seu pai era técnico administrativo da Universidade Nacional da Amazônia Peruana (UNAP).

Deysi estudou em escola pública, em uma instituição exclusiva para mulheres.  As matérias de que mais gostava eram biologia e química, o que já era uma pista para a posterior escolha de carreira. Ela tinha dois irmãos mais novos e foi a primeira da família a ingressar na universidade.

Desde pequena, a menina tinha contato com a área da saúde ao acompanhar a mãe no hospital, quando não havia com quem deixá-la. “Observar o trabalho dela despertou em mim o desejo de seguir um caminho nessa área”, refletiu Deysi. Mais tarde, numa Feira das Profissões, ela teve a oportunidade de explorar diferentes cursos e ficou fascinada ao descobrir a graduação em farmácia e bioquímica, que lhe permitiria atuar tanto na indústria farmacêutica, quanto na pesquisa biomédica. “A possibilidade de contribuir para o desenvolvimento de novos medicamentos e entender melhor os mecanismos das doenças me motivou, e foi ali que decidi seguir essa trajetória”, contou a Acadêmica. Ingressou na UNAP, a universidade pública em que seu pai trabalhava, tendo sido classificada em segundo lugar.

Sua vida acadêmica na graduação foi intensa, pois Deysi procurou aproveitar ao máximo as oportunidades que o curso oferecia, estudando com dedicação e mantendo boas notas. Como resultado deste esforço, sempre foi dispensada do pagamento de taxas de matrícula – um benefício importante, já que no Perú, mesmo no ensino superior público, a matrícula é paga.

Seu interesse pela pesquisa surgiu no terceiro ano da faculdade, quando enveredou para a iniciação científica (IC), na qual seguiu até a formatura. Deysi conta que teve o privilégio de ser orientada pelo professor José Betancourt Badel, “um ser humano incrível e apaixonado pela ciência”. Ele foi sua grande inspiração e a incentivou a buscar um mestrado no exterior. Esse desejo também foi reforçado dentro da sua família, pois tinha um tio médico que morava no Brasil na época e sempre falava sobre as oportunidades de bolsas de estudo. Além da pesquisa, Deysi Wong foi monitora de toxicologia e farmacologia, o que a ajudou a consolidar ainda mais sua paixão pela ciência.

Seguiu então para o Brasil, onde realizou o mestrado e doutorado em farmacologia na Universidade Federal do Ceará (conceito Capes 7, que significa excelência), ambos com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Deysi enfatiza o louvável leque de oportunidades ofertadas pelo Brasil para estudantes estrangeiros, com perspectivas de formação de alto nível.

Já no mestrado, a orientadora de Deysi Wong foi a professora Maria Elisabete Amaral de Moraes. Sua pesquisa foi desenvolvida na Unidade de Farmacologia Clínica da UFC, onde conheceu profundamente a dinâmica de funcionamento da pesquisa clínica. “Foi um acolhimento sem igual que recebi da professora Bete, que considero minha mãe científica e com quem hoje tenho o prazer de compartilhar a docência e a vida acadêmica, como colegas no Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC”, frisa a cientista.

O doutorado foi um divisor de águas para ela. No Laboratório de Farmacologia da Inflamação e do Câncer (Lafica), Wong iniciou uma nova fase, sob a orientação do professor Ronaldo de Albuquerque Ribeiro, que se tornou seu “pai científico” e teve um impacto extremamente positivo na sua vida profissional. “Foi nesse período que aprofundei meus estudos sobre modelos experimentais com foco nas toxicidades do tratamento oncológico. Como resultado desse trabalho, publiquei diversos artigos científicos indexados e recebi menções honrosas e prêmios por apresentações em congressos”, conta a pesquisadora.

Após o doutorado, Wong realizou um estágio de pós-doutorado no Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o que consolidou ainda mais sua experiência e fortaleceu seu compromisso com a pesquisa em farmacologia e oncologia, despertando nela o desejo de atuar como docente nessa área.

Até fazer o concurso para docência na UFC, Wong trabalhou no Laboratório de Biologia Molecular do Hospital Haroldo Juaçaba, no Instituto do Câncer do Ceará (ICC), adquirindo experiência em ensaios clínicos e diagnóstico molecular de mutações drivers. “Foi lá que comecei a orientar alunos de iniciação científica, residentes em oncologia e coorientar doutorandos do Programa Dinter, acordado entre o ICC e a Centro de Câncer A.C. Camargo, que atua num modelo integrado de assistência, pesquisa e ensino”, relatou a Acadêmica.

Também foi nesse período que Wong teve aprovado seu primeiro projeto financiado pelo CNPq na condição de coordenadora, em um Edital Universal. “Hoje, como professora de uma significativa instituição de ensino superior pública, tenho um sentimento de compromisso e responsabilidade em inspirar os alunos, como fizeram comigo ao longo desta caminhada”, declarou.

Alguns anos depois, surgiu a oportunidade de prestar concurso na UFC exatamente para sua área de formação. Hoje, Deysi Wong é professora adjunta do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). É pesquisadora do Lafica, laboratório em que fez seu doutorado, atuando no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM). Também é tutora do Programa de Educação Tutorial (PET-Medicina) da UFC.

Ela busca entender os efeitos adversos dos tratamentos contra o câncer, principalmente a quimioterapia, e dar soluções para amenizar esses danos. Uma das suas linhas de estudo tem se aprofundado no motivo de algumas pessoas desenvolverem mais toxicidade gastrointestinal do que outras, uma temática relacionada à farmacogenética. Além disso, lidera um grupo de pesquisa que busca identificar biomarcadores [sinais biológicos no sangue ou nos tecidos] que possam ajudar a prever quais pacientes oncológicos terão melhores respostas aos tratamentos e quais podem precisar de adaptações nas abordagens terapêuticas. “Isso é essencial para tornar os tratamentos mais personalizados e eficazes”, explicou a cientista.

Adicionalmente, Wong investiga o carcinoma inflamatório da mama, um tipo raro e agressivo de câncer de mama, associado a um pior prognóstico. “Este tumor tende a se disseminar rapidamente pelo corpo, tornando o diagnóstico precoce e o tratamento adequado ainda mais desafiadores. Nosso objetivo é entender quais biomarcadores estão associados ao pior prognóstico nessas pacientes”, relatou.

Por fim, Wong esclarece que sua pesquisa busca não apenas contribuir com o cuidado oncológico, mas também abrir perspectivas para a ampliação do acesso a tecnologias e testes moleculares gratuitos por meio da pesquisa, beneficiando pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). “Essas ações visam sempre a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e a equidade no acesso a inovações científicas, o que é imensamente realizador.”

Ser eleita afiliada da Academia Brasileira de Ciências é uma honra imensa para Deysi Wong. “Representa o reconhecimento do meu trabalho e trajetória na ciência. E simboliza não apenas uma conquista pessoal, mas também a força e a determinação de tantas mulheres que, como eu, equilibram a maternidade, a docência e a pesquisa em um caminho desafiador, mas extremamente gratificante e frutífero.”

Wong reitera que sabe que essa é uma realidade compartilhada por muitas cientistas e, por isso, pretende usar essa posição na ABC para fortalecer a representatividade feminina na ciência, apoiar estratégias que promovam equidade de gênero e que o afastamento por licença maternidade [ela tem três filhos] seja visto com mais empatia pelos pares. “Além disso, gostaria de contribuir com iniciativas que ampliem o impacto da pesquisa na sociedade. Acredito que a ciência deve estar acessível a todos, e vejo na ABC um meio para impulsionar debates e ações em prol de uma ciência mais inclusiva”, complementou.

Fora da ciência, Deysi Wong gosta de mergulhar na obra literária de Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez, mas também aprecia reflexões filosóficas sobre a vida, como as de Mario Sergio Cortella. Ela adora cozinhar, como seu pai, e reunir a família em almoços e jantares. Além disso, a praia é o seu refúgio nos fins de semana. Nada a renova mais do que sentir a brisa do mar, aproveitar as águas quentes do belíssimo litoral cearense e, claro, saborear um bom caranguejo, tomando água de coco. “Esses momentos simples são os que mais me fazem feliz.”

(Elisa Oswaldo Cruz para ABC)