Vencedor de olimpíadas de matemática tem pesquisa relevante em aplicações tecnológicas

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Lucas da Silva Reis nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1995. Passou uma infância relativamente tranquila, na Zona Norte de Belo Horizonte. Estudava pela manhã e brincava com primos e amigos de escola na rua á tarde. Gostava de brincadeiras que requerem imaginação, além das mais esportivas.

Aos nove anos, Lucas perdeu a mãe. Viveu com o pai, a irmã mais nova e um irmão mais velho. Seu pai teve vários empregos, sendo muito habilidoso com alvenaria. Desde 2009, trabalha como motorista para uma empresa que presta serviços para o governo de Minas Gerais. Na família, apenas um tio tinha cursado nível superior quando Lucas se formou.

Lucas sempre teve muito interesse em estudar. Gostava muito de matemática e ciências no ensino fundamental, e de biologia e física no ensino médio. Sempre viu o estudo como uma oportunidade de ascensão social.

Ele conta que sempre foi estimulado pela avó e por alguns professores da escola a buscar o ensino superior. Como era bom em matemática, em 2009 participou de um projeto de iniciação científica (IC) júnior apoiado pelo CNPq direcionado a estudantes medalhistas da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) e foi premiado por cinco anos seguidos, desenvolvendo seu este projeto de IC-JR por quatro anos. “Esse foi um ponto crucial no meu percurso”, apontou o Acadêmico.

Em três destes quatro anos, seu orientador foi o professor Alberto Sarmiento, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que sempre procurou apresentar a matemática de maneira interessante e criativa para seus alunos. “Isso foi fundamental para eu considerar a possibilidade de me tornar pesquisador no futuro”, afirmou Lucas Reis.

No último ano do ensino médio, em 2012, o professor Sarmiento lhe ofereceu a possibilidade de cursar disciplinas iniciais do curso de graduação em matemática na UFMG. De acordo com Lucas, foram dois semestres de muito aprendizado, onde teve contato com outros pesquisadores do Departamento de Matemática, além de alunos da graduação e pós-graduação. “Destaco os professores Fabio Brochero e Sylvie Silva, sempre solícitos para tirar dúvidas e dar conselhos. Ali decidi de vez cursar bacharelado em matemática”, relatou Lucas, que começou na UFMG em 2013.

Por conta das premiações em olimpíadas, Lucas Reis teve a possibilidade de fazer o mestrado ao mesmo tempo que a graduação, por meio do Programa de Iniciação Científica e Mestrado (PICME-OBMEP), apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Seu objetivo pessoal inicial era alcançar situação financeira mais estável, mas além disso po programa foi crucial para que ele desse um grande salto acadêmico: no início de 2016 ele finalizou a graduação e o mestrado juntos, já emendando no doutorado.

O interesse em pesquisa surgiu no começo da graduação. O ponto alto foi logo no primeiro período, quando Lucas Reis resolveu se aventurar numa disciplina avançada de álgebra com o professor Israel Vainsencher. “O curso me deixou realmente fascinado com a matemática, principalmente ao ter contato com matemática mais avançada e problemas em aberto”, contou o Acadêmico.

Para Lucas, encarar a graduação junto com o mestrado foi um processo muito intenso. “E eu acredito que valeu todo o esforço e dedicação contínua. Meu orientador do mestrado foi o professor Brochero, que me estimulou a trabalhar em algo original no mestrado, algo pouco usual na matemática pura. O projeto foi bem-sucedido e publicamos artigo juntos, o meu primeiro!”, relatou, reforçando sua gratidão pelo orientador.

Logo no final do primeiro semestre do doutorado, em 2016, Lucas teve a oportunidade de aplicar para um doutorado sanduíche. Em maio de 2017, foi para a Universidade de Carleton, no Canadá, desenvolver sua pesquisa do doutorado sob supervisão do professor Daniel Panario. “Ele é um ser humano incrível e generoso, além de ser um matemático excepcionalmente prolífico”, declarou Lucas.

Durante o proveitoso ano que passou no Canadá, Lucas Reis trabalhou com pesquisadores de diversos lugares, muitas vezes com apoio financeiro do próprio orientador. “Considero esta experiência como a mais importante para a minha formação acadêmica até hoje e tenho o Daniel como um amigo e ‘guru acadêmico’”, declarou Reis. Ao voltar para o Brasil em maio de 2018, já estava com a defesa marcada e duas oportunidades de pós-doutorado em avaliação.  Desde 2019 é professor adjunto da UFMG, fazendo parte do quadro docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Matemática da universidade.

Sua pesquisa foca principalmente na Teoria de Corpos Finitos. “De maneira informal, um corpo finito é um conjunto finito onde podemos efetuar operações de soma, multiplicação e divisão, assim como fazemos no conjunto dos números reais – que é um corpo infinito. Por ter uma bagagem olímpica, geralmente passeio por diversos problemas da teoria, incluindo problemas de caracterização, enumeração e construção de objetos pertinentes a teoria. Os corpos finitos são bem ricos em estrutura, o que traz um grande espectro de problemas, interagindo naturalmente com diversas áreas da matemática como combinatória, álgebra linear e análise”, relatou Reis.

Embora seu interesse seja mais teórico, sua pesquisa é relevante em aplicações tecnológicas, incluindo criptografia e teoria de informação, especialmente nos códigos corretores de erros. Reis explica que nestas aplicações, os elementos do corpo constituem o alfabeto – ou conjunto de caracteres – nos processos de codificação e decodificação de mensagens. “Além disto, o fato de podermos fazer aritmética nestes conjuntos possibilita o desenvolvimento de comunicações seguras e eficientes de maneira mais simples. Em boa parte da minha pesquisa eu lido com objetos que aparecem nestas aplicações, embora meu interesse principal seja nos seus aspectos matemáticos”, reafirmou.

Interessado em diversificar os tipos de problemas de pesquisa em que trabalha, uma pesquisa em álgebra e combinatória com um aluno de doutorado os levou a explorar alguns problemas na Teoria de Grupos, tema da matemática que Reis imaginava estar muito longe do que costuma pesquisar. “É isso que a minha área proporciona de maneira ímpar, provavelmente por interagir com diversas áreas da matemática e ciência da computação, que sempre me surpreende e me deixa empolgado”, comentou Reis.

O Acadêmico se considera um amante nato do conhecimento, sobretudo da ciência. “O processo de pesquisa e descoberta me traz uma emoção única, além da oportunidade de explorar a curiosidade e criatividade”, disse o matemático. Além da pesquisa, ele também é um entusiasta da música, embora não saiba tocar nenhum instrumento. “E gosto muito de atividades na natureza, como fazer trilhas, andar de bicicleta e pegar uma praia. Também me interesso por documentários sobre história e arte. No tempo livre gosto de pedalar, cozinhar e tomar cerveja com os amigos.”

Sobre o título de membro afiliado da ABC, Lucas Reis o entendeu como um reconhecimento de todo seu trabalho e dedicação. “Confesso que fiquei um pouco surpreso pela indicação, especialmente por trabalhar num tema de pesquisa que ainda está em desenvolvimento no Brasil e, em particular, tem uma visibilidade modesta”, contou.

Como membro da ABC, ele espera dar mais visibilidade à área de álgebra/teoria dos números no cenário nacional.  Hoje o Brasil conta com pequenos grupos emergentes no tema, mas com um grande potencial de crescer e interagir com outras áreas, como ciência da computação e engenharia.

“Também pretendo trabalhar na promoção da diversidade racial e de gênero na ciência, sobretudo na matemática. Estes últimos são temas pertinentes na minha vida e jornada acadêmica, além de ser algo que considero coerente com o cenário social e acadêmico atual”, declarou Lucas Reis.

(Elisa Oswaldo-Cruz para ABC)