Investigando a genética na produção agropecuária sustentável

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Tiago do Prado Paim nasceu em Gurupi, no estado do Tocantins, no ano de 1988, onde viveu até os dez anos de idade. Passou a infância bastante envolvido com as atividades na fazenda da família, a Fazenda Sinuelo, em Aliança do Tocantins. “Minha brincadeira preferida era de ‘fazendinha’. Montava as fazendas com os brinquedos que tinha e aproveitava materiais da natureza, como as conchas brancas que utilizava como vacas que eu chamava de ‘Nerole’”, relembra, referindo-se às vacas da raça Nelore.

Seus pais são gaúchos. O pai sempre esteve envolvido com atividades agropecuária na fazenda da família, que ele construiu do zero, em 1986, no norte de Goiás, que depois virou parte do estado de Tocantins. Começou com cultivo de arroz, passou pela exploração de pecuária de cria, que evoluiu para produção e venda de reprodutores registrados, com aplicação de ferramentas de melhoramento genético, seguido do cultivo de maracujá e outras frutas. Mais tarde, passou a trabalhar com integração lavoura-pecuária, com o cultivo de soja, milho, sorgo e produção de uma pecuária intensiva.

A mãe foi funcionária pública da Caixa Econômica Federal durante 35 anos, atuando em diferentes cargos e funções. Atualmente, ambos moram na fazenda e continuam envolvidos com a administração do negócio.

“Hoje vejo que meu pai sempre foi uma adotante de tecnologias novas. Já em 1997, iniciou o uso de inseminação artificial em gado comercial e uso de raças taurinas fazendo ‘cruzamento industrial’. Seu interesse pela inovação também aparece nas mudanças de cultivo, pois sempre esteve em busca de encontrar o melhor sistema de produção para as condições que encontrou na região”, refletiu Paim.

Aos dez anos, Tiago se mudou com os pais e a irmã, três anos mais nova, para Palmas, capital do estado do Tocantins, onde passou a adolescência. Nessa fase esteve muito envolvido com esportes, especialmente o handebol, que fez parte da sua vida dos 12 aos 22 anos. “Joguei por times da escola e de clubes, participei de campeonatos nacionais e sul-americanos”, conta.

Sempre foi curioso, gostava de saber como as coisas funcionavam. Tiago tinha muita facilidade com matemática e um gosto especial por biologia. Durante o ensino médio, suas notas estavam entre as melhores da turma – e do colégio. Nesse período, ele acompanhava de perto as atividades de produção de reprodutores PO (Puros de Origem) na fazenda da família, chegando até a fazer curso de julgamento de exterior de zebuínos da Associação Brasileira de Criadores de Zebuínos (ABCZ), com 16 anos. Seu interesse pela área de melhoramento genético animal, portanto, já falava alto.

Ao entrar na graduação em medicina veterinária na Universidade de Brasília (UnB), Tiago Paim começou a entender como funciona a ciência. Fez uma primeira iniciação científica (IC) sob orientação do professor Eduardo Mauricio Mendes de Lima e, em seguida, fez três anos de IC orientado pela Acadêmica Concepta McManus Pimentel, conhecida como Connie, que foi sua grande mentora nesse período. Nesse processo, Tiago trabalhava também próximo ao professor Helder Louvandini.

No fim da graduação, o professor Helder lhe ofereceu a oportunidade de realizar um experimento necessário para seu trabalho de mestrado. “Conduzi o experimento do mestrado ainda na graduação, em Brasília”, contou o Acadêmico. Então, o professor Helder foi admitido no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), que funciona junto à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP), em Piracicaba, no interior do estado de São Paulo. Ele convidou Tiago para ingressar no curso de mestrado da instituição, em Energia Nuclear na Agricultura e no Ambiente, e o veterinário aceitou o desafio. “O mestrado envolvia estudos no contexto da nutrição de ruminantes, mas como eu mantinha muito interesse em melhoramento genético animal, cursei algumas disciplinas disponíveis nesse tópico, tanto na Esalq-USP quanto na Unesp Jaboticabal [Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’]”, recordou Paim.

Já decidido quanto à especialização na área de melhoramento genético animal, Tiago Paim buscou a orientação da professora Connie, na UnB, para o doutorado. “Ela me aceitou com uma condição: que eu fizesse doutorado-sanduíche. Fui para a Universidade Estadual do Colorado (CSU, sigla em inglês) em Fort Collins, nos EUA, sob supervisão dos professores Milt Thomas e Harvey Blackburn. Hoje, vejo que todo o processo foi fundamental para formação do cientista que sou  e o quão substancialmente esses orientadores contribuíram para minha formação”, declarou o Acadêmico.

Atualmente, Tiago Paim é pesquisador no Instituto Federal Goiano – Campus Rio Verde, sendo docente permanente nos programas de pós-graduação em Zootecnia e no de Ciências Agrárias/Agronomia. Responsável pelas disciplinas de análise de dados experimentais e planejamento experimental, atua no suporte estatístico aos programas de pós-graduação do IF Goiano. “Estou integrando os conhecimentos adquiridos nesse processo formativo multidisciplinar que eu tive”, afirmou.

Basicamente, Paim continua trabalhando na linha do doutorado, na qual estuda a composição genética das populações de animais de produção, buscando entender como essas populações se formaram ao longo do tempo, desde a domesticação até a sua adaptação a ambientes específicos. “Nessa linha, estamos tentando entender os padrões genéticos que são formados em populações oriundas do cruzamento de diferentes raças, que chamamos de raças compostas. Buscamos desenvolver uma maneira mais eficaz de formar populações de ruminantes, explorando heterose e complementariedade entre raças para o melhor desempenho em ambientes específicos. Com isso, pretendemos contribuir para a formação de sistemas de produção diferenciados, com capacidade de agregar valor aos produtos gerados”, explicou o cientista. Além disso, esses estudos oferecem importantes contribuições para o trabalho de conservação de recursos genéticos, uma vez que podemos entender como as populações atuais foram formadas por cruzamentos ancestrais e como a seleção artificial ou natural formou o recurso genético atual como é o caso das ovelhas deslanadas brasileiras”, concluiu.

Sua segunda linha de atuação é a pesquisa em sistemas integrados de produção agropecuária. “Tentamos entender como manejar os sistemas de produção de animais ruminantes para promover impactos positivos em todo o ambiente de produção. Em especial, trabalhamos com culturas produtoras de grãos que são usadas em sucessão nos sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP), por exemplo”, disse Paim. “Analisamos como podemos usar os animais como uma solução baseada na natureza para os problemas ambientais existentes e como uma ferramenta de resiliência do ambiente de produção às mudanças climáticas globais. Também buscamos entender os mecanismos para criar sistemas de produção agropecuário que contribuam na mitigação da emissão de gases do efeito estufa”, acrescentou. Ainda temos uma aplicação importante de interface de sistemas de produção com a conservação de recursos genéticos, uma vez que, ao criarmos sistemas de produção com o uso de recursos genéticos específicos, estamos garantindo a conservação desse patrimônio genético atrelado a agregação de valor nos produtos finais.

Atualmente, o grupo de Paim está integrando técnicas genômicas à pesquisa em sistemas integrados de produção agropecuário, em especial as técnicas de metagenômica, para entender o papel dos microrganismos da interação solo-planta-animal. “Assim, estamos usando os conhecimentos gerados pela especialização em genômica no melhoramento genético animal para aplicação nos estudos multidisciplinares dos sistemas integrados de produção agropecuária”, resumiu.

Tiago Paim se diz um grande entusiasta da inter/multidisciplinariedade e por isso se encanta com cientistas que conseguem trabalhar em diferentes áreas do conhecimento e criar conexões. “Acredito que essa foi e sempre será a forma da ciência evoluir e ter saltos de conhecimento. Me encanta essa oportunidade de poder pensar coisas diferentes e conversar com pessoas de diferentes áreas, e juntos construir um projeto de pesquisa”, destacou.

Ele pensa que esse seu interesse multidisciplinar e multicultural tem a ver com sua história de vida. Desde pequeno conviveu com diferenças: nasceu no Tocantins, mas tinha pais, avós e tios gaúchos. “E o Tocantins foi um estado criado no ano que eu nasci, formado por migrantes. Então convivi com diferenças culturais de brasileiros do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul”, refletiu Paim.

O veterinário ficou muito lisonjeado com o título de membro afiliado da ABC, uma vez que concluiu o doutorado há sete anos e o membro afiliado é considerado um jovem pesquisador promissor. “Pretendo contribuir com a Academia da forma que for necessário, mas principalmente em buscar aproximar a Academia dos problemas da sociedade e ampliar seu reconhecimento como a importante e relevante entidade que é”, destacou.

O Acadêmico acredita na ciência aplicada em projetos de parceria público-privada, pois entende que é uma forma da pesquisa se tornar rapidamente um produto e gerar benefícios para sociedade. E procura estar sempre atento às necessidades na sua área de trabalho. Também aprecia a oportunidade que a ciência traz de viajar e conhecer lugares, pessoas e países diferentes, conseguir se comunicar com qualquer pesquisador de qualquer lugar do mundo. “Já participei de eventos nos EUA, Canadá, Noruega, Inglaterra, País de Gales, Espanha, Nova Zelândia e Chile, são os que me lembro agora. Se não fosse o ambiente científico, dificilmente teria essa possibilidade.”

Além da ciência, cultura. Tiago assiste a muitas séries e filmes e adora podcasts sobre os mais diversos assuntos, desde finanças até filosofia, passando por temas do agronegócio também. No entanto, nos últimos tempos, o tempo da ciência e da cultura vem sendo dividido com o tempo de pai: “Minha filha acabou de completar um ano de idade, então grande parte do meu tempo no último ano tem sido em casa com a família”, concluiu.

(Elisa Oswaldo-Cruz para ABC)