Do zero ao protótipo específico para cada demanda

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Paulo Trevizoli nasceu em Maringá, no Paraná, no ano de 1985, onde morou com os pais até os 22 anos. Teve uma infância comum, segundo ele. Gostava de brincar na rua com os amigos jogando futebol e vôlei, soltava pipa e jogava bola de gude. No colégio, integrava a equipe de vôlei, tendo participado de vários campeonatos municipais. Toda a sua formação foi no ensino público e Paulo era estudioso. Sempre gostou de geografia, história e biologia, e se desdobrava para estudar as matérias de exatas.

Seu pai era vendedor de tratores e implementos agrícolas e sua mãe trabalhava em casa, era costureira. Ele era o filho mais novo de três irmãos. A irmã fez faculdade de história e de pedagogia, o irmão fez faculdade de administração, com ênfase em comércio exterior. Até Paulo entrar na universidade, o pai havia completado o ensino fundamental para conseguir melhores condições de trabalho e a mãe tinha estudado apenas até a 4ª série.

Quando Paulo Trevizoli foi aprovado no vestibular para engenharia mecânica na Universidade Estadual de Maringá (UEM), sua mãe, aos 50 anos, decidiu voltar a estudar. “Ela fez o ensino fundamental e médio no EJA [Ensino de Jovens e Adultos] e, posteriormente, foi aprovada no vestibular para o curso normal superior a distância na UEM – tendo, inclusive, obtido láurea acadêmica. Após a formatura, ela foi aprovada no concurso para professora do ensino básico da rede municipal de Maringá, onde trabalhou até meses antes de ser diagnosticada com câncer e falecer em fevereiro de 2021”, contou o Acadêmico.

Seus irmãos sempre trabalharam durante a graduação e nunca tiveram as oportunidades que Paulo teve, em sua percepção.  Ele diz que trilhou um caminho no qual as oportunidades iam surgindo e ele conseguia conquistar o seu espaço.

Na sua família não tinha nenhum engenheiro e o interesse pela área surgiu pelas opções de curso que a UEM ofertava. Paulo relata que se interessou pela engenharia mecânica, primeiramente, pela amplitude do campo de trabalho, somado ao fato de querer aprender mais sobre matemática e física. “Como eu tinha dificuldades nestas áreas na escola, tive que me dedicar muito para ser aprovado no vestibular e, principalmente, para me nivelar aos colegas do curso de graduação”, ressaltou Paulo Trevizoli.

Já na universidade, fez iniciação científica (IC) por três anos, os dois primeiros como voluntário e o último ano como bolsista. “Eu gostava de estudar e de estar no ambiente universitário, nos laboratórios. Já no início do segundo ano eu fui selecionado para o Laboratório de Materiais”, contou Trevizoli. O incentivo para participar de pesquisas científicas vieram da mãe e da então namorada, Dayane, hoje esposa de Paulo, pois acreditavam que era uma boa oportunidade de aprendizado e de crescimento, tanto profissional quanto pessoal.

Ele relata que sua experiência na graduação foi limitada em conteúdos teóricos e experimentais, porque o curso era novo e, por isso, existiam lacunas na matriz curricular, o que dificultou sua trajetória acadêmica. Por outro lado, a iniciação científica na área de materiais magnetocalóricos foi uma oportunidade ímpar.

“Algumas vezes por ano eu viajava para Campinas, onde colaborava com professores e alunos de pós-graduação do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp. Lá eu processava e caracterizava ligas intermetálicas com efeito magnetocalórico, utilizando equipamentos de ponta, ou seja, experimentação pura”, conta Trevizoli. Nessas oportunidades, avalia que aprendeu muito sobre metodologia científica e teve oportunidade de participar de eventos científicos e de publicar trabalhos em congressos e revistas. “Neste período, os professores Cleber Santiago Alves e Alexandre Magnus Gomes Carvalho foram meus mentores”, destacou.

No mestrado, Trevizoli promoveu mudanças: foi para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mudou da área de materiais para a de ciências térmicas, visando estudar sistemas de refrigeração magnética. Nessa fase, conseguiu preencher diversas das lacunas deixadas pelo curso de graduação em relação a conceitos e teorias. Na pesquisa, precisou aprender novos métodos científicos, por conta da mudança de área. Teve oportunidade de aplicar os materiais magnetocalóricos que estudava na graduação em um sistema de refrigeração real, continuando com trabalhos experimentais.

“A bancada de testes em que trabalhei no mestrado era pioneira no Brasil e havia sido construída pela Embraco, onde eu tive a oportunidade de fazer meu estágio supervisionado pelos professores Hannes Fischer e Rogério Tadeu da Silva Ferreira. Posteriormente, eu a levei para a UFSC e, ao longo do mestrado, me dediquei a resolver os problemas do aparato”, ressaltou o cientista. No final, conseguiu realizar medições satisfatórias e os resultados e discussões foram publicados em conferências e revistas. Ele considera importante destacar que as dificuldades e os desafios encontrados nesta etapa foram imprescindíveis para que se pudesse compreender os fundamentos de termodinâmica e de transferência de calor relacionados à regeneração magnético-ativa, bem como perdas e irreversibilidades, além de limitações técnicas. “Isso tudo nos preparou para desenvolver novos protótipos que poderiam apresentar resultados melhores. Neste período, meus mentores foram os professores Jader Riso Barbosa Jr. e Rogério Tadeu da Silva Ferreira”, apontou Trevizoli.

No doutorado, o Acadêmico continuou a desenvolver sistemas de refrigeração magnética, porém, em um estudo teórico-experimental. Já no segundo ano, fez doutorado sanduíche na Universidade de Victoria, no Canadá, onde teve a oportunidade de aprender ainda mais sobre aspectos construtivos de refrigeradores magnéticos, com uma das maiores referências da área, o professor Andrew Rowe.

Na pesquisa teórica, Trevizoli desenvolveu um modelo matemático para simular regeneradores térmicos passivos e magnético-ativos, que foi posteriormente registrado. Na parte experimental, projetou e construiu um novo protótipo de refrigerador magnético, desde o circuito magnético (ímã) até sua instrumentação.

Tendo como mentores os professores Jader Riso Barbosa Jr. e Andrew Rowe, os resultados obtidos por Trevizoli no doutorado foram expressivos: publicou 11 artigos em revistas indexadas, além de outros em eventos científicos. Sua tese ganhou o Prêmio ABCM-Embraer de melhor tese de doutorado de 2016.

Hoje professor adjunto do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também atua como professor permanente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, o engenheiro Paulo Trevizoli trabalha no desenvolvimento de motores termomagnéticos para reaproveitamento de energia térmica. Ele explica que em diversos setores industriais, rejeitos de calor com temperaturas menores do que 100ºC são abundantes e difíceis de serem aproveitados para geração de energia útil (mecânica ou elétrica). Os motores termomagnéticos são capazes de converter calor em energia mecânica e, assim, poderíamos substituir um motor elétrico por um termomagnético a partir de rejeitos de calor.

O princípio de operação destes motores, de acordo com Trevizoli, se baseia na alternância de fase magnética presente nos materiais magnéticos. Por exemplo, um bloco de aço é atraído por um ímã, pois o aço é um material ferromagnético. Já o alumínio não, pois é um material não-magnético (paramagnético). “O motor termomagnético emprega um material e faz com que a sua fase magnética mude de acordo com a temperatura, isto é, ele se comporta como o aço ou como o alumínio, bastando variar a sua temperatura. Assim, quando fornecemos calor ao material ele se torna não-magnético e é retirado da ação do ímã, e quando removemos calor ele volta a ser ferromagnético e é atraído pelo ímã. Repetindo esses processos de forma cíclica produz-se movimento, ou seja, energia mecânica”, explicou, com bastante clareza, o Acadêmico.

Em seu laboratório de pesquisas na UFMG, Trevizoli e seu grupo projetam e constroem novos protótipos, cada qual com uma caraterística operacional e um objetivo específico, seja produzir maiores torques ou operar em velocidades mais elevadas. “Desenvolvemos os protótipos do zero, desde seu projeto conceitual, passando pelo projeto detalhado, fabricação das peças, construção (incluindo o circuito magnético a base de ímãs permanentes) e, posterior, avaliação experimental, aquisição de dados e pós-processamento de resultados”, esclarece o pesquisador. Para professores e alunos, trata-se de uma experiência riquíssima e multidisciplinar, passando pela área de projetos e seleção de materiais, processos de fabricação, instrumentação e aquisição de sinais além, notadamente, da interpretação dos resultados à luz dos fenômenos físicos que regem a termodinâmica, transferência de calor e magnetismo.

Paulo Trevizoli é apaixonado pela descoberta. “A ciência nos permite explorar o desconhecido ou buscar novos usos para tecnologias ou materiais que já temos disponíveis. Algo que me encanta muito na ciência é que ela pode ser a mais básica, na busca pela compreensão de fenômenos físicos, ou ser uma tecnologia nova que em breve estará disponível para as pessoas, e impactará no cotidiano da sociedade. Porém, do ponto de vista científico, ambas têm a mesma relevância”, analisou. “Ainda, por ser extremamente dinâmica e em constante evolução, aquele conceito básico amanhã pode estar sendo aplicado em uma solução inovadora”, acrescentou o Acadêmico.

Na sua área de atuação, se atrai pela interseção entre fenômenos físicos complexos e multidisciplinares. “Estamos dando usos diferenciados a materiais conhecidos há décadas, arquitetando estruturas inovadoras para extrair o seu melhor desempenho”, disse Trevizoli. Porém, destaca que estão limitados pelo estado-da-arte, e isso impulsiona outros grupos de pesquisas a buscarem novos materiais, com melhores propriedades para que, futuramente, se possa vislumbrar aplicações reais. “Ou seja, estamos trabalhando na fronteira do conhecimento, e isso me fascina. Em alguns anos, pode ser que uma das nossas máquinas possa vir a ser aplicada, melhorando a vida das pessoas e mitigando impactos ambientais”, considerou Paulo Trevizoli.

Ter sido eleito membro afiliado da ABC, para ele, representa o reconhecimento do seu trabalho científico ao longo dos últimos 20 anos e da sua contribuição para o desenvolvimento científico da área. Sentiu-se honrado por ser convidado a uma instituição tão prestigiada e histórica, que reúne cientistas de excelência de diversas áreas do conhecimento.

“Pretendo colaborar ativamente com a ABC para promover o avanço científico do país, especialmente relacionado a novas tecnologias e mitigação de impactos ambientais. Também buscarei disseminar a ciência, visando a formação de novos cientistas. Pretendo participar de debates e novos projetos, e trocar conhecimentos com outros membros. Sempre estarei aberto a novas ideias e colaborações para ajudar a ampliar o impacto da ABC em áreas estratégicas do nosso desenvolvimento”, prometeu Trevizoli.

Fora do trabalho, ele se considera uma pessoa bastante caseira e que gosta da rotina, começando com exercícios físicos pela manhã. Gosta de cozinhar e reunir amigos em casa, gosta de assistir séries, documentários ou esportes americanos. “Sempre que possível, saio para explorar a natureza e fotografar animais, plantas, insetos. Porém, ultimamente, minha maior dedicação é me juntar à minha esposa para brincar e educar nossa filha, Cecília, que veio para alegrar nossa família”, concluiu Paulo Trevizoli.

(Elisa Oswaldo-Cruz para ABC)