Palestras Magnas da Diplomação de Novos Afiliados do Norte 2025

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No dia 5 de agosto, durante a Diplomação dos Novos Afiliados para a Região Norte, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) convidou dois de seus membros titulares para ministrarem palestras magnas e recepcionarem os novos membros. Os escolhidos foram os biólogos Maria Teresa Piedade e Philip Fearnside, ambos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (inpa).

Os atributos de um bom cientista

Maria Teresa Piedade

A ecóloga Maria Teresa Fernandéz Piedade é pesquisadora titular III do INPA desde 1988, onde anteriormente realizou seu doutorado. Fez estágios de pós-doutorado na Universidade de Cambridge e na Universidade de Essex , ambas no Reino Unido. Atua hoje nos programas de Pós-Graduação de Ecologia e Botânica do INPA e no mestrado em biodiversidade na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém. Concentra suas pesquisas em ecologia de ecossistemas, focando na influência do pulso de inundação na biota e interações, manejo sustentável e monitoramento de áreas alagáveis, e em estudos de produção primária, balanços de carbono e ecofisiologia de espécies arbóreas e de plantas aquáticas. É membro e atual presidente do Conselho de Administração do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM).

A Acadêmica começou sua fala trazendo os atributos que fazem um bom cientista, seja qual for a área. “É preciso ter honestidade na descrição dos métodos e na interpretação de seus resultados; confiabilidade na execução da pesquisa e divulgação de seus resultados; objetividade no tratamento dos dados e das conclusões obtidas; imparcialidade na execução, divulgação e julgamento da contribuição de outros; cuidado com a coleta, armazenamento e tratamento de dados; respeito pelos participantes e objetos da pesquisa; veracidade na atribuição dos créditos; e responsabilidade na supervisão do trabalho de seus alunos”, ressaltou.

Em seguida, a Acadêmica fez um breve histórico da institucionalização da pesquisa biológica brasileira. Após a criação da Capes e do CNPq em 1951 o Brasil viu começar um processo intermitente de fortalecimento da área, cuja aceleração só se deu de fato na década de 80. “Na década de 70, um pesquisador de biológicas publicava um trabalho a cada dois anos. Hoje é comum vermos nossos pares publicando dois ou três artigos por ano. Para alcançarmos esse número foi preciso derrubar muitas barreiras e a maior delas foi a questão dos recursos”, avaliou Piedade.

A pesquisadora também atribuiu o crescimento de produtividade ao fortalecimento e institucionalização da pós-graduação, que gerou um maior contingente de alunos dispostos a fazer ciência. Atualmente, ela enxerga com preocupação o salto nas taxas cobradas para publicação em revistas internacionais, com o impulso para o acesso aberto. “Hoje você tem que escolher entre comprar um carro ou publicar um artigo”, brincou. “Isso está fazendo com que muitos brasileiros precisem ir ‘de reboque’ nas publicações de pesquisadores estrangeiros”.

Voltando-se à questão ambiental, a pesquisadora falou com apreensão sobre os diversos vetores de destruição da Amazônia. Piedade trouxe o exemplo da devastação causada pela hidrelétrica de Balbina, que alterou a dinâmica hidrológica da região. “Porções mais altas deixaram de receber água e as mais baixas foram inundadas ininterruptamente, gerando mais de 120 km de mortalidade da floresta rio abaixo”, resumiu.

Ela lembrou que a maior parte da Amazônia ainda está no escuro em relação à ciência, correndo o risco de ser destruída antes mesmo que tenhamos a oportunidade de conhecer toda a sua rica diversidade. “A COP 30 está chegando e ainda há muito por fazer. Os cientistas precisam de mais poder decisório, precisamos integrar mais a ciência à sociedade e à política. Mas como fazer isso? Essa é a pergunta que deixo para vocês”, finalizou a Acadêmica.

Os riscos da exploração na Margem Equatorial

Philip Fearnside

O biólogo Philip Martin Fearnside fez sua formação superior todas nos Estados Unidos, seu país de origem. Estuda problemas ambientais na Amazônia brasileira desde 1974, inclusive morando dois anos na rodovia Transamazônica, antes de entrar para os quadros do INPA, em 1978, onde atualmente é pesquisador titular III. Realiza pesquisas ecológicas, incluindo a estimativa de capacidade de suporte de agro-ecossistemas tropicais para populações humanas e estudos sobre impactos e perspectivas de diferentes modos de desenvolvimento na Amazônia e sobre as mudanças ambientais decorrentes do desmatamento da região. Desde 1992, Fearnside vem promovendo a captação do valor dos serviços ambientais da floresta amazônica como forma de desenvolvimento sustentável para as populações rurais na região.

Ele foi o vencedor do Prêmio da Fundação Conrado Wessel na área de Ciência Aplicada ao Meio Ambiente em 2004 e dois anos depois recebeu do Ministério do Meio Ambiente o Prêmio Chico Mendes na área de Ciência e Tecnologia. Também em 2006, foi identificado pelo Instituto de Informações Científicas (Thomson-ISI) como sendo o segundo cientista mais citado no mundo na área de aquecimento global.

O Acadêmico começou sua palestra afirmando que as promessas feitas pelos países no Acordo de Paris já são insuficientes para limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C acima do período pré-industrial, e mesmo estas não estão sendo cumpridas. “Se passarmos dos 2°C, que é para onde estamos caminhando, será uma catástrofe. Teremos desertificação de algumas áreas do Brasil e uma imensa mortalidade associada ao calor extremo”, alertou.

O risco que o planeta corre é ultrapassar um ponto de não-retorno, no qual o aquecimento dispara um ciclo vicioso de perda de ecossistemas que torna impossível para a humanidade conter. “Um exemplo é o que já está acontecendo em áreas da Amazônia próximas da fronteira agrícola, onde regiões historicamente armazenadoras de carbono se tornaram tão degradadas que já constam como regiões emissoras do gás para a atmosfera”, apontou o Acadêmico.

Fearnside fez duras críticas ao governo atual pelo que enxerga como falta de compromisso com a questão climática. Ele se posicionou fortemente contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas, alegando ser impensável a abertura de novos poços de petróleo em 2025. “Em 2023, um relatório da Agência Internacional de Energia concluiu que não deveria haver a prospecção de novos poços em lugar nenhum no mundo. Não estamos falando de uma instituição ambientalista”, provocou.

O Acadêmico alertou também para o risco de eventuais acidentes na perfuração da margem equatorial, lembrando da tragédia ambiental que foi o vazamento no Golfo do México em 2010. “Foram cinco meses de vazamento até conseguirem estancar. Isso numa região de 1,5 quilômetro de profundidade; a foz do Amazonas tem o dobro disso e correntes marítimas muito mais fortes, seria um trabalho muito mais difícil”.

Por fim, Fearnside focou em rebater os argumentos em favor da exploração. O primeiro é o de que os recursos levantados seriam utilizados para a transição energética. “O que sabemos é que só 0,6% do dinheiro gerado pelo petróleo atualmente é aplicado em projetos que visem a transição”. Outro argumento é o de que a perfuração é importante para a soberania energética do país. “Esse risco de ficarmos no escuro não existe, hoje em dia metade do petróleo que extraímos é exportado”, afirmou.

“As políticas brasileiras precisam mudar. A COP 30 deveria ser uma oportunidade para o país assumir a liderança ambiental no mundo. Se ninguém o fizer, as mudanças climáticas sairão do nosso controle e o Brasil será um dos mais afetados”, concluiu.

Saiba como foi a diplomação dos novos afiliados.

Assista à cerimônia na íntegra:

(Marcos Torres para ABC, 08/08/2025 | Fotos: Rick Zênite Foto)