
Formar cientistas naturais da Amazônia deve ser uma das prioridades do Brasil. São eles que conhecem a região e tem maior probabilidade de fincar raízes, e é com eles que o país pode construir um ecossistema pujante de CT&I que permita um ciclo virtuoso de pesquisa, inovação e desenvolvimento econômico sustentável. A trajetória do ecólogo Adriano Costa Quaresma, novo afiliado da Academia Brasileira de Ciências, mostra isso: o menino que cresceu rodeado pelas matas se tornou um estudioso da vegetação, que aplica seus conhecimentos no desenvolvimento de atividades que mantém a floresta de pé.
Adriano é natural da Ilha do Combú, no Pará. Do outro lado do rio está Belém, e da margem é possível ver o campus principal da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mas mesmo tão próximo da metrópole, a ilha preserva suas matas e o estilo de vida ribeirinho de seus habitantes. Nesse ambiente, Adriano cresceu ao ar livre e criou gosto pela floresta. Estudou até a terceira série numa escola local, indo para as aulas de canoa, mas nessa época o que mais lhe agradava era ir para a floresta acompanhar seus pais no trabalho.
Seu Odair e dona Maria Cléa sempre trabalharam como extrativistas, principalmente na coleta do açaí, mas também de outros produtos agroflorestais, como cacau, pupunha e banana. Essas culturas são exemplos do que hoje chamamos de “bioeconomia”, termo que tenta dar a importância devida às atividades que não agridem as matas e nos permitem aliar sustentabilidade e geração de renda. Adriano e sua irmã, Angélica Tatiane, estiveram desde cedo imersos nesse meio.
“Meu interesse pela ciência foi uma evolução natural da minha vivência na floresta, brincando no rio, ajudando meus pais e absorvendo, sem perceber, os saberes que aquele meio me passava. Meus pais, meus avôs, meus tios e tias são os cientistas que me influenciaram”, conta.
A partir da quarta série, Adriano passou a cruzar o rio todos os dias para estudar na capital. Nesse novo ambiente, primeiro se interessou por história e depois por biologia, escolhendo essa última para seguir carreira já que ela se relacionava ao ambiente ao seu redor. Quando chegou a hora da faculdade, ingressou no curso de Ciências Biológicas da UFPA. “Até entrar na faculdade, eu nem sabia exatamente o que era ‘ciência’. Só depois percebi que, inúmeras vezes, já havia feito ciência ao tentar interpretar o meio natural onde vivia”.
Logo no início da graduação ele já começou a estagiar com ecologia vegetal, sob orientação do professor Mário Augusto Jardim, no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Seus estudos focaram principalmente na ecologia das várzeas alagadas e no manejo dos açaizeiros. Seu trabalho de conclusão, apresentado em 2010, olhou para a diversidade e distribuição de bromélias epífitas – ou seja, que crescem sobre outras plantas – nas várzeas da ilha do Combú.
De 2011 a 2013, Adriano cursou mestrado em Botânica Tropical no MPEG, mantendo seu orientador. Nesse período ele investigou a diversidade e as interações entre as epífitas e as árvores que lhes dão sustentação, aplicando seus conhecimentos nas práticas de manejo da área de proteção ambiental de Algodoal-Maiandeua. “Publiquei artigos científicos e participei de projetos de extensão voltados para a capacitação e educação ambiental das comunidades locais”.
Após a conclusão, ingressou no doutorado, dessa vez no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), sob orientação da professora Maria Teresa Piedade, aprofundando ainda mais suas pesquisas com a ecologia de epífitas de áreas alagadas. Durante esse período, participou de grandes expedições por diversos rios amazônicos, liderando equipes de coleta e aprendendo com pesquisadores experientes e comunidades locais.
“Me fascina a complexidade e a interconectividade dos ecossistemas alagáveis amazônicos. A maneira como as plantas epífitas interagem com as árvores, como a inundação molda a vegetação e como esses ambientes sustentam uma biodiversidade única são aspectos que me intrigam e me motivam.”
Após sua titulação, em 2017, Adriano realizou ainda dois pós-doutorados, o primeiro no INPA e o segundo no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, na Alemanha. “Ampliei minhas pesquisas para temas como dinâmica da vegetação alagável, impactos de hidrelétricas e como os diversos fatores ambientais influenciavam a flora epifítica amazônica. A partir disso comecei a formar novos pesquisadores), consolidando colaborações internacionais e contribuindo para a conservação das florestas alagáveis e para a soberania alimentar das comunidades tradicionais”, explica.
Além de desvendar as interações ecológicas na floresta, o trabalho de Adriano integra o conhecimento científico aos saberes tradicionais, criando vínculos com comunidades indígenas e ribeirinhas para o monitoramento ambiental. “A ciência nos desafia a olhar além do óbvio e criar pontes entre diferentes saberes. É uma ferramenta poderosa para compreender a natureza e, ao mesmo tempo, transformar realidades – foi o meu caso!”.
A trajetória de Adriano Costa Quaresma é um exemplo de como ciência, cultura e natureza podem caminhar juntas. Do aprendizado intuitivo nas matas da Ilha do Combú à pesquisa de ponta nos rios amazônicos, sua história revela que o conhecimento científico se torna mais sólido quando se enraíza no território e dialoga com os saberes tradicionais. Hoje, como pesquisador do Inpa e novo afiliado da Academia Brasileira de Ciências, Adriano segue mostrando que é possível produzir ciência de excelência sem abrir mão da floresta em pé, fortalecendo comunidades, conservando ecossistemas e inspirando novas gerações a olharem para a Amazônia não apenas como objeto de estudo, mas como parceira de futuro.