O Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

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A mesa-redonda sobre O Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCTI) foi realizada em 16 de julho, durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Recife. Moderada pela presidente eleita da SBPC, Francilene Procópio Garcia, a sessão contou com o secretário-executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luis Fernandes, o Acadêmico e coordenador da 5ª Conferência Nacional de CT&I, Sergio Rezende, o professor de física e de história da ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ildeu Moreira, e a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), .

Ildeu Moreira, Sergio Rezende, Francilene Garcia, Luis Fernandes e Helena Nader | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Francilene destacou a contribuição sensível de Fernandes no MCTI, muito focada nas ações que retomam um diálogo firme e amplo com a comunidade cientifica e todos os atores que compõem o sistema nacional de CTI. “A questão fundamental hoje é como dotar o país de soberania científica e tecnológica em tempos de rearranjo da geopolítica, olhando para as vocações do Brasil e as áreas em que precisamos construir conteúdo nacional de maneira mais firme”, frisou a engenheira e cientista da computação, que é professora e pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande.

A 5ª CNCTI como base para um Plano Nacional

A primeira apresentação foi do Acadêmico Sergio Rezende, ex-ministro de CT&I, presidente de honra da SBPC e coordenador geral da 5ª CNCTI. Ele explicou que a 5ª Conferência teve como missão discutir as questões de CT&I e fazer recomendações para a elaboração da Estratégia Nacional de CTI (ENCTI) 2025-2035.

Rezende explicou o processo de construção da 5ª Conferência, que foi resultado de uma ampla discussão nacional: foram 272 eventos prévios, com 13 mil participantes presenciais e 100 mil participantes remotos. Os relatórios dos eventos prévios foram transformados num conjunto de publicações, inclusive uma intitulada “A Finep e a neoindustrialização” LINK, editada pela agência financiadora após os 12 seminários que promoveu.

A 5ª CNCTI em si, realizada nos dias 30, 31 de julho e 1º de agosto de 2024, em Brasília, contou com 2.500 participantes presenciais, 4.000 on-line, 54 sessões de debates, sete plenárias, 21.000 visualizações no YouTube, 60 relatores e 521 recomendações. Nela foi entregue ao presidente Luis Inácio Lula da Silva o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028 IA para o Bem de Todos LINK, elaborado com contribuições do documento anterior da Academia Brasileira de Ciências.  LINK

Após o evento, foram elaborados dois livros: o lilás e o violeta. O primeiro foi um relatório geral da Conferência e o segundo a compilação das recomendações originadas pela 5ª CNCTI.  LINKS

Rezende então apresentou um resumo das conclusões e recomendações feito por ele.

Eixo I – Recuperação, Expansão e Consolidação do Sistema Nacional de CT&I
(16 sessões e 144 recomendações)

  1. Ampliar os recursos financeiros federais, estaduais e empresariais para CT&I e aperfeiçoar os instrumentos de sua distribuição.
    > Metas: 1,6% do PIB até 2028 e 2,5% do PIB até 2035.
  2. Desburocratizar a aplicação dos recursos financeiros para pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I).
  3. Intensificar a formação de recursos humanos para educação e PD&I na academia e nas empresas, melhorando as condições para retê-los no país.
  4. Ampliar a cooperação internacional em especial nas áreas estratégicas para o país.

Eixo II – Reindustrialização em Novas Bases e Apoio à Inovação nas Empresas
(8 sessões e 82 recomendações)

  1. Fortalecer os programas de cooperação universidade-indústria para a realização de projetos conjuntos de P&D e para ampliar a formação de profissionais capacitados para a inovação tecnológica.
  2. Ampliar os instrumentos e investimentos para promover P&D nas empresas industriais para desenvolver novas tecnologias e processos mais eficientes e sustentáveis.
  3. Ampliar os investimentos em tecnologias digitais para melhorar a competitividade da indústria brasileira e reduzir as emissões de
  4. Promover a criação e ampliação de incubadoras de empresas e ampliar os instrumentos de financiamento de start-ups.
  5. Reduzir a carga tributária das empresas industriais inovadoras.

Eixo III – CT&I para Programas Estratégicos Nacionais
(12 sessões e 119 recomendações, além da plenária e Plano de IA)

Ampliar os recursos financeiros, os programas de pesquisa e formação de RH, a cooperação internacional e outras medidas nas seguintes áreas:

  • Microeletrônica, nanotecnologia, novos materiais, tecnologias quânticas
  • Biotecnologia, biodiversidade e bioeconomia
  • Saúde – Insumos biológicos avançados, CRISPR e radiofármacos
  • Biomas e oceanos brasileiros – Amazônia, Pantanal, Cerrado, Semiárido
  • Mudanças climáticas e sustentabilidade
  • Energias renováveis e descarbonização
  • Agroecologia sustentável e competitiva
  • Minerais estratégicos (Lítio, Nióbio, Silício, Terras raras, etc.)
  • Defesa e segurança nacional
  • Setores espacial e nuclear

Eixo IV – CT&I para o Desenvolvimento Social (16 sessões e 153 recomendações)

  1. Promover políticas e programas ousados para comunicação da ciência à sociedade, popularização da ciência, e educação científica,
  2. Ampliar os programas de difusão tecnológica, de tecnologias sociais e de economia criativa e solidária.
  3. Fomentar programas para ampliar a participação de grupos subrepresentados nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.
  4. Incentivar programas que promovam a integração das tecnologias ancestrais com a ciência moderna visando gerar soluções criativas e sustentáveis para os desafios atuais.

Concluindo, Rezende ressaltou que o interesse e participação nos eventos prévios da 5a CNCTI suplantaram todas expectativas e que as apresentações e discussões na etapa nacional geraram um importante conjunto de análises e recomendações. “O MCTI acolheu as recomendações da 5a CNCTI e nomeou um GT [grupo de trabalho] para elaborar a ENCTI e o Plano Decenal de CT&I”, apontou.

A posição do MCTI

Luis Manuel Rebelo Fernandes começou agradecendo a Sergio Rezende a enorme contribuição que é o resumo das conclusões e recomendações que ele apresentou na mesa-redonda. “Minha tarefa será enormemente facilitada pela apresentação que o Sergio acabou de fazer”, ressaltou.

Sua missão é coordenar o GT que vai detalhar a estratégia nacional (ENCTI) para definir o Plano Nacional de CTI. “Com esse resumo do Sergio e os dados que solicitei ao CGEE, com uma síntese dos planos ou estratégias nacionais de CT&I dos países que tiveram em maior sucesso em enfrentar esses desafios nas últimas três décadas, como China, Coreia do Sul, Índia e outros, conseguiremos apresentar ao CCT [Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia] uma proposta de ENCTI em setembro deste ano”, afirmou. “Vamos ter essa pesquisa como subsídio, como referência para elaborarmos uma estratégia brasileira, de acordo com nossas vocações, nossos interesses e as demandas da nossa sociedade”, afirmou.

Fernandes observou que, pelo que já conhece, esses países que tiveram desenvolvimento rápido recentemente o conseguiram vinculando a política e a estratégia de ciência, tecnologia e inovação a projetos nacionais de desenvolvimento robustos, baseados no conhecimento. “Essa é a chave”, afirmou. A ideia, de acordo com Fernandes, é ter o plano de ações elaborado e aprovado no início do ano que vem, com metas claras, para entrar já em operação.

Helena Nader: “Continuo querendo”

Para a presidente da ABC, as propostas para o novo plano estão bem encaminhadas, amadurecidas, com livros consistentes. “Já tínhamos essa visão depois da 4ª CNCTI. O Luiz Davidovich, presidente da ABC antes de mim e coordenador da 4ª Conferência, ao saber dos planos para a quinta, saiu-se com essa: tudo que estava no Livro Branco da 4ª CNCTI ele continuava querendo.”

Em sua visão, o MCTI está com um bom projeto em mãos, mas falta a governança definir de onde virão os recursos. “Já sabemos o que queremos. Mas falta acontecer. Estive na China recentemente e vi como funciona lá. O plano é quinquenal e tem a definição de quanto vai para cada item e de que origem. A diferença é que os chineses reconhecem o valor do conhecimento”, apontou.

Aqui no Brasil, ela lembra que um ministro da Fazenda recente disse que o Brasil não precisa de ciência, tecnologia e inovação, porque ‘quando ele quiser, ele compra’. “Eu disse a ele que o caso então é saber se alguém vai saber ler e entender o que comprou.”

Nader reiterou que o investimento em ciência básica é fundamental para que se alcance as tecnologias disruptivas. “Tem que planejar direito, estabelecer as prioridades. O FNDCT [Fundo Nacional para Ciência e Tecnologia] sozinho não vai prover o salto que o Brasil tem que dar. É preciso ampliar os fundos, criando outros, por exemplo, para o sistema financeiro, para as big techs e para o agronegócio. “Estes são setores que são sustentados pela ciência. Então precisam contribuir criando fundos setoriais para CT&I”, apontou.

No entanto, é preciso garantir que os fundos serão utilizados de fato para o fim primeiro. “O Fundo Social do Pré-Sal, quando foi criado, era para garantir que parte dos recursos da exploração petrolífera fosse direcionada para projetos de desenvolvimento social e regional. seria para educação e saúde, mas agora está sendo usado para tudo. Até financiar a Procuradoria-Geral da República ele está financiando”, apontou.

Nader também apontou, expondo uma opinião pessoal, a necessidade de uma posição firme do presidente Lula. “Ciência e tecnologia têm que ser de fato estabelecidas como prioridades e todos os ministérios deveriam convergir com recursos para ter um fundo. O Senado aprovou tirar a ciência do arcabouço fiscal. Foi para a Câmara que, por motivações individuais, cortou. Temos que trabalhar novamente junto à Câmara para explicar a importância da ciência.”

O Plano Decenal de Ciência, Tecnologia e Inovação

Doutor em física pela UFRJ, Ildeu de Castro Moreira, é professor do Instituto de Física e de programa de pós-graduação em história das ciências, ensino de física e história da física na UFRJ, e no mestrado em divulgação científica da Fiocruz (Fiocruz/UFRJ/MAST/JBRJ). Foi diretor do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do MCTI (2004-2012) e coordenou a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2004 a 2012. É vice- coordenador do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT).

Ildeu Moreira considera que o Eixo 4 citado por Sergio Rezende não vem recebendo a atenção adequada, nem sendo tratado com a transversalidade requerida. “A parte social está fraca. Temos que dar o destaque adequado às desigualdades raciais, econômicas, e isso se dá junto com a sociedade. Muitos setores têm que estar envolvidos no processo de discussão, as fundações de amparo à pesquisa dos estados precisam estar junto. A educação cientifica tem que estar interação com o MEC [Ministério da Educação], temos que tratar de tecnologias sociais, de economia solidária”, ressaltou o pesquisador.

Moreira declarou sua expectativa em relação à velocidade do processo. “Estamos demorando muito, o processo está lento. O governo só tem mais um ano e meio pela frente, ano que vem será voltado para as eleições. Já faz um ano da realização da 5ª CNCTI e ainda estamos aqui”, apontou.

Sua preocupação é que sejam nomeados os atores que vão pensar e executar cada item dos listados por Sergio Rezende. “Temos que nos dedicar a elaborar um plano de CTI nacional envolvendo a população, o MST, po exemplo,que é quem mais trabalha com agricultura familiar, por exemplo. A ENCTI vai ser de 2024 a 2030, então estamos atrasados. Precisamos de um envolvimento maior da sociedade”, frisou Moreira.

Alguns setores sociais são tradicionalmente deixados de fora das decisões, de acordo com o pesquisador. “Temos que focar nas condições de vida, na mudança, e para isso é preciso uma articulação mais ampla. Tem que ser um plano de nação, de Estado, puxado pelo governo. Se não agilizarmos, vamos fazer outro livro colorido.”

 

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(Elisa Oswaldo Cruz para ABC, 21/7/2025 | Fotos: Jardel Rodrigues/SBPC)