Um Olhar sobre o Ensino Superior no Brasil

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Dentro da programação da 77ª Reunião Anual da SBPC, realizada em Recife, na Universidade Federal de Pernambuco, ocorreu em 15 de julho a mesa-redonda “Um olhar sobre o ensino superior no Brasil”, que contou com a participação dos Acadêmicos Aldo Zarbin, Helena Nader e Rodrigo Capaz, além do diretor de  Relações Internacionais da Capes, Rui Oppermann.

Rui Oppermann, Helena Nader, Rodrigo Capaz e Aldo Zarbin | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

O coordenador foi o Acadêmico Aldo Zarbin, professor titular do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde lidera o Grupo de Química de Materiais (GQM).

O painel visava discutir o documento lançado em novembro de 2024 pelo grupo de trabalho (GT) da Academia Brasileira de Ciências, que gerou uma publicação. Esta propõe alternativas para o ensino superior público no Brasil, visando aumentar o número de profissionais de nível superior no país, principalmente em áreas estratégicas. Todos os participantes da mesa integram o GT.

Diversificação e democratização do ensino superior público

O Acadêmico Rodrigo Capaz é doutor em física pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), atuando como professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor do LNNano/CNPEM.

Ele destacou frases super atuais e com demandas urgentes de documentos da ABC sobre educação superior de 2018 e 2004, assim como de um documento de 1998 da UFRJ, assinado por diversos Acadêmicos – e lamentou que, embora a ABC e seus membros se preocupem com esse tema há tanto tempo, pouco do que ela ofereceu foi implementado como política pública.

“É necessário completar a rede de formação para o ensino superior com novas universidades e novas instituições, não necessariamente universitárias. A ausência dessa última alternativa no espaço público é responsável pela proliferação de instituições privadas com objetivo de lucro e de baixa qualidade acadêmica, abrangendo, no entanto, cerca de 75% das matrículas em educação superior.”  – Livro “Repensar o Ensino Superior Brasileiro” (ABC, 2018)

“O país precisa de um universo diversificado de IFES com missões distintas e claramente formuladas. Um tipo de instituição a ser considerado é um análogo dos community colleges norte-americanos, com cursos de dois anos.” – Livro “Subsídios para a Reforma do Ensino Superior” (ABC, 2004)

“Dada a grande diversidade regional em nosso país e a grande variedade de papéis cumpridos pelo ensino do terceiro grau, há espaço para uma pluralidade de modelos diversos.”  (Manifesto de Angra, 1998)

Para apoiar as propostas do GT, Rodrigo Capaz apresentou um diagnóstico que, em poucas palavras, mostram que apenas 23% da população brasileira entre 25 e 34 anos tem curso superior e que, em 2022, apenas 22% dos alunos matriculados estavam em universidades públicas. Ou seja, a maior parte dos estudantes estão em universidades privadas.

Assim, apenas 5% dos jovens brasileiros cursam hoje o ensino superior público. E por quê? Porque é um sistema elitizado, mesmo com as cotas, Prouni e Reuni. Realmente, oferecem um ensino superior de qualidade, mas exige uma formação básica que a escola pública não tem conseguido garantir, e por isso não prepara o estudante para fazer o vestibular.O ensino a distância e os cursos noturnos, oferecidos basicamente pelas universidades privadas, já ultrapassaram o número de alunos matriculados em cursos presenciais, assim como no ensino diurno.

Por conta de tudo isso, o que se vê é que 25% das vagas no ensino superior público não são preenchidas e uma vertiginosa queda na procura pelo ENEM. Ora, olhando pelo mundo afora, vê-se que a massificação do ensino superior público NÃO é feita em universidades de pesquisa, que têm alto custo por aluno e correspondem às nossas federais e estaduais, que trazem em sua base o tripé indissociável do ensino, pesquisa e extensão.

Então, o diagnóstico está feito. E quais seriam as propostas de solução?

O EaD e os cursos presenciais noturnos são demandas da sociedade que precisam ser atendidas. Os cursos tecnológicos, com dois anos de duração e alta empregabilidade, também. “É um sistema que oferece diversidade, agilidade, flexibilidade e mobilidade”, apontou Capaz.

O ensino a distância é um caminho necessário. Requer a qualificação de professores, mas ainda assim sai muito mais barato. “O que não temos ainda no Brasil é o correspondente às comunity colleges existentes na Califórnia, por exemplo, que abarcam 54% dos estudantes. Depois de dois anos de curso, os jovens podem escolher ir para o mercado de trabalho ou continuar nas grandes universidades, para concluir um bacharelado ou licenciatura em mais dois ou três anos”, relatou o Acadêmico.

As recomendações do GT podem ser resumidas em três pontos:

> recuperação da infraestrutura das universidades existente e combate à evasão, com mudanças didáticas, como maior flexibilidade de horários do regime presencial e adoção de mecanismos de EaD complementar, assim como o aumento dos recursos destinados à assistência estudantil.

> qualificação e ampliação da oferta de EaD público, que é um instrumento poderoso de expansão do ensino, possibilitando atendimento a estudantes em localidades de difícil acesso ao ensino presencial e/ou com pouca disponibilidade de horários

> criação de um novo tipo de instituição e reorganização do sistema de ensino superior federal (universidades federais, institutos federais e Cefet’s)

Mas como começar? A proposta da ABC é a criação de um GT dentro do Ministério da Educação (MEC), para aprofundar e detalhar essa ideia nos seus aspectos didáticos, econômicos e de governança e, em seguida, partir para um projeto-piloto. “Esperamos que dessa vez a mudança aconteça e não seja necessário que, daqui a dez anos, a ABC precise fazer um outro grupo de trabalho sobre o mesmo tema”, concluiu Capaz.

Janela demográfica e inovação

Helena Nader | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

A presidente da ABC, Helena Nader, é biomédica, professora e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É ex-presidente da SBPC e uma das vozes maia atuantes em ciência, tecnologia, inovação e educação no país.

Sobre o novo modelo de universidade proposto por Rodrigo Capaz, Helena apontou a Universidade Federal do ABC, que foi criada com participação do Acadêmico Luiz Bevilacqua, seu primeiro reitor.  “É um caso de sucesso, o projeto-piloto está lá.”

A presidente da ABC ressaltou sua preocupação com a janela demográfica do país. “Temos apenas 20 anos pela frente com mais jovens do que velhos. Depois, ficaremos só com velhos dependendo da previdência. Isso está acontecendo no mundo todo, menos nos países asiáticos e na Índia”, apontou. “Vamos estar num mundo que vai estar vendendo inovação e não vamos estar nem consumindo.”

A inovação, que depende da ciência básica, foi destacada por Nader, com o exemplo da China. “Estive na China recentemente, visitando diversas instituições de pesquisa. Eles já têm a ciência, mas continuam fazendo, para continuar à frente. O foco deles maior agora é a aplicação, a inovação. É o desafio à criatividade dos jovens pesquisadores. Não é à tôa que tudo que a gente compra hoje vem da China”.

Helena destacou um aspecto muito importante que observou no país asiático. “Eles não fizeram uma coisa para depois fazer outra e mais adiante ainda uma seguinte. Fizeram tudo ao mesmo tempo. Muda-se o ensino superior e também o básico. Investe-se em ciência básica e também em ciência aplicada.” O famoso “tudo junto ao mesmo tempo agora”.

O Brasil deu uma melhorada na inovação – em 2015 estava em 70º lugar no mapa global de inovação em e2024 estava em 50º.  Está, portanto, ainda bastante mal posicionado nesse aspecto. “Se olharmos os nossos índices, o que temos de positivo em inovação é feito na Vale, na Petrobras e em outras empresas que começaram pequenas, familiares, como a WEG.”  E quais são as outras maiores empresas brasileiras? Os bancos. “Não tem como dar certo assim. Precisamos de inovação produtiva na indústria brasileira, para que se consiga sofisticar nossas exportações, hoje concentrada em commodities”.

Helena é objetiva: para promover mudanças na economia brasileira é preciso promover mudanças na educação da população. A ampliação de pessoas com nível superior e pós-graduação precisa crescer exponencialmente. É preciso formar uma cultura de inovação tecnológica e social nas universidades de pesquisa brasileiras, cuja estrutura gerencial e burocrática dificulta – ou mesmo impede – inovações no sistema de ensino, tendo pouca autonomia para reverter este quadro.

Até agora, o que se tem visto, de acordo com a cientista, é que spin-offs [empresas surgidas dentro das universidades] têm sido a forma mais eficiente de transferência de conhecimento, tecnologia e inovação das universidades para o setor empresarial e de produção de bens e serviços.

E para formar recursos humanos comprometidos com o desenvolvimento científico e tecnológico sustentável, a proposta do GT da ABC é de criação dos Centros de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (CFAEs). Estes teriam cursos inter e multidisciplinares, o que possibilitaria alcançar a formação desejada, nas áreas de tecnologias sociais, bioeconomia, agricultura, transição energética, saúde e bem-estar, transformação digital e IA, materiais avançados e tecnologias quânticas. “Assim teremos projetos estruturantes, com produtos tecnológicos e start-ups.”

As propostas do  projeto pedagógico do CFAES envolvem maior flexibilidade, mobilidade e diversidade de opções de percurso acadêmico e horários para os alunos; menos tempo em sala de aula, em turnos reduzidos (manhã, tarde ou noite), propiciando mais tempo livre para estudo e outras atividades (trabalho, estágio etc); evitar a especialização e escolha precoce do curso de graduação; incorporar aspectos de EaD e novas tecnologias, porém mantendo a qualidade e o regime predominantemente presencial.

Helena Nader considera importante esclarecer que a proposta da ABC reafirma que todas as universidades federais já existentes devem ser devidamente fomentadas como universidades de pesquisa e modernizadas, para fortalecer o ecossistema de ciência, tecnologia e inovação. As novas instituições representariam uma forma de expansão do sistema pós-secundário.

Aldo Zarbin, o mediador, fez uma observação fundamental: “A proposta do grupo de trabalho da ABC foi encaminhada ao governo mais de uma vez, foram solicitadas audiências, mas não tivemos retorno. Amanhã o ministro estará aqui. Vamos lhe dar o livro novamente”.

Helena Nader frisou que não está se propondo tirar nada das universidades federais nem dos institutos federais. A ideia é criar uma coisa nova com outros recursos”. Mas se o governo diz que não tem recursos nem para manter as instituições já existentes, como vai ter para mais? A proposta pessoal de Helena – que deixa claro que essa é a posição dela, não da ABC – é simples: taxar os bancos para fazer um fundo para educação.

Sistema de pós-graduação deve mudar padrão de mobilidade para cooperação

O diretor de Relações Internacionais da Capes, Rui Oppermann, que não integrou o GT da ABC sobre o tema da mesa, olhou o ensino superior brasileiro do ponto de vista da pós-graduação. Ele relatou que o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) é hoje um sistema robusto, com presença em todo território nacional. “Porém, ainda lidamos com padrões de qualidade, internacionalização e interação com a sociedade bastante diversos”, lamentou.

Assim, o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2025-2029 aborda os principais desafios que precisam ser enfrentados hoje, dentre os quais o combate às assimetrias regionais, a promoção da mobilidade intranacional, a avaliação multidimensional da pós-graduação, a importância das políticas de equidade e diversidade na pós-graduação, a garantia de fomento ininterrupto e as relações com o setor produtivo não acadêmico  com a sociedade, a maior internacionalização e visibilidade global da ciência brasileira, a pesquisa institucionalizada, a inovação e a interação entre a pós-graduação e a educação básica, que pretende qualificar ainda mais a formação inicial e continuada dos profissionais envolvidos com esta importante etapa educacional.

Oppermann observou que nem sempre orçamento significa investimento, transformação e desenvolvimento. “Para se investir bem, é preciso um plano de desenvolvimento que dialogue com os atores acadêmicos e sociais nacionais e estrangeiros”, disse o diretor da Capes.

Embora o número de cursos e programas tenha aumentado significativamente nas duas últimas décadas, ainda há forte assimetria nacional na oferta de cursos e programas e o país não tem ainda a completa capacidade instalada para formar o número de mestres e doutores necessários e o correspondente sequer ao que existe como média dos países da OCDE. “A diminuição das assimetrias regionais é um processo lento, que depende entre outros fatores de fomento, fixação de pessoal, condições de trabalho e parcerias”, afirmou Oppermann.

Ele ressaltou que a principal característica da internacionalização da PG tem sido a mobilidade para o exterior. Para Oppermann, esse padrão não se justifica mais porque temos uma produção científica substancial e em temas estratégicos globalmente. “Precisamos promover a internacionalização institucional estratégica, produzir conhecimento voltado para o desenvolvimento sustentável, trocando mobilidade  por cooperação, especialmente com países do Sul Global”, concluiu o especialista.

 

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(Elisa Oswaldo-Cruz para ABC, 17 de julho de 2025 | Fotos: Jardel Rodrigues/SBPC)