Na etapa final de sua missão à China, a delegação da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
percorreu três cidades que condensam a essência de um país que transformou ciência, tecnologia
e educação nos alicerces de sua soberania, de sua força econômica e de uma qualidade de vida
perceptível em cada rua limpa, em cada laboratório vibrante, em cada jovem cientista motivado:
Shanghai, Hangzhou e Sanya.
Em Shanghai, a delegação testemunhou um ecossistema científico que funciona como motor de
inovação contínua. Centros de pesquisa de altíssima complexidade abrigam laboratórios de
fronteira, onde equipes multidisciplinares, formadas por especialistas de diferentes gerações,
trabalham lado a lado para enfrentar problemas globais, como doenças emergentes, transição
energética e novas tecnologias de materiais. A infraestrutura não é apenas moderna: é pensada
para evoluir continuamente, alimentada por investimento estável, políticas de longo prazo e uma
cultura que valoriza a curiosidade científica como motor de desenvolvimento nacional.
Em Hangzhou, o Hangzhou Institute of Medicine ofereceu uma das imagens mais marcantes
desta etapa: prédios recém-inaugurados, corredores cheios de jovens doutores e pós-doutores,
muitos formados nos maiores centros de excelência da Europa, Estados Unidos e Japão, agora de
volta para impulsionar a ciência de ponta com identidade e prioridade nacionais. É uma geração
que alia formação internacional à decisão de construir soluções locais, sob um mesmo teto com
equipamentos de última geração, acesso pleno a insumos e liberdade para ousar.
A visita a Sanya, no extremo sul do país, incluía o Institute of Deep-Sea Science and
Engineering, parte da poderosa rede da Chinese Academy of Sciences (CAS). Porém, o furacão Wutip
forçou o cancelamento da visita, e deixou uma lição inesquecível: resiliência não é discurso
político ou de marketing, mas resultado de planejamento detalhado, respaldo técnico e confiança
em dados. Durante a tempestade, mesmo sob ventos violentos e chuvas constantes, não houve
interrupção de energia, comunicação, abastecimento de água ou transporte básico. A drenagem
urbana operou em ritmo exemplar, escoando rapidamente volumes que paralisariam cidades
inteiras em muitos outros países. Foi uma demonstração de como a aplicação de conhecimento
científico em infraestrutura protege vidas, mesmo nas condições mais adversas.
Cada integrante da missão destacou aspectos que se entrelaçam para revelar o mosaico do
sucesso chinês. Wanderley de Souza chamou atenção para a criação de centros de pesquisa
robustos, com autonomia para desenvolver soluções e fabricar componentes de alta
complexidade em oficinas próprias, como observado no síncrotron de quarta geração. Jailson de
Andrade, que conhece de perto as batalhas para erguer uma universidade de excelência no Brasil,
caso do Senai-Cimatec, na Bahia, observou com admiração como uma decisão de Estado pode
materializar, em apenas cinco anos, uma instituição de altíssimo nível, equipada, funcional e
plenamente inserida em redes globais de pesquisa.
Para Vivian Costa, ficou evidente a força do ciclo de formação: jovens talentos são preparados
com rigor em centros de excelência estrangeiros e retornam, não como “cérebros exportados”,
mas como líderes de grupos de pesquisa, multiplicadores de conhecimento e motores de
inovação local. Marcos Cortesão complementou ao descrever uma sociedade que exibe com naturalidade o que significa ter uma economia pujante que devolve à população ruas seguras,
serviços públicos funcionando e oportunidades para todos.
Glaucius Oliva, por sua vez, destacou um contraste gritante para quem conhece de perto a
realidade latino-americana: enquanto a China opera mais de uma centena de crio-microscópios
eletrônicos de última geração para pesquisas de altíssimo impacto na biologia estrutural, toda a
América Latina conta com apenas três – e alguns ainda enfrentam obstáculos técnicos. A
diferença não se resume a números de máquinas, mas ao volume e à qualidade da produção
científica, cada vez mais presente nos principais periódicos do mundo, como Science, Nature e
Cell.
Para Helena Nader, presidente da ABC e líder desta missão, a conclusão é cristalina: “Investir
em ciência não é um luxo nem um gasto: é a chave para garantir qualidade de vida,
desenvolvimento justo e soberania. E só funciona quando é decisão de Estado, contínua, estável,
imune a humores políticos e a mudanças de governo.”
O contraste que a missão revela é desconcertante, mas também inspirador. O Brasil tem tudo
para caminhar na mesma direção: uma comunidade científica reconhecida, biodiversidade
invejável, talentos brilhantes espalhados por universidades, institutos e laboratórios de ponta,
muitas vezes produzindo ciência de alto nível mesmo com poucos recursos e muita burocracia.
Falta-nos, porém, um pacto de longo prazo, que entenda que educação, ciência e tecnologia não
são gastos, são investimento estratégico, estrutura de autonomia, prosperidade e justiça social
para as próximas gerações.
No fim de cada encontro, cada visita, cada jovem pesquisador que divide seu entusiasmo com os
brasileiros, ressoa uma pergunta que não quer calar: por que não nós? Quando teremos coragem
de fazer da ciência a nossa prioridade real, não apenas em discursos, mas em orçamentos,
políticas estáveis e visão de país? A delegação da ABC volta da China carregando um alerta
poderoso: o futuro não se espera – constrói-se todos os dias, em cada laboratório, em cada sala
de aula, em cada decisão de governo. Ou o Brasil escolhe viver o futuro, ou continuará a exportá-lo, a cada talento que se perde, a cada oportunidade que se adia e a cada recurso valioso que sai
do país sem transformação em conhecimento e inovação.