A missão da Academia Brasileira de Ciências (ABC) à China, ainda em curso, já nos oferece elementos suficientes para uma reflexão profunda, não apenas sobre os caminhos da ciência e tecnologia em escala global, mas também sobre as decisões que o Brasil precisa tomar com urgência para garantir um futuro minimamente sustentável, soberano e justo para sua população. A delegação da ABC para esta missão é chefiada pela presidente Helena Nader e composta por Jailson de Andrade, Adalberto Val, Glaucius Oliva, Wanderley de Souza, Vivian Costa e Marcos Cortesão.
Entre as diversas instituições visitadas, o Institute of High Energy Physics (IHEP), ligado à Academia Chinesa de Ciências, impressiona por sua escala, ambição e, sobretudo, coerência estratégica. Em Huairou, nos arredores de Beijing, testemunhamos a construção de uma infraestrutura altamente sofisticada, concebida para abrigar um novo síncrotron de quarta geração, com equipamentos complexos sendo fabricados localmente, por engenheiros e técnicos chineses. Não se trata de uma exceção. É parte de uma política nacional de longo prazo, executada com seriedade, disciplina e visão de Estado.
A China escolheu seu caminho há algumas décadas. Decidiu investir intensamente em educação, ciência e inovação tecnológica como pilares de seu desenvolvimento. E não mais depende de transferência tecnológica passiva ou de contratos desequilibrados com potências estrangeiras. Ao contrário: é hoje um dos países que mais depositam patentes no mundo, lidera diversas frentes da chamada “nova economia do conhecimento” e está rapidamente consolidando sua presença como maior potência científica global. O país não apenas acompanha seu tempo: está à frente dele. E, talvez mais desconcertante: está à frente do tempo de muitos dos países mais ricos do planeta.
Para nós, brasileiros, a lição é direta e desconfortável. Seguimos, ainda hoje, prisioneiros de um modelo de inserção internacional ancorado na exportação de commodities frágeis, que se baseiam no uso intensivo da terra, da água, da biodiversidade e da força de trabalho mal remunerada. Exportamos grãos, carne, minérios, produtos que pouco incorporam conhecimento, tecnologia ou valor agregado. Em contrapartida, importamos bens de alta complexidade, muitas vezes criados com matérias-primas extraídas do próprio território nacional.
Esse ciclo extrativista não é apenas economicamente vulnerável. Ele impede a construção de um projeto de país. Ele priva o Brasil da possibilidade de se posicionar com autonomia num mundo cada vez mais disputado, onde ciência e tecnologia são os principais vetores de soberania.
É preciso dizer com todas as letras: não há projeto de desenvolvimento sustentável sem investimento maciço e consistente em educação pública de qualidade, ciência e inovação tecnológica. Essa tríade precisa deixar de ser retórica para se tornar prática. O que vimos na China é o resultado de décadas de continuidade institucional, financiamento adequado, valorização da carreira científica e, sobretudo, de uma postura nacional que reconhece o conhecimento como fundamento do futuro.
A China não chegou onde está por acaso. E sua transformação não se resume apenas ao avanço científico e tecnológico. Ela também se reflete na eliminação da pobreza extrema, em amplos progressos no acesso à saúde pública e em uma expansão vigorosa da educação de qualidade, em todos os níveis. Trata-se de uma aposta integrada em conhecimento, bem-estar e inclusão, pilares indissociáveis de qualquer projeto nacional que almeje justiça social e sustentabilidade de longo prazo.
O Brasil, apesar de todas as dificuldades, tem ativos extraordinários. Temos instituições científicas respeitadas, um corpo de pesquisadores reconhecido internacionalmente, e uma das maiores biodiversidades do planeta. Mas falta-nos vontade política estável, visão de longo prazo e uma estrutura de governança que entenda que ciência não é custo – é investimento estratégico.
A visita da ABC à China não deve ser vista apenas como uma oportunidade de cooperação acadêmica, mas como uma convocação à mudança de postura. Precisamos reverter a lógica de curto prazo que tem predominado em nossas políticas públicas. O que se investe hoje em educação, ciência e tecnologia não terá retorno imediato, mas decidirá quem seremos como nação em duas ou três décadas.
A China não chegou onde está por acaso. O Brasil tampouco está onde está por acaso. O futuro, ao contrário do que se costuma dizer, não é um destino: é uma construção. E a pergunta que fica, ao fim de cada visita que fazemos nesta missão, é inevitável: seremos capazes de construir o nosso futuro?