Na tarde de 7 de maio foi realizada, durante a Reunião Magna da ABC 2025, a 2ª Sessão Especial de Membros Afiliados. Essa é uma categoria de membros criada em 2008, pelo então presidente Jacob Palis, que contempla jovens cientistas de excelência de todo o país eleitos por região para se tornarem membros da ABC por cinco anos.

Os temas abordados nessa sessão, coordenada pela Acadêmica Aurora Miho Yanai Nascimento e pelo Acadêmico Pedro Tupã Pandava Aum, foram AMAZÔNIA NO FUTURO, DIVERSIDADE CULTURAL e INFRAESTRUTURA.
Contextualização da sessão
Aurora Yanai é engenheira florestal, doutora pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), docente colaboradora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com atuação em modelagem espacial do uso da terra e desmatamento na Amazônia. Ela desenvolve pesquisas sobre impactos de infraestrutura, áreas protegidas e ocupações ilegais. Foi eleita afiliada da Academia Brasileira de Ciências para o período 2024-2028.
Apresentando a sessão, Yanai afirmou que refletir sobre o futuro na Amazônia é pensar em ações que promovam o desenvolvimento, mas também protejam a floresta e as populações que nela vivem. “Entretanto, o cenário atual que vivemos é preocupante. O desmatamento e a degradação florestal continuam a avançar, impulsionados pelo avanço da fronteira agropecuária, exploração madeireira predatória, mineração e incêndios florestais”, ressaltou. Esses fatores afetam diretamente a biodiversidade e as populações que dependem da floresta em pé, de acordo com a Acadêmica. “Além disso, as secas extremas dos últimos anos mostram que ainda caminhamos lentamente no enfrentamento da mudança climática”, alertou.
A expansão da fronteira agropecuária na região conhecida como a MACRO (sigla para Amazonas, Acre e Rondônia) aliada a projetos de infraestrutura que propõem a reconstrução de rodovias, como a BR-319, e a construção de estradas laterais que podem ser conectadas a ela em áreas extremamente vulneráveis ao desmatamento, irá favorecer a grilagem de terras e conflitos fundiários entre invasores e populações indígenas e ribeirinhos.
“Portanto, decisões importantes para o futuro da Amazônia devem abranger a destinação dessas áreas, desses remanescentes florestais, para a conservação ambiental. Além disso, destaco que temos muito a aprender com os povos indígenas, comunidades tradicionais e ribeirinhos. Eles mantêm uma relação equilibrada e respeitosa com seu território e a floresta”, destacou a .
Pedro Tupã Aum é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) em ciência e engenharia de petróleo. Pesquisa escoamento em meios porosos com foco em caracterização de fluidos e simulações numéricas. Atuou por nove anos na indústria do petróleo e foi eleito membro afiliado da ABC para o período 2024-2028.
Ele se apresentou, destacando que é professor do curso de Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo, no campus de Salinópolis, no Pará. “Este campus foi idealizado para atender à demanda de recursos humanos para essa possível exploração na Foz do Amazonas, na região que vai desde o Rio Grande do Norte até o Amapá”, informou o Acadêmico.
“É claro que precisamos de energia, precisamos de alimentos, pois as nossas cidades continuam crescendo e precisamos encontrar soluções para isso. Mas não dá para discutir a exploração de petróleo excluindo a diversidade cultural, sem entender como se vai desenvolver a infraestrutura necessária para o desenvolvimento industrial. São coisas indissociáveis”, afirmou o Acadêmico
Ele apontou que a reunião promovida pela ABC conseguiu colocar as diferentes frentes envolvidas no desenvolvimento para dialogar, considerando o meio ambiente, a diversidade cultural e as estratégias de infraestrutura que precisam ser encaradas. “Precisamos pensar para que as soluções sejam de fato efetivas e considerem a vontade do povo”, destacou Pedro Aum.
Amazônia no Futuro

A primeira apresentação foi da engenheira agrônoma Sonaira Souza da Silva, professora da Universidade Federal do Acre (UFAC), onde atua como orientadora no mestrado em ciências ambientais e coordena o Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGAMA). Ela desenvolve análises espaciais do uso da terra, de queimadas e incêndios florestais na Amazônia, sendo colaboradora do Science Panel for the Amazon (SPA). É membra titular da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas e foi eleita membra afiliada da ABC para o período de 2024 a 2028.
“Eu nasci no Acre, moro no Acre, trabalho no Acre, então fico bem feliz de estudar a minha própria realidade e, principalmente, poder dizer aqui que a educação transforma vidas”, disse Sonaira. Ela contou que foi mãe adolescente, que é a realidade de muitas meninas no Brasil, mas que por ter pais que acreditam em educação teve a ajuda necessária para que pudesse cursar o ensino superior – e hoje ela é professora na universidade onde se formou.
Partindo da realidade local, do Acre, ela extrapolou suas percepções para outras regiões amazônicas. Sonaira destacou que seu grupo de pesquisa busca pensar sobre os desafios socioambientais sem fronteiras, pensar a Amazônia por uma perspectiva integrada, com uma visão multiescala e multinível. “O que acontece no território precisa ser escutado pelas pessoas que estão criando políticas em Brasília e em outros lugares. E o que acontece em outros países também afeta a nossa realidade, vemos isso com as mudanças climáticas.”
A compreensão sobre os dados de desmatamento, por exemplo, precisa ser aprofundada. Embora no panorama geral o Acre tenha somente 17% de desmatamento, existem alguns municípios em que o desmatamento já ultrapassou 70% do seu território. E isso provoca desafios gritantes para essas comunidades. “É fundamental compreender que os problemas ambientais não existem de forma isolada”, afirmou a engenheira, explicando que seus efeitos estão intimamente relacionados a perdas econômicas, perdas culturais, migração de pessoas, relações políticas, corrupção, drogas, violência.
Enfim, quando se olha para a Amazônia hoje, infelizmente, o que se vê é um cenário de intensificação de desmatamento, degradação, eventos extremos e abandono das políticas públicas. “Estamos falando de ausência do Estado em vários territórios que já sofrem do aumento da pobreza, aumento da migração, aumento da insegurança alimentar e da violência”, ressaltou.
Para Sonaira, é muito importante reconhecer que estamos num momento muito crítico. “O cuidado que a Amazônia requer não pode ficar no nível de discursos bonitos. Ele precisa ser um compromisso político, científico, social, institucional – e precisa partir da escuta das pessoas que vivem lá. Porque não adianta mais se criar soluções para a Amazônia que não sejam feitas com a Amazônia. Não dá para continuar pensando que é possível salvar a floresta sem pensar nas pessoas que vivem nela”, apontou.
Sonaira contou que cresceu escutando que a floresta era um problema, porque não permitia desenvolver, não permitia plantar. “Mas hoje o que a gente vê é que está sendo incentivado um sistema que é destrutivo, tanto para a floresta quanto para as pessoas. Precisamos de mudanças. Não adianta mais continuarmos reproduzindo os mesmos sistemas e esperando resultados diferentes”, afirmou a Acadêmica.
Em suas pesquisas, a engenheira verifica a existência de muita tecnologia sendo produzida na região amazônica, muitos dados sendo gerados, muitas iniciativas sendo promovidas – só que não existe interligação entre elas. Então, Sonaira afirma que é importante pensar a Amazônia também por meio da integração de saberes: saberes tradicionais, saberes científicos, saberes locais, saberes políticos e institucionais — todos precisam estar conectados para se conseguir soluções que sejam de fato efetivas.
A recomendação de Sonaira daSilva, portanto, é de se transformar conhecimento em ação. “Que a ciência não seja só uma forma de produzir dados, mas uma forma de transformar realidades. E que se consiga fazer isso de forma conjunta. Porque a Amazônia é dos amazônidas, é do Brasil, é do mundo. Mas ela precisa, primeiro, ser respeitada por quem está aqui.”
Diversidade cultural

Professor visitante da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), onde fez seu doutorado em antropologia social João Paulo Lima Barreto é indígena do povo Yepamahsã (Tukano), tendo nascido na aldeia São Domingos, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). e Foi premiado pela Capes pela melhor tese de doutorado na área de antropologia e arqueologia de 2022. Coordena o Fórum Povos da Rede Unida. É membro do Science Panel for the Amazon (Painel Científico para a Amazônia), do Comitê Científico SoU_Ciência, da – Organización del Tratado de Cooperación Amazônica (OTCA).
Ele enfrentou um dos típicos desafios da Amazônia. Estava em São Gabriel da Cachoeira, viajou para Manaus e lá foi surpreendido por uma chuva torrencial que não permitiu o embarque dos passageiros o Rio de Janeiro. Então, como são poucos os voos, ele acabou impedido de estar no evento. Assim, a pedidos, Aurora Yanai apresentou o material enviado por ele. A engenheira florestal destacou que a mensagem do antropólogo era importante e valia a pena ser compartilhada.

Yanai contou que para o povo Tukano, o mundo terrestre é organizado em três grandes espaços: o terrestre, o florestal e o aquático — que inclui igarapés, rios, lagos — e também o aéreo. Esses grandes espaços são compostos por espaços menores, que podem ser interpretados como ambientes. Esses ambientes são considerados casas de Waimhsã — as moradas dos humanos, sob outras condições. “Os humanos são responsáveis pelas residências e pelo cuidado com tudo o que existe naqueles ambientes e territórios”, explicou a Acadêmica.
A convivência entre humanos e waimahsã se dá por uma complexa rede de cuidados, comunicação, reciprocidade, na troca ética e no cuidado mútuo. Desrespeitar os seres waimahsã que habitam a floresta, a terra, os rios — caçar e pescar sem pedir licença, retirar coisas sem permissão, desmatar ou poluir os rios — é romper o pacto de convivência e colocar a comunidade em risco. “A violação dessas relações pode provocar desequilíbrios que se manifestam como doenças, escassez, temporais intensos, enchentes exageradas de rios e conflitos”, explicou Yanai.
Em tempos de destruição ambiental, é interessante observar que as concepções indígenas não medem em números ou metas de carbono a possibilidade de manter a sustentabilidade, mas na qualidade das relações entre os seres. “A sustentabilidade, para os Tukanos, não se refere apenas ao equilíbrio econômico e ecológico nos moldes ocidentais, mas a um modo de vida relacional, ético e de reciprocidade, profundamente conectado com todos os seres que habitam a floresta, a terra e os rios”, completou Aurora Yanai, em nome de João Paulo Tukano.
Infraestrutura

A convidada para tratar do tema foi Claudia Cristina Auler do Amaral Santos, professora do curso de engenharia de alimentos e membro do corpo permanente dos Programas de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos e em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (Profnit), ambos da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Ela coordena o Laboratório de Microbiologia de Alimentos (LMA) e é diretora de Inovação e Transferência de Tecnologia da Agência de Inovação da UFT, a Inovato. Atua nas áreas de microbiologia de alimentos, bioprospecção de microrganismos da Amazônia e do Cerrado para aplicações industriais, além de gestão da inovação e propriedade intelectual.
Agradecendo o convite para integrar a Reunião Magna da ABC 2025, Claudia Auler considerou um desafio muito interessante tratar da infraestrutura científica, educacional e tecnológica da região amazônica numa perspectiva de futuro.
“Quando falamos da Amazônia no Brasil, há dois contextos que se sobrepõem. Existe o bioma Amazônia, que cobre quase metade do território brasileiro, conhecido por sua rica biodiversidade, e existe o conceito político-administrativo de Amazônia Legal, criado em 1966 com a implementação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam)”, explicou Claudia.
A Amazônia Legal é, portanto, um desafio federativo, de acordo com a palestrante. A Lei Complementar 124 de 2007 traz diretrizes para a criação e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à conservação ambiental, mas também ao desenvolvimento sustentável e à inclusão produtiva.
Para compreendermos a distância entre o que é preciso e o que de fato se tem, Claudia Auler apresentou alguns dados da infraestrutura educacional, por exemplo, no ensino superior. “Na região amazônica, temos apenas 8,3% de todas as matrículas no ensino superior do Brasil — é a menor proporção nacional. Esse problema se agrava ainda mais na pós-graduação. A região Norte conta com 349 programas de pós-graduação, de um total de mais de 4.700 programas no Brasil, o que representa apenas 7,3%. O Sudeste tem sete vezes mais programas que a região Norte”, apontou.
Embora seja consenso que a educação é o início da caminhada para o futuro, é a base da sociedade, na Amazônia algumas escolas não têm nem portas instaladas, que dirá infraestrutura que proporcione conectividade e inclusão digital, segundo a engenheira. Cerca de 64% das escolas possuem acesso à internet, muitas vezes via 3G ou 4G, o que gera instabilidade. Somente 24% dessas escolas oferecem esse acesso para fins educacionais aos alunos. Destes, apenas 38,3% possuem computadores e 23,8% têm notebooks. “Isso revela não apenas um problema estrutural, mas uma injustiça social — uma exclusão digital dos povos amazônicos”, ressaltou Auler.
A infraestrutura está concentrada nas capitais. Ainda assim, o déficit de infraestrutura laboratorial é crônico. Muitos laboratórios estão sucateados, com manutenção precária. Faltam condições para instalação de equipamentos, faltam técnicos qualificados, faltam empresas de manutenção. Os equipamentos tornam-se obsoletos antes mesmo de serem usados. Claúdia relatou que “em algumas universidades, há dificuldade até para manter uma geladeira funcionando.”
A ciência aplicada também enfrenta desafios. “Temos uma academia muitas vezes desconectada do setor produtivo, em parte porque os Núcleos de Inovação Tecnológica, os NITs, previstos na Lei da Inovação [Lei 10.973/2004], estão em grande parte inoperantes ou subdimensionados”, declarou a palestrante. Mais de 75% dos NITs amazônicos funcionam com apenas uma ou duas pessoas, ou nem estão estruturados. Isso resulta em baixa produção de patentes: apenas 3% das patentes depositadas no Brasil vêm de instituições amazônicas.
Além disso, só há um parque tecnológico na região amazônica: o Parque Científico e Tecnológico do Guamá, em Belém do Pará. As Unidades Embrapii também são escassas: das 93 unidades no Brasil, apenas seis estão na Amazônia (Tocantins, Amazonas e Pará).
A logística precária é outro desafio. Cerca de 70% dos municípios da Amazônia têm difícil acesso, o que encarece deslocamentos, inviabiliza eventos científicos e dificulta a cooperação regional. “Ir de um estado amazônico a outro muitas vezes custa mais e demora mais do que ir ao Sudeste”, conta a engenheira.
O financiamento da ciência na Amazônia também é intermitente. Entre 2015 e 2021, houve queda de cerca de 60% no investimento em ciência, tecnologia e inovação na região. “Só a partir de 2023 é que vimos novos editais voltados à Amazônia Legal — da Finep, da Capes, do CNPq, da Confap”, relatou. Há programas como o Centelha, da Finep, e o Inova Amazônia, do Sebrae, aproximando universidades e empresas. Ainda assim, apenas 3% dos projetos contemplados com recursos CNPq/Finep com cooperação internacional têm entre seus proponentes principais instituições amazônicas. “Isso revela a invisibilidade da nossa pesquisa”, afirmou Claudia.
O resultado é a fuga de cérebros. Estima-se que somente 5% dos doutores formados na região permanecem nela após cinco anos. Na visão de Claudia Auler, “a ciência, em vez de transformar o território, vira uma ponte de saída. A Amazônia exporta talentos e precisa importar soluções tecnológicas.”
Mas a engenheira vê caminhos possíveis. Ela cita a sua universidade, a Federal do Tocantins (UFT). “A UFT tem um NIT forte, que apoia pesquisadores, protege conhecimento e promove transferência de tecnologia (TT). Somos uma das poucas universidades do Norte com processos de TT ativos”, relata. A UFT também abriga uma Unidade Embrapii de Bioindústria e Bioinsumos, aprovada em edital voltado à bioeconomia. “E, mais recentemente, aprovamos o Parque de Empreendedorismo, Qualidade Socioambiental e Inovação Tecnológica (PEQI), com cerca de R$ 15 milhões da Finep, a ser implementado nos próximos anos”, contou a pesquisadora.
Existem outras oportunidades promissoras, como o Plano Nacional de Infraestrutura Científica para a Amazônia (Pro-Amazônia), com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento CIentífico e Tecnológico (FNDCT), voltado à modernização de laboratórios e centros de pesquisa.
Outro exemplo é o Amazônia+10, uma iniciativa da Finep e do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), que fomenta pesquisas aplicadas às realidades amazônicas, valorizando saberes tradicionais e fortalecendo redes regionais.
É também urgente, de acordo com Claudia, investir na formação técnica e superior com identidade amazônica. “Precisamos de currículos que respeitem os territórios, que valorizem as sociedades locais e formem profissionais comprometidos com a transformação da região”, apontou. Essa é uma estratégia de soberania científica e tecnológica, a seu ver. “Não é só superar assimetrias: é fazer da Amazônia uma protagonista da ciência brasileira. Porque, infelizmente, hoje a Amazônia ainda é tratada como periferia”, pontuou.
Em resumo, a região amazônica tem urgência de uma visão estratégica governamental, com investimento contínuo, não intermitente, com estímulo a uma ciência enraizada na identidade territorial, feita por e para os amazônidas – enfim, precisa de infraestrutura científica, tecnológica e educacional. “Isso não é luxo — é alicerce para qualquer transformação”, afirmou Claudia Auler.