O interesse do matemático João Vitor da Silva pela ciência começou cedo. O novo afiliado da Academia Brasileira de Ciências adorava os experimentos mirabolantes do seriado de TV dos anos 90 “O Mundo de Beakman” e aprendia conceitos básicos da física, química e biologia. Talvez por isso, se destacava nessas matérias na escola, mas nutria um gosto especial mesmo pela geometria. Outra parte de sua rotina era ajudar o pai no açougue, onde tinha a oportunidade de afiar sua matemática lidando com os números das pesagens e do dinheiro.

Assim, quando chegou a hora do vestibular, João Vitor não teve dúvidas e optou pela licenciatura em matemática na Universidade Regional do Cariri (URCA), cujo campus ficava em sua cidade natal, Juazeiro do Norte, no estado do Ceará. A universidade oferecia cursos noturnos, que permitiam conciliar estudos e trabalho. No ensino médio, os professores Wanda, Rosa Maria e Raimundo deram o incentivo fundamental para que o jovem se tornasse o primeiro de sua família a cursar a universidade. Eles abrem a grande lista de agradecimentos aos professores e colegas que João Vitor teve durante a vida. “Foi quase um alinhamento dos astros para que eu fizesse esse curso”, resume.

Durante a faculdade, João não enxergava outro caminho para além da docência no ensino básico. Mas seus horizontes se expandiram graças ao incentivo de novos mestres. “Os professores Mario de Assis, Zelábel Gondim, Bárbara Paula, Carlos Humberto Soares, Carlos Alberto Gomes, Evandro Carlos dos Santos, Liane Mendes e Juscelino Silva abriram meus olhos para a pós-graduação”, conta.

O Acadêmico ainda cursou um ano e meio no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), conciliando com a graduação, onde teve aulas preparatórias para o mestrado. Compartilhar esse desafio com os colegas de classe fez com que esse período não fosse solitário. “Não posso esquecer meus amigos – Chaves, Tiarlos, Fabiano, Rosilda, Emiliano, Cícera, Júnior, Fátima, Assis e Priscila – que fizeram das minhas tardes e noites de estudos muito mais agradáveis e edificantes”.

A entrada no mestrado da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi uma virada de chave em mais de um aspecto. Além da mudança para Fortaleza, que o fez morar longe da família pela primeira vez, João Vitor também sentiu o aumento na dificuldade e na responsabilidade. “A transição para o mestrado foi um salto não trivial pela dificuldade das matérias. A cobrança pela aprovação e os exames obrigatórios geravam uma atmosfera de muita tensão. Mas, graças a muitos amigos, antigos e novos, conseguimos juntos superar mais essa etapa. Sou muito grato a todos eles pela ajuda acadêmica e financeira que me deram”, lembra.

Outro ponto de inflexão foi a escolha de orientador para sua dissertação, quando conheceu o Acadêmico Eduardo Vasconcelos de Oliveira Teixeira, com quem estabeleceria uma parceria que duraria até o doutorado. “Ele tinha recém regressado dos Estados Unidos e era bastante destacado na Teoria de Regularidade e em Problemas de Fronteiras Livres. Ao discutirmos o tema de pesquisa seus olhos brilharam, ele sorriu de cantinho de boca, levantou-se e pegou o livro Minimal Surfaces and Functions of Bounded Variations, de Enrico Giusti. Logo, ele olhou fixamente para mim e disse: ‘gostaria que você dissertasse sobre este assunto’”.

Daquele ponto em diante a Teoria Geométrica da Medida e as questões de Fronteiras Livres estariam presentes em todos os temas de sua carreira, seja como pesquisador ou professor. João Vitor terminou o mestrado e cursou todo o doutorado sob tutela de Eduardo e, por indicação do mesmo, passou um período de quatro anos na Argentina, para o pós-doutorado na Universidade de Buenos Aires com a professora Noemi Wolanski e o professor Julio Rossi. “Nesse período pude expandir meu leque de colaborações e fazer amigos que cultivo até hoje”.

Em 2019, muito em virtude da deterioração econômica argentina, João Vitor voltou, primeiro para um pós-doutorado na Universidade de Brasília (UnB), e depois para se estabelecer como professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Trabalho atualmente com Equações Diferenciais Parciais, onde descrevo o comportamento de soluções em modelos naturais. Uma das aplicações mais simples, por exemplo, é entender o mecanismo por trás do derretimento do gelo em um fluído, como a água ou um suco. Nesse contexto acontece a formação de interfaces, a capa fina entre o gelo e a água, a qual define um processo de transição de fase entre dois meios heterogêneos com temperaturas distintas em cada região. Assim, entender o processo de transição de fase é fundamental na área que se conhece hoje como fronteiras livres e aparece em diversos contextos da física”, explica o Acadêmico sobre sua área de pesquisa.

Agora na ABC, João Vitor afirma que uma de suas prioridades deverá ser a luta pelo orçamento da ciência e por mais investimentos, sobretudo em institutos e programas no interior. Também se preocupa com a atração e manutenção de alunos historicamente excluídos do ensino superior e cita a divulgação científica como uma ferramenta importante de atração de jovens. “Bons divulgadores científicos, como o Marcelo Gleiser, ajudaram a plantar a semente de curiosidade na minha cabeça”, conta.

Por fim, o Acadêmico traz uma mensagem importante, não só para a ciência, mas para qualquer área de atuação. “Ao seguir qualquer carreira, vise-a por satisfação profissional e identificação. Às vezes buscamos uma gratificação financeira a médio prazo e isso poderá gerar muitas frustrações. É essencial trabalhar naquilo que somos apaixonados, salários estratosféricos às vezes não pagam pela sua saúde física e mental”.