Um dos empreendimentos mais grandiosos da astronomia moderna, o supertelescópio do projeto Legacy Survey of Space and Time (LSST) inicia em breve a fase operacional com uma promessa revolucionária: mapear o céu do Hemisfério Sul todas as noites por uma década e disponibilizar as informações para a comunidade científica.

O Brasil fará parte da empreitada internacional inédita de US$ 1 bilhão, ao lado dos EUA, do Chile, que hospeda o observatório, e de 43 grupos de pesquisa internacionais de 28 países. Um acordo de cooperação científica até 2038 acaba de ser assinado pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA) com o SLAC National Accelerator Laboratory, associado da Universidade Stanford, que representa o Departamento de Energia americano.

Este mês, devem começar os testes com a câmera e assim gerar as primeiras imagens do telescópio. A parceria garante a participação de 120 brasileiros no projeto, 80% deles jovens pesquisadores, além de estudantes e técnicos, envolvendo 26 instituições de ensino de 12 estados que formam o Grupo de Participação Brasileiro (BPG – LSST). A titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Thaísa Storchi Bergmann, é vice-coordenadora do grupo brasileiro. Ela explica que o objetivo, ao final de 10 anos, é ter um filme do universo ao longo desse tempo.

“A cada quatro noites serão gerados 80 terabytes de imagens em 6 filtros cobrindo todo o céu visível do telescópio, que nos permitirão fazer um levantamento temporal do Universo. Quando compararmos as imagens, vamos descobrir milhões de novos asteroides e cometas no sistema solar, identificar variações nos planetas e luas, como atividade vulcânica, mapear colisões de asteróides e cometas com os planetas. Na via Láctea, vamos descobrir novas estrelas variáveis e mapear suas variações. Nas galáxias, vamos descobrir novas estrelas supernovas e observar a captura de matéria por seus buracos negros supermassivos. Ao mesmo tempo, as imagens combinadas vão ficando cada vez mais profundas, permitindo observar fenômenos mais fracos e distantes. Isto vais permitir mapear a matéria e a energia escura, que compõe 70% do Universo. Esse é um tema que vem avançando muito atualmente, e para o qual esperamos poder contribuir”, conta a Acadêmica.

Buraco negro supermassivo capturando uma estrela 

Instalado em Cerro Pachón, no Chile, o supertelescópio de 8,4 metros de diâmetro tem a maior câmera digital do mundo, com ultradefinição de 3200 megapixels. Para se ter uma ideia, as melhores câmeras profissionais atualmente têm cerca de 20 megapixels.

A contrapartida do Brasil será a gestão de um grande centro de dados para armazenamento e processamento de parte das informações geradas pelo LSST. Uma equipe de tecnologia da informação desenvolveu e vai operar um software de Big Data com características únicas. Em 2021, o LIneA iniciou a implantação desse centro de dados conhecido como Independent Data Access Center (IDAC), que fará parte de uma rede mundial formada por outros centros internacionais. Anualmente, será produzido um imenso catálogo com dezenas de bilhões de objetos, que podem chegar a cerca de 37 bilhões em 10 anos. Para trabalhar com esse volume imenso de informação, softwares de inteligência artificial serão utilizados.

“Tudo o que se move ou explode no Universo será detectado. Entre outras coisas, o projeto fará um censo completo do Sistema Solar sem precedentes. É um projeto transformador, uma oportunidade de integrar uma das maiores experiências científicas da História, uma jornada no desconhecido com alta tecnologia, sem paralelo para a ciência brasileira, com impacto transversal em muitas áreas do conhecimento”, disse o astrofísico Luiz Nicolaci da Costa, diretor do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA).  

O LSST, diz o diretor do LIneA, não apenas ampliará nossa compreensão do universo, mas redefinirá a forma como os dados astronômicos serão analisados e interpretados. A expectativa é que a experiência permita ao país desenvolver novas soluções computacionais para gerenciar e processar grandes volumes de dados, além de avançar no campo da inteligência artificial.

A Associação LIneA é um legado do programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), uma parceria entre o CNPq e fundações de apoio à pesquisa estaduais. É o único da área de astronomia e dá sustentação às atividades científicas do INCT, mantendo um centro multiusuário de e-ciência e um intenso programa de desenvolvimento de projetos e plataformas científicas.

O Observatório Vera C. Rubin é operado pela Association of Universities for Research in Astronomy (AURA) e foi financiado, em conjunto, pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF) e pelo Departamento de Energia dos EUA (DOE). Desde 2015, o Brasil se integrou ao projeto. O Linea, responsável pela contrapartida brasileira, ainda busca recursos para viabilizar a iniciativa, estimada em R$ 6 milhões anuais. “Recentemente o Brasil anunciou seu plano nacional para Inteligência artificial com investimentos de R$ 23 bilhões, esse é um exemplo de projeto que pode ajudar no desenvolvimento dessas tecnologias, pois faz uso intensivo da IA”, avalia Thaísa Bergmann.

A gigantesca câmera acoplada ao supertelescópio do LSST