#RMagna2023: Qualidade ambiental, políticas públicas e povos originários

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A crise humanitária em curso na Terra Indígena Yanomami trouxe os olhares do mundo para a situação das populações indígenas brasileiras. Entre 2019 e 2022, morreram 570 crianças em uma população de cerca de 38 mil pessoas, o que levou muitos juristas a caracterizarem o cenário como genocídio. A principal causa da crise foi a invasão em massa de garimpeiros, estimulada pela desmonte de políticas públicas e órgãos de fiscalização.

A defesa dos povos originários também passa pela ciência e, por isso, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizou a sessão plenária “Qualidade ambiental, políticas públicas e povos originários”, em 10 de maio, durante sua Reunião Magna 2023. A coordenação da sessão ficou por conta do vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, e os convidados foram a advogada Samara Pataxó e o antropólogo Ricardo Ventura Santos.

Ricardo Ventura Santos, Adalberto Luis Val e Samara Pataxó

Val abriu a sessão lembrando do conceito de Saúde Única e como ele se aplica particularmente bem à questão indígena. A disrupção social causada pela invasão afetou profundamente o modo de vida tradicional dos yanomamis. Em paralelo, a destruição da terra e a contaminação por mercúrio expuseram os indígenas à mazelas como malária e fome.  “Clima, biodiversidade e sociedade estão acoplados. A saúde de seres humanos depende da saúde do meio ambiente e isso é muito claro na tragédia”, lembrou o Acadêmico.

Os indígenas e o Estado brasileiro

O termo “genocídio” foi criado no século XX para denominar um crime até então sem nome. Em 1948, a Convenção da ONU para a Repressão e Punição do Crime de Genocídio classificou como tal, entre outras ações, a “submissão intencional de um grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial”, o que sustenta as comparações com a situação dos Yanomami.

“A relação entre o Estado brasileiro e os indígenas é de extermínio, integração e tutela até a Constituição de 88, que pela primeira vez reconhece os direitos dos povos originários”, avaliou Ricardo Ventura Santos. As cicatrizes desse apagamento aparecem na nossa população, que possui a menor porcentagem de pessoas se autodeclarando indígenas na América do Sul – menos de 1%.

Apesar disso, dados mais recentes sugerem que as identidades tradicionais estão em alta. O Censo de 2010 apontava que existiam no país 817 mil indígenas. Deste então, a produção acadêmica e cultural só cresceu e, de acordo com dados preliminares do Censo de 2022, hoje são 1,6 milhão. “Esse crescimento reflete a demografia, mas, principalmente, se deve a um aumento no reconhecimento das próprias pessoas como indígenas”, explicou Ventura.

O Censo revela ainda a enorme diversidade desses povos. Em 2010, foram identificados no Brasil 305 etnias e 274 línguas originárias. Todo esse mosaico cultural guarda relações, hábitos e histórias distintas, mas a luta por direitos, sobretudo à terra, é pauta comum.

Comparação entre os últimos Censos do IBGE mostra crescimento no número de brasileiros que se autodeclaram indígenas

Movimento indígena e direitos fundamentais

A advogada Samara Pataxó pertence ao povo Pataxó da Terra Indígena da Coroa Vermelha, na Bahia. Ela compartilhou sua experiência na articulação jurídica dos povos tradicionais e destacou que a ADPF 709, movida no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi um marco histórico nessa defesa. “Pela primeira vez, em nome próprio e com advogados próprios, os povos indígenas foram buscar seus direitos junto à mais alta corte do país”, afirmou.

Uma ADPF – Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental – é uma ação de controle de constitucionalidade movida quando se entende que algum preceito fundamental da Carta Magna não está sendo respeitado. No caso da ADPF 709, defendia-se que o governo precisava ser coagido a estabelecer ações mínimas de combate à pandemia entre os povos indígenas. “Durante a maior crise sanitária dos últimos cem anos, o que existia era uma estrutura acéfala nos órgãos competentes, que tinha dificuldade de realizar ações mínimas, quanto mais elaborar um Plano Nacional”, denunciou Pataxó.

Mas o precedente aberto pela ADPF não se restringe à covid-19. Para a advogada, o tema da saúde pública não pode ser dissociado da questão territorial, no caso dos povos indígenas. A demarcação e o respeito pelos territórios é central tanto para a proteção dos povos originários, quanto para a própria conservação ambiental. De acordo com dados da MapBiomas, entre 1990 e 2020 as terras indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%.

“A mãe de todas as lutas é a luta pela mãe-terra”, afirmou Samara Pataxó, garantindo que as representações continuarão fazendo frente aos avanços sobre os direitos dos povos indígenas sempre que estes forem desrespeitados. “Nunca mais um Brasil sem nós”, finalizou.

(Marcos Torres para ABC)