Os membros titulares da ABC Geraldo Wilson Afonso Fernandes e Fatima Maria de Souza Moreira, convidados para apresentar palestras magnas no Simpósio e Diplomação de Membros Afiliados da ABC da Região Minas Gerais e Centro-Oeste, fizeram abordagens complementares sobre a biodiversidade brasileira. 

Biodiversidade inesperada

“Sabemos da exuberância, magnitude, diversidade e importância dos ambientes florestais, particularmente da Amazônia e da Mata Atlântica, vitais para o Brasil e a vida no planeta. Mas exuberância, diversidade e ineditismo de igual relevância são encontrados em alguns ecossistemas muito particulares, no alto de algumas montanhas”, contou o Acadêmico Geraldo Wilson Fernandes. Pesquisador 1A do CNPq, o ecólogo atua em programas de pós-graduação da UFMG, da Universidade Federal de Viçosa e da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), no Brasil; no exterior, atua em programas do Instituto de Ecologia (Inecol-MX) e da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) e na Universidade de Sevilha, na Espanha.

Ele desenvolve pesquisas na Serra do Espinhaço, a segunda maior cordilheira da América do Sul, composta por montanhas de quartzo e ferro nas quais a falta de nutrientes no solo e as variações climáticas não parecem condizer com a riqueza da biodiversidade do chamado “campo rupestre”. O Acadêmico explicou que as plantas da região, que é uma zona de transição entre a caatinga à nordeste, a Mata Atlântica ao sudeste e o cerrado a oeste, aprenderam a se defender e se tornaram muito resistentes. “No campo rupestre, as plantas se associam a fungos, que ocorrem nas raízes e até internamente, nas folhas e caules. Esses microrganismos auxiliam na busca de nutrientes e na sobrevivência em altas temperaturas e em situação de falta de água.

O fogo exerce uma grande pressão na vegetação do campo rupestre e dá origem a um dos aspectos mais interessantes dessa vegetação que, para se defender das queimadas, se desenvolveu “de cabeça para baixo”, ou seja, para dentro da terra. Wilson mostrou uma imagem do que parece ser uma vegetação rasteira, mas que às vezes dá até frutos. “Na realidade, são as copas de árvores subterrâneas, uma floresta invertida que, mesmo sob a superfície contribuem para o sequestro de carbono”, explicou.

A floresta invertida: flor roxa da direita é de jacaranda decurrens, com 3081 anos

As ameaças a essa biodiversidade incluem projetos de mineração que se sobrepõem a áreas importantes para recarga hídrica e poderão impactar, de forma expressiva, a quantidade e qualidade de água fornecida pelo Espinhaço. Na região nascem os rios Doce, das Velhas e Jequitinhonha. “Os rios que nascem no campo rupestre fornecem água para mais de 30 milhões de brasileiros. Aliás, metade da água doce do mundo vem das montanhas”, esclareceu Wilson.

A região da Serra do Espinhaço oferece diversos serviços ecossistêmicos, relacionados à segurança hídrica, segurança alimentar, estabilidade climática., além de ser um repositório de biodiversidade. Isso sem falar dos aspectos culturais e históricos, que contribuem para o desenvolvimento do ecoturismo. “Ou seja, um patrimônio nacional. Ao menos é como deveria ser considerado, como já são as florestas”, defendeu Wilson.

Para o uso sustentável do campo rupestre, de acordo com Wilson, são necessários planejamento e avaliação contínuos e dinâmicos, interação, cooperação, governança e financiamento adequados de longo prazo. Ou seja, investimento em ciência e tecnologia.

“Até quando o Cerrado e suas montanhas resistirão? Já passou da hora de construir o espaço democrático para catalizar ideias e buscar sinergias na construção de um país sustentável, através da preservação de todos os seus ecossistemas e sua biodiversidade”, finalizou o Acadêmico.

Biodiversidade sob nossos pés

Ainda sobre biodiversidade, a Acadêmica Fátima Maria de Souza Moreira defendeu em sua palestra a conservação de organismos que, apesar de cruciais para a vida na terra, chamam pouca atenção: os microrganismos do solo. A enorme biodiversidade que existe abaixo dos nossos pés não é muito falada, mas cumpre papel indispensável na produção agrícola. “A base da sustentabilidade é aumentar a produção do solo enquanto se reduz o uso de agroquímicos, então utilizar os processos biológicos é fundamental”, afirmou a palestrante, que é professora titular da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e líder do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Biodiversidade do Solo.

Um desses processos é a fixação do nitrogênio atmosférico em formas que possam ser absorvidas pelas plantas. Apenas algumas poucas bactérias têm essa capacidade, o que as torna altamente atrativas para a agricultura. Como o nitrogênio é um elemento fundamental para o crescimento dos cultivares, a alternativa é a utilização de adubos nitrogenados, cuja produção é muito mais custosa e com maior impacto ambiental. Além disso, esses fertilizantes químicos são, em sua maioria, produzidos no exterior, o que torna o Brasil vulnerável às flutuações do mercado externo.

Ela ressaltou que a soja brasileira é um caso estrondoso de sucesso na associação entre bactérias e leguminosas, cuja simbiose permite a fixação de nitrogênio pelas plantas sem a utilização de fertilizantes químicos. A inoculação desses microrganismos é muito mais barata, o que permitiu ao país se tornar uma potência no setor. Estima-se que, só para a safra de 2018/19, os agricultores tenham deixado de gastar R$ 19 bilhões em adubo nitrogenado. Esse sucesso só foi possível graças ao trabalho da pioneira Johanna Döbereiner, cuja história foi tema de um episódio do Ciência Gera Desenvolvimento, série de vídeos da ABC sobre grandes cientistas nacionais.

Uso de inoculantes orgânicos quadruplicou na última década. O plantio de soja segue sendo protagonista, mas já é possível enxergar uma diversificação

“Nosso desafio agora é levar essa tecnologia à outras leguminosas, como o feijão, e para isso precisamos estar junto ao pequeno e médio produtor”, afirmou Fátima Moreira. Esse é um exemplo do potencial que a ciência tem de transformar o país, reduzindo os custos da produção de alimentos. “Nossos solos são fonte valiosa de recursos ainda não explorados, conhecer sua biodiversidade e suas aplicações deve ser considerado estratégico para o desenvolvimento nacional”, finalizou.


Leia a matéria sobre o evento Simpósio e Diplomação de  Membros Afiliados da ABC da Regional MG-CO