Ciência e Inovação em Políticas Públicas foi o tema da 26ª edição dos Webinários da ABC, realizada no dia 20/10. Apesar de um robusto sistema de ciência e tecnologia, há no Brasil um cenário desafiador para a aplicação dos conhecimentos científicos em políticas públicas que favoreçam a população. O subfinanciamento de pesquisas, a burocracia e a desvalorização da ciência são alguns desses entraves e foram discutidos por Tarcísio Pequeno (Funcap), pelo Acadêmico José Soares de Andrade Júnior (UFC), Francilene Procópio Garcia (UFCG) e Denise Pires de Carvalho (UFRJ) nesta edição dos Webinários da ABC. O encontro foi coordenado pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich, e pelo Acadêmico Luiz Drude de Lacerda.
A ciência na vida das pessoas

“O programa visa aproximar a ciência dos centros de decisão e fazer com que ela seja revertida em benefício de todos”, disse Pequeno. Para ele, a incompreensão e o distanciamento da ciência é uma das causas de cenários políticos como os de hoje, em que há, além da COVID-19, uma pandemia de desinformação. “É preciso que, além de fazer boa ciência, a gente mostre melhor o que a ciência pode fazer em benefício de todos, para que os governantes saibam que vale a pena investir nela”, afirmou.
Durante o evento, Tarcísio também destacou a importância de se fazer inovação no setor público e de melhorar a articulação da ciência brasileira com o setor privado. “Há uma falta de instrumentos adequados para conduzir essa aproximação e fazer com que a ciência esteja mais presente nos diferentes setores”, disse. “O Brasil desenvolveu uma ciência importante, com grande quantidade de pesquisadores e de qualidade, mas ainda pertencemos a uma geração que precisa, para fazer ciência, desenvolver a tarefa de fazer política para conseguir condições de sobreviver”, completou.
A aplicação dos conhecimentos científicos na vida das pessoas

Após essa enorme coleta de dados, ao invés das informações terem se encerrado dentro dos computadores dos cientistas, elas serviram para a gestão dos municípios pelo Governo do Ceará. “Por conta desses dados, da busca pelo entendimento dos efeitos da pandemia no Ceará fomos chamados para ajudar na gestão política”, disse.
O que José Soares e sua equipe de cientistas fizeram foi um feito que, para o Acadêmico, ainda é raro no Brasil. “Enfrentamos o problema da interlocução. É importante que os cientistas sejam flexíveis e que se comuniquem para traduzir os métodos científicos aos gestores públicos”, disse. “Os cientistas podem ter um papel importante como porta-vozes do valor da ciência. Neste momento de pandemia, devemos mostrar as perspectivas promovidas pelas inovações científicas e tecnológicas para a população”, afirmou.
Além do Acadêmico José Soares de Andrade Júnior, o Acadêmico Antonio Gomes de Souza Filho participa da avaliação das ações de ciência e inovação da Funcap para o programa Cientista Chefe.
O contexto da ciência em políticas públicas

Associar o desenvolvimento social ao papel da inovação e da ciência é, para a cientista da computação com doutorado em engenharia elétrica Francilene Garcia, essencial ao Brasil. Atuante no planejamento e avaliação de políticas públicas em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) – foi secretária de CT&I do Estado da Paraíba, presidente do Consecti e da Anprotec e diretora da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba -, Garcia considera a evolução da legislação como a base necessária para alcançar esses objetivos. “Se não houver esse alinhamento, como vamos avançar em termos de um projeto para o país?”, questionou ela, que também é professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
“O crescimento econômico e social baseado em conhecimento científico precisa da articulação com os poderes públicos para chegar na sociedade”, disse Garcia. Em um contexto de subfinanciamento de pesquisas, segundo ela, é inviável que a ciência se faça presente no contexto de desenvolvimento social. “A pandemia trouxe um novo entendimento de que precisamos usar melhor a ciência no enfrentamento de crises”, afirmou.
“Vivemos um momento de rupturas, como o de aceitar um baixo crescimento econômico com potencial criativo. A ABC, em conjunto com outros atores, pode fazer questionamentos em relação a esses retrocessos”, disse Garcia. Uma sugestão para ampliar a inserção de inovação na economia seria, para a professora, investir no ensino do empreendedorismo. “É fundamental que as grades curriculares forneçam formação empreendedora para engajar os estudantes e para que eles se sintam desafiados a entrar nesse mundo”, analisou.
A ciência no combate às desigualdades

“Para além do negacionismo, precisamos mostrar que o Brasil tem uma relação entre o número de doutores e o total da população muito abaixo da média dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]”, alertou Denise. Segundo dados apresentados pela médica, a ciência pode ser ainda pouco perceptível pelas pessoas também por conta do baixo ingresso da população no ensino superior. “Sabemos que quanto maior o nível educacional, maior é o salário das pessoas e a percepção da ciência. Mas, no Brasil, o ensino superior ainda é muito excludente”, afirmou.
“Infelizmente o Brasil caminha no sentido contrário do desenvolvimento industrial e, ao mesmo tempo, no sentido contrário do desenvolvimento científico”, disse Denise. Esse contexto, segundo ela, pode manter o país refém dos mesmos problemas, como a dependência da importação. “É dramático o que vemos acontecer com as fundações de fomento à pesquisa, essenciais para a mudança desse quadro. Não há como nos mantermos em crescimento se o investimento continuar diminuindo”, acrescentou.