Em palestra no workshop Habilidades para Comunicação e Liderança em um Mundo 5G, parte do Fórum Mundial para Mulheres na Ciência – Brasil 2020, promovido pela ABC, a italiana Nerina Finetto falou sobre o poder das narrativas, sua especialidade. Ela é fundadora da Trace.Dreams, uma plataforma pensada para valorizar pesquisadores. Fez documentários e vídeos sobre inovação, tecnologia e o futuro para TVs alemãs e para organizações internacionais.
O animal narrador
“Como espécie, somos viciados em histórias. Até quando nosso corpo dorme, a mente fica acordada a noite toda, contando histórias para si mesma”, disse Finetto. Observou que quando estamos acordados, pensamos no passado, no presente e no futuro, tentando dar um sentido à nossa existência. “Crianças brincam contando histórias, nós adultos conversamos sozinhos todo o tempo. É nossa maneira de sobreviver”.
Finetto referiu-se à mitologia, que é universal, variando de cultura para cultura, mas contando histórias semelhantes. E lembrou que “cultura” também é um conjunto de histórias, das quais participamos. “Pessoas querem pertencer. E as histórias de que fazem parte as definem”.
Essa, também, é a nossa maneira de aprender, é como percebemos o mundo em que vivemos. A especialista relatou que entre os 2 e os 5 anos crianças fazem em média 40 mil perguntas. “A maior parte delas, ‘por que’”, apontou.
E boas histórias provocam mudanças. Finetto citou a jovem paquistanesa Malala Yousafzai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz, aos 17 anos, por sua atuação em favor dos direitos civis, especialmente das mulheres do vale do rio Swat, onde o Taliban proibiu a frequência escolar de meninas. Por isso, ainda adolescente, levou três tiros. Sua história provocou um movimento mundial e ela dizia: ”Conto minha história não por ser única. Conto, exatamente, porque não é”.
“As histórias têm poder”, disse Finetto. “Se não tivessem, não haveria um esforço tão grande de governos autoritários em querer ‘reescrever’ o passado, mudando a história dos livros didáticos de acordo com a ideologia”, ressaltou.
Também compartilhamos histórias de outras pessoas, sobre fatos acontecidos ou sobre as pessoas. “Amamos compartilhar histórias sobre outras pessoas, saber mais sobre elas. Daí a chamada fofoca”, ilustrou, entre risadas.
E criamos histórias juntos. Histórias de pessoas, sobre pessoas, para pessoas. As nações modernas, segundo Finetto, são definidas pelas histórias contadas pelo coletivo. Muitas delas, inclusive, falsas. “Pessoas que querem poder precisam de que muitas pessoas confiem nelas. E histórias atraem muitas pessoas, até pelo jogo recorrente sobre quem é o herói e quem é o vilão “, argumentou. As histórias criadas de forma coletiva deram origem ao dinheiro, aos deuses e ao próprio conceito de nação, de acordo com Finetto.
Hoje, todos podem compartilhar histórias e é difícil saber de onde elas vêm, se alguém checou os fatos. E quem ouve essas histórias? Segundo Finetto, mais de 500 horas de áudio são postadas por minuto no You Tube. “E tudo pode servir ao ‘bem’ ou ao ‘mal’”.
Comunicando sua ciência
Falando então diretamente de comunicação de ciência, Finetto destacou a questão principal, que é ter preocupação com o público-alvo. “Cientistas têm que se fazer entender. Se sua explicação é difícil e vem alguém com uma explicação mais acessível, ganha a corrida da informação, sendo que nem todas as pessoas têm os mesmos valores”, apontou Finetto.
É importante, também, se manter fiel ao princípio básico da ciência, que é construída pela sobreposição de paradigmas, na maioria das áreas. “O cientista deve sempre deixar claro que sua certeza é uma certeza hoje, mas que, em algum momento, pode mudar”.
Outra dica é usar metáforas, mas com muita atenção. “Metáforas como ‘a guerra da ciência’ são negativas, associam a um ‘inimigo’. Tem que haver cuidado na escolha das palavras”, alertou Finetto.
E, como toda boa história exige, tem que ter paixão. “O cientista tem que passar a beleza da ciência, seu encantamento com sua pesquisa, numa linguagem que o público entenda, para que possa se envolver”.
Enfim, Finetto mostrou que não é uma tarefa fácil, mas que nós, humanos, temos um talento natural para contar histórias. Referiu-se a Oliver Sacks, professor de neurologia e psiquiatria na Universidade de Columbia, que dizia que os humanos não são tão diferentes entre si biológica e fisiologicamente: são suas histórias que os diferenciam. E citou a escritora canadense Margaret Atwood: “Uma palavra após uma palavra após uma palavra é poder.”
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