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De modo geral, toda a sociedade brasileira têm boa noção da extensão e riqueza da fauna e flora do país. Ainda assim, para a maior parte da população, há ainda um grande distanciamento entre a consciência dessa diversidade e os modos de revertê-la em benefícios para o país. Pensando nisso, a ABC levou o tema da biodiversidade brasileira para a sessão de encerramento da Reunião Magna 2018.

Ocorrida na tarde do dia 10 de maio, a sessão intitulada “A biodiversidade na emergente bioeconomia” debateu como nossa vasta riqueza biológica pode ser utilizada em prol da sociedade, garantindo um equilíbrio sustentável entre desfrute e preservação.

Cléber Oliveira Soares, diretor de Inovação e Tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), coordenou a sessão que contou com a fala de quatro cientistas de excelência.

joao_batista_calixto.jpg De medicamentos à cosméticos

Primeiro palestrante da sessão, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretor do Centro de Inovação em Ensaios Pré-clínicos (CIEnP) e vice-presidente regional da ABC para o Sul da ABC João Batista Calixto falou sobre inovação no setor de saúde.

Calixto destacou, de início, que 60% dos medicamentos presentes na indústria atualmente são de origem sintética, mas que o número de produtos originados de plantas, microrganismos e animais – ou seja, da biodoversidade – vem crescendo bastante. Com 20% da biodiversidade mundial, o Brasil tem capacidade de destacar-se nessa área, em recebendo os devidos investimentos.

Para demonstrar esse ponto, o pesquisador mostrou uma série de medicamentos que vêm direta ou indiretamente de produtos naturais, como estatinas, antibióticos, imunossupressores, entre outros. Dentre estes, destacou o caso do Captopril, que foi descoberto no Brasil, em 1964, pelo falecido Acadêmico Sérgio Henrique Ferreira. Hoje há dez medicamentos desse grupo que vendem, ao ano, 5 bilhões de dólares.

Segundo Calixto, a grande vantagem no uso de produtos da biodiversidade é que eles contêm grande variedade de moléculas. Estas moléculas, muitas vezes, já são o próprio medicamento, mas, caso não sejam, podem contribuir para a geração de moléculas novas.

O pesquisador também fez questão de comentar sobre o setor de cosméticos que, embora não receba muita atenção dos cientistas em geral, utiliza recursos de nossa biodiversidade e cresce cada vez mais. Hoje, o setor movimenta 1,6 bilhão para pesquisa e desenvolvimento.

Por fim, o Acadêmico enumerou motivos pelos quais é difícil trabalhar com produtos da biodiversidade. Dentre eles, estão a grande dificuldade de acessar esses produtos – tanto por motivos de legislação, como por motivos geográficos, já que muitas vezes eles se encontram no interior de florestas ou até mesmo no fundo do mar – e a falta de uma política estratégica e de longo prazo que apoie a pesquisa e a inovação nesse meio.

A “micro”-revolução verde

mariangela_hungria.jpg Dando seguimento à sessão, a pesquisadora da Embrapa Soja e também Acadêmica Mariângela Hungria falou sobre o uso de microrganismos na agropecuária.

O Brasil, como país agrícola que é, precisa que as plantas estejam bem nutridas para que a qualidade dos produtos seja garantida. Neste âmbito, Mariângela destacou como é custosa a utilização de fertilizantes para garantir essa nutrição, visto que cerca de 70% desses produtos químicos são importados. Os microrganismos, então, entram como alternativa à essa prática.

A pesquisadora comentou sobre a utilização de bactérias para a fixação biológica do nitrogênio na cultura da soja, responsável por economizar bilhões ao país e tema do primeiro vídeo do novo projeto da ABC, “Ciência Gera Desenvolvimento”. Nos estudos desse processo, foi visto que, mesmo em solos que já receberam as bactérias anteriormente, o rendimento médio por ano era de 8% a mais, o que é bastante se comparado a outros países.

Imaginando o futuro, Mariângela citou a mais recente tecnologia em que a Embrapa vem trabalhando, os coquetéis de microrganismos. Esses coquetéis são compostos pela mistura de microrganismos importantes para a nutrição da planta cultivada e outros microrganismos que normalmente são usados em outros cultivos. Os testes têm mostrado melhora significativa na nutrição e crescimento das plantas que recebem o coquetel e a ideia é expandir as pesquisas. Dentre diversos outros exemplos, a Acadêmica ressaltou que o produtor brasileiro, ainda que tenha a imagem de “atrasado” no imaginário popular, está muito interessado nas novas tecnologias para melhorar seus resultados.

Aproveitamento e preservação de mãos dadas

mario_mantovani.jpg Na terceira palestra da sessão, o ambientalista Mario Mantovani do SOS Mata Atlântica comentou sobre o poder econômico turístico da região da Mata Atlântica, que é mal aproveitado, e também sobre a preservação do bioma.

Mantovani abordou as diversas ameaças que o bioma Mata Atlântica vem sofrendo, como a tentativa de construção de uma ponte na região da Bahia, o novo código florestal e a tentativa de permitir a venda de agrotóxicos novamente, mas sob o novo nome de “fitossanitários”.

O geógrafo levantou o questionamento sobre as maneiras como os cientistas podem traduzir para a população o que significa biodiversidade. “Biodiversidade? É de comer? É de comer, é de beber, é de tudo!”, brincou. Mantovani destacou que, apesar de todos usufruirem da biodiversidade, a população não tem sensação de responsabilidade sobre ela e, por isso, não a preservam. “Precisamos de uma indústria, de uma pecuária e de uma agricultura que sejam responsáveis e que sejam distribuídas de forma equilibrada”, ressaltou.

O ambientalista apresentou, então, o Atlas da Mata Atlântica, um projeto em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com início nos anos 90, para mapear e monitorar a situação do bioma. Destacou também o interesse da ong SOS Mata Atlântica em proteger as águas e em promover a aproximação entre as reservas e a população, a fim de que ela entenda que as reservas são suas e não do governo. Para tal, mantovani considera que o turismo pode ser um importante aliado.

Para ele, o mais importante, porém, é que cientistas e sociedade falem a mesma língua e lutem juntos, “pois a grande riqueza do Brasil é a natureza e devemos usá-la a nosso favor”.

mauro_de_sousa_xavier.jpg Bioprospecção: biodiversidade como produto da inovação

“Quem produz o conhecimento está na universidade e quem o transforma em produtos ou processos está na indústria. É preciso diminuir a distância entre universidade e setor industrial, uma vez que ambos são geradores de conhecimento e riqueza”, afirmou Dr. Mauro Xavier da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) na última palestra da sessão ao falar de bioprospecção. O termo pode ser definido como a busca por organismos, genes, enzimas, compostos, processos e pares de seres vivos que tenham potencial econômico e possam levar ao desenvolvimento de algum produto de interesse comercial.

Mauro mencionou sobre como se dão as etapas do processo de bioprospecção até a criação do produto, que vão desde a garantia de qualidade nas fases de pesquisa até um bom marketing para venda. O professor deu destaque à etapa chamada “Prova do Conceito”, que é a etapa na qual entende-se que aquilo que se está estudando funciona e tem resposta esperada. Ele ressaltou que muitos param nesta etapa e acreditam já ter o produto pronto, mas que é importante dominar esta etapa e ter certeza dos resultados encontrados.

“Quão distante está a sua ideia do seu produto? Quão distante está seu produto do mercado?”, questionou Mauro ao falar sobre a relação pesquisador-empresa. Segundo ele, quanto mais maduro o projeto, melhor, pois, para a empresa, o interesse maior está no produto já pronto. Ainda assim, há numeroso casos onde a empresa compra somente a ideia e trabalha em cima dela por si só.

Outro ponto destacado pelo palestrante foi o de que nem sempre o produto precisa ser inteiramente novo. Vários produtos podem ser melhorados e, se podem ser melhorados, podem ser patenteados e disponibilizados ao mercado.

O professor então mencionou seu trabalho com o Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, que acontece numa parceria entre Unimontes e UFMG. A pesquisa estuda o potencial carrapaticida de algumas plantas da região, visto que houve aumento da resistência dos carrapatos aos métodos normalmente usados para controlá-los. Com a necessidade de buscar outros meios de lidar com o problema, os pesquisadores das duas universidades têm realizado pesquisas visando a elaboração de um novo produto alternativo.

Como último exemplo, Dr. Mauro Xavier comentou sobre a bioprospecção de microrganismos, resultando na enzima ALP (Achromobacter lyticus protease). A enzima é utilizada como insumo na obtenção de insulina humana recombinante. Por fim, reforçou a necessidade de cooperação entre universidades, empresas e governo para que a inovação seja facilitada e também a necessidade de incentivar os alunos da universidade a seguirem esse caminho.