Descendo e deslizando a bordo de um carrinho de rolimã confeccionado pelo seu pai, Solange Binotto Fagan se aventurava pelas ladeiras da cidade de Ivorá, no Rio Grande do Sul. Escalava árvores e brincava nas casinhas construídas no alto por ela e os irmãos, que juntos cuidavam dos animais do sítio da família e se banhavam nos rios da pequena cidade de 3 mil habitantes. Os três quilômetros que percorriam a pé todos os dias para chegar à escola nunca foram um sofrimento, pelo contrário: era uma caminhada de aventuras diárias, à qual se juntavam outras crianças, rumo às aulas de ciências e matemática que tanto encantavam Solange.
Seus pais eram agricultores e Solange se orgulha do trabalho dos dois nas plantações da propriedade da família. Lembra com carinho da mãe e do irmão mais velho, que ainda cuidam dos animais e dos produtos cultivados no sítio. Filha do meio, foi a única a enveredar pelos caminhos das chamadas ciências duras. A irmã mais velha fez mestrado em filosofia e história e o irmão mais novo, doutor em agronomia, leciona em universidade de Minas Gerais.
A ligação com ciência foi natural para Solange, dado o contato direto com a natureza no sítio e sua personalidade curiosa. Desde criança era claro seu interesse pelos números e todos acreditavam que ela seguiria pelas áreas da engenharia ou medicina. A escolha pela graduação em física surpreendeu os amigos mas, para ela, significava a possibilidade de usar os números para entender os fenômenos da natureza, o que a tornava uma opção mais interessante. Já no ensino médio, recebeu apoio e incentivo dos professores para se dedicar aos estudos e ingressou na primeira turma de bacharelado em fisica da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 1995.
Decidida desde o início a seguir carreira acadêmica, Solange começou a iniciação científica no primeiro ano da graduação e foi orientada pelo Prof. Ronaldo Mota durante todo o curso. Também foi sob sua orientação que realizou o mestrado e o doutorado na UFSM. “Foi um período de muito aprendizado, convivência e também de conhecer e colaborar com outros grupos de pesquisa no Brasil e no mundo”, conta ela sobre seu doutoramento, período em que também foi co-orientada pelo Acadêmico Adalberto Fazzio, na Faculdade de Física da Universidade de São Paulo (USP), durante dois anos.
A pesquisa desenvolvida por Solange aborda os ramos da nanociência e nanotecnologia (N&N). Ela estuda as aplicações tecnológicas e biológicas do grafeno, siliceno, fosforeno e outros nanomateriais por meio de modelagem e simulação computacional, atuando também na divulgação e aplicação da N&N no ensino básico e em ambientes não formais de ensino. “O que me fascina na nanociência é o impacto que as ‘nanocoisas’ têm na nossa vida. Somos formados por nanopartículas inteligentes e essa conexão é que forma a vida. Isso é formidável. A ciência possibilita a descoberta, a surpresa, novos mundos a explorar”, salienta Solange.
Hoje, é mãe do pequeno Pedro e de Beatriz, bebê de poucos meses. Assim, quando não está envolvida com sua pesquisa, Solange divide seu tempo entre a família e um prazer que ficou de herança da infância no sítio: gosta de plantar de flores e temperos, mantendo o contato com a terra.
Para ela, ser membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) será uma oportunidade de expor seu trabalho e trocar conhecimentos com outros pesquisadores, inclusive de outras áreas. Ela pretende utilizar o título para divulgar a ciência entre os jovens, mostrando que é possível desenvolver uma carreira e projetos na ciência. “Quero usar este período junto a ABC para propor estratégias de atração de jovens talentos para a pesquisa científica, principalmente os que se perdem no ensino básico”, completa a Acadêmica.