No dia 17 de julho, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebeu, além da 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a primeira versão brasileira dos Clubes de Ciência. O evento foi realizado nas dependências do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

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O que são os Clubes de Ciência

A organização Clubes de Ciência (CdeC) visa despertar e desenvolver o interesse científico em jovens, através de oficinas e mentoria gratuitas, oferecidas por pesquisadores das melhores universidades do mundo.

O CdeC foi fundado em 2014 por doutorandos mexicanos de Harvard e do MIT, com a missão de expandir o acesso ao ensino de ciências de alta qualidade, inspirar e mentorar as futuras gerações de pesquisadores através de uma rede de colaboração científica. Em um ano, o projeto foi expandido para a Colômbia e a Bolívia, tendo treinado 4.500 estudantes. A expansão prevista para 2017 inclui Brasil, Paraguai e Peru.

Na primeira edição do C de C Brasil, o programa recebeu 900 inscrições de estudantes dos dois últimos anos do ensino médio da rede pública e privada e dos dois primeiros anos da graduação para 80 vagas. Foram quatro oficinas ou “clubes”, que abordaram temas como células-tronco, edição genômica, epidemiologia, empreendedorismo científico e inovação.

Cada equipe teve 40 horas para cumprir um desafio, supervisionada por pesquisadores de universidades de destaque, como Harvard e UFMG. Os estudantes foram desafiados a desenvolver o pensamento crítico, criatividade e colaboração, características essenciais a um líder do século XXI.

Além disso, assistiram diversas palestras dando ênfase à perspectiva da escolha de carreiras em ciência. Tratados como futuros cientistas, os jovens participantes viram como é possível fazer ciência de ponta no Brasil.

A sessão de abertura

Apresentados pelo membro executivo do CdeC da América Latina Marcos Bento, compuseram a mesa de abertura do evento a diretora do ICB Andrea Macedo, a diretora da Centro de Pesquisa René Rachou Fiocruz-MG Zélia Profeta e os membros executivos do CdeC Rafael Polidoro – ex-aluno da UFMG, agora em Harvard –, David Soeiro e Bruna Paulsen, ex-aluna da UFRJ, também em Harvard.

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A diretora Andrea Macedo manifestou seu grande prazer em receber o programa e deu boas-vindas especiais aos 80 estudantes selecionados entre os 900 inscritos. “O ICB da UFMG está muito honrado em ser a sede da primeira edição dos Clubes de Ciência Brasil”, afirmou.
Já Zélia Profeta saudou a iniciativa dos organizadores dos Clubes de Ciência, pelo propósito de iniciar cedo a discussão sobre a importância da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para um país soberano. “Incentivar jovens para as carreiras científicas é importante sempre, mas hoje, no Brasil, ainda mais. Precisamos de cientistas bem formados e criativos.”

Rafael Polidoro cumprimentou a mesa e agradeceu o apoio do ICB em sediar o primeiro Clube de Ciência no Brasil. Ele se dirigiu ao seu público, os estudantes selecionados: “Jovens, aproveitem os clubes, suguem o máximo dos professores, façam perguntas. Quando a gente não sabe a resposta, sabemos como procurar – é disso que a gente gosta.”
David Soeiro, que esteve também em Harvard e agora é professor recém contratado pela UFMG, falou ao público jovem: “Estamos organizando esse evento há um ano. Discutimos metodologias inovadoras com professores de ensino médio daqui, porque queremos estimular o pensamento crítico inovador e empreendedor. Esperamos que vocês já saiam daqui com muitas ideias e parceiros para projetos. Divirtam-se”, disse ele.

Doutora em biologia celular pela UFRJ com pós doutorado na Escola Médica de Harvard, especificamente no Hospital Infantil de Boston, nos EUA, onde permanece, Bruna Paulsen disse que um dos principais motivos de estar ali na UFMG realizando aquele projeto foi o apoio recebido. “Ouvimos muitos ‘não’, mas um ‘sim’ poderoso faz a gente acreditar que é possível. Acreditamos em vocês, jovens, futuros cientistas do Brasil”, disse ela, passando então a apresentar o palestrante convidado para a sessão: o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, pesquisador da área de física quântica e professor da UFRJ.

Ciência no Brasil

ld-falando-250.jpg Davidovich começou contando que havia passado a semana anterior no Congresso Nacional, acompanhado da então presidente da SBPC e Acadêmica, Helena Nader, tentando melhorar a situação do orçamento de ciência brasileira, que foi estabelecido em um terço do orçamento de 2010, corrigido pela inflação. “Na prática, foram 3 bilhões, quando deveriam ser pelo menos 15 bilhões.” Veja as matérias sobre os eventos em Brasília nos dias 11 e 12 de julho.

Neste quadro de grave crise, no entanto, a ABC está conduzindo um grande estudo, que envolve 180 cientistas, sendo 100 deles membros da Casa e 80 especialistas convidados. O estudo foi batizado de “Projeto de Ciência para o Brasil (PCBR)”. Todos os cientistas envolvidos trabalham gratuitamente na elaboração deste programa nacional.

A necessidade de um projeto como este é evidente: o Brasil tem 700 pesquisadores por milhão de habitantes, enquanto entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a média é de 3.500. “Nosso país, portanto, precisa de cientistas qualificados, que conheçam a fundo a realidade de cada área. E é nesse sentido que a ABC está dando sua contribuição. O PCBR da ABC é uma agenda positiva num momento dramático da história do Brasil”, disse ele.

O presidente da ABC fez então uma breve introdução histórica para contextualizar o momento a que se referia. Relatou o início tardio da ciência brasileira, que não foi facilitada pela colonização portuguesa. “Em 1747, por exemplo, D. João proibiu a impressão de livros no Brasil. Em 1785, D. Maria I proíbe manufaturas no país. Temos que agradecer a Napoleão, que ao invadir a Península Ibérica fez com que a Corte se deslocasse, em 1808, para a colônia, e com ela vieram seus costumes e necessidades: imprensa real, editoras, universidades, institutos de pesquisa, hospitais, fábricas etc.”, ironizou Davidovich.

Em seguida, ele mostrou os primórdios da agricultura brasileira: a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (SP, 1901), o Instituto Agronômico de Campinas (SP, 1887) e a Universidade Federal de Viçosa (MG, 1922). A ciência alimentar que começou nessas instituições derivou na Embrapa, e hoje alimenta o mundo, já com uma filial na África.

johanna250.jpg“E por trás dos sucessos estão os cientistas. Um exemplo na agricultura foi a Acadêmica Johana Döbereiner, inventora de um processo de fixação de nitrogênio no solo que ampliou a produtividade de soja em quatro vezes. Há 30 anos, uma semente de soja plantada no solo do Mato Grosso, se germinasse, não floresceria. Neste ano, o estado produzirá 30 milhões de toneladas da oleaginosa. O país parou de precisar importar nitrogênio como fertilizante e, com isso,economiza hoje 16 bilhões de dólares por ano.”

marechal-montenegro250.jpg Falando a seguir sobre a Embraer, que tem vendido jatos para o mundo todo, destacou o trabalho do pesquisador e Marechal Casimiro Montenegro Filho (foto à direita), do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fundado em 1950.

Referindo-se à a extração de petróleo em águas profundas, desenvolvida pela Petrobras, Davidovich ressaltou que essa tecnologia ganhou prêmios internacionais e é um projeto transdisciplinar, resultado da parceria de várias universidades e de diversas áreas de pesquisa.

O palestrante citou ainda a Embraco, maior empresa de compressores do mundo, desenvolvida em parceria com o Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (EMC-UFSC) e que, recentemente, foi vendida para a Whirpool; a Natura, que desenvolve cosméticos a partir da biodiversidade da Amazônia; e o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), que faz a separação de isótopos de urânio. Em relação a este caso, Davidovich relatou que logo depois da Segunda Guerra houve uma pressão internacional para que o urânio brasileiro fosse internacionalizado e não foi permitido. “Houve atitude do governo em prol da soberania nacional”, observou.

Davidovich apresentou então as publicações resultantes de grupos de estudo coordenados pela ABC, disponíveis no site para download gratuito. Salientou que o estudo Subsídios para a Reforma do Ensino Superior repercutiu na estruturação da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); e que o estudo Amazônia: desafio brasileiro para o século XXI influenciou as políticas públicas relativas à bolsas diferenciadas para pesquisadores que se fixassem na região, entre outros ecos mais sutis.

estr-pcbr.jpgMostrou, então, a estrutura do Projeto de Ciência para o Brasil (PCBR), que já está em fase de revisão por todos os Acadêmicos. “Estará pronto no fim do ano e será encaminhado aos candidatos à presidência em 2018”, acrescentou.

Muitas das propostas vieram da 4ª CNCTI Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, 2010], coordenada por Davidovich, que resultou no [Livro Azul. “A Conferência teve mais de quatro mil pessoas participando ao vivo e mais de 40 mil acessos pela internet. Tinha representantes de movimentos sociais, de populações indígenas, empresários, estudantes, cientistas. Foi um grande evento.”

amazonia-azul-2.jpgDentre os 15 grupos de estudo que compõem o PCBR, Davidovich escolheu exemplificar com temas relativos à terra, água e ar. Citou a Amazônia, fonte de riquezas fantástica, praticamente inexplorada. “A região pode ser a base para uma grande biotecnologia nacional responsável”, apontou.

Falando sobre a água, referiu-se ao imenso litoral brasileiro, chamado de Amazônia azul. “Não encontramos no mar apenas petróleo. Há uma biodiversidade riquíssima e ainda desconhecida”, observou.

No nível do ar, o presidente da ABC abordou as atividades espaciais. “Satélites artificiais são importantíssimos para fazer prospecção, para segurança, para telecomunicações e outros usos”, comentou. Ressaltou, no entanto, que até então tinha apresentado sucessos da ciência brasileira que trouxeram benefícios imediatos para a população. “Mas a ciência não é só aplicação imediata. É uma aventura.”

Ele destacou que os governos gostam de perguntar para que serve a ciência básica. “Vou dar um exemplo da minha área, a física quântica, que começou no último ano do século XIX.” Contou então que o início deste campo de pesquisa foi com Max Planck, e que seu trabalho inicial foi depois foi desenvolvido por alguns jovens cientistas da época, movidos apenas por curiosidade e paixão, “maravilhados com a descoberta de um mundo com propriedades incríveis, contrárias à intuição.”

fisicos-secxx-250.jpgEstes jovens eram Albert Einstein, Erwin Schrödinger, Maria Göppert-Mayer, Max Born, Niels Bohr, Paul Dirac e Werner Heisenberg. “Eles mudaram o mundo”, assegurou Davidovich. E mudaram como?

No ano 2000 – 100 anos depois do início das pesquisas – 30% do PIB americano eram baseados em invenções baseadas na mecânica quântica. “Mas quando eles faziam a ciência deles, não tinham nem ideia de que isso poderia acontecer. Esse lado, do prazer na ciência em si, é importante para a humanidade. Se a gente pensar sempre em aplicações, não vamos considerar a emoção que essas descobertas provocam.”

Ele citou Albert Einstein: “A coisa mais bela que podemos experimentar é o misterioso. Essa é a fonte de toda verdadeira arte e toda a ciência. Aquele para quem essa emoção é estranha, aquele que não pode mais fazer uma pausa para refletir e ficar absorto em admiração, está praticamente morto: seus olhos estão fechados.”
Para Davidovich, esse sentimento de paixão e curiosidade está no DNA da espécie humana e, por uma sutil peculiaridade, ela afeta a vida das pessoas, seus modos e costumes. “Hoje os jovens pensam mais em dinheiro. Tudo é business. Mas business sem ciência não se sustenta, business é para negociar alguma coisa – e é essa coisa que temos que desenvolver. Parabéns a vocês, estudantes que estão aqui hoje. Pensem em ciência. Precisamos de vocês.”