No primeiro dia de atividades da 69ª Reunião da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), a ex presidente da SBPC, Helena Nader, mediou debate sobre a ética na ciência. Compuseram a mesa de discussão a professora da UFRJ Sônia Maria Ramos de Vasconcelos; Jens Ried, professor da Friedrich-Alexander-University Erlangen-Nürnberg, na Alemanha; o diretor executivo da Agência de Ciência e Tecnologia do Japão (JST, na sigla em inglês), Satoru Ohtak; e Carlos Henrique de Brito Cruz, Acadêmico e diretor científico da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Más condutas ao longo da história
Sonia Vasconcelos apresentou um breve panorama do avanço nos debates da ética científica. Citou a criação do Código de Nuremberg, resultado de uma série de julgamentos sobre as conduções médicas e científicas feitas durante a Segunda Guerra, principalmente por parte dos nazistas. O Código reuniu dez pontos marcantes sobre experimentação com seres humanos para fins científicos e de pesquisa. Embora não tenha sido o primeiro grande debate sobre o tema, foi um dos que gerou maior repercussão. Vasconcelos ressaltou que, dentre os pontos do código, um dos mais relevantes é a necessidade do consentimento voluntário por parte do indivíduo que passará por testes.
Relatou também o caso Tuskegee, no Alabama, no qual cientistas conduziram pesquisa sobre sífilis, usando como grupos de controle e teste uma população de homens negros, que vivia em condições sanitárias e econômicas precárias. O estudo foi financiado pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América, entre 1932 e 1972, e durante todo o processo não foi informado aos participantes que eles tinham sífilis. A informação passada é de que precisavam de tratamento porque tinham o “sangue ruim”. O caso ficou conhecido e é usado até hoje como exemplo de má conduta ética na ciência. Em 72, a universidade da Virgínia publicou notícia, alardeando insensibilidade no caso, e durante a década de 90 o presidente Bill Clinton pediu desculpas publicamente. Para Vasconcelos, “à medida que impactos sociais e ambientais da pesquisa ficam mais evidentes, a importância da ética é mais ressaltada, aproximando-a da ciência.”
Vasconcelos citou mais um exemplo amplamente divulgado de ética na ciência, o caso Challenger, o ônibus espacial da NASA que carregava sete tripulantes e que explodiu devido à uma falha de vedação, em 1986, matando toda a tripulação. À época, foi veiculado que engenheiros da NASA sabiam do risco da decolagem naquele momento, mas decidiram seguir em frente. Para Vasconcelos, o caso reforçou na população o sentimento de insegurança em relação a projetos científicos que, mesmo cercados de intenso investimento e estrutura, levam a acidentes do tipo.
A professora citou o cientista John Ziman, que teoriza sobre o aumento de sensibilidade dos cientistas em suas pesquisas, separando a ciência em acadêmica e pós acadêmica. O próprio conceito de ethos, ou seja, de estudo dos costumes sociais, no que tange ao descompromisso com o objeto de estudo, precisa ser repensado nos moldes da sensibilidade demandada pela ética. Reforçou ainda a importância da revisão por pares no esforço para evitar erros e más conduções. “É necessário que haja transparência por parte dos cientistas no campo da sensibilização ética e que tornem seus trabalhos – principalmente os problemas – mais acessíveis”, defendeu Vasconcelos. “E que se criem mecanismos para que se puna o que deve ser punido e corrija o que deve ser corrigido.”
Ciência e integridade

Ried mencionou como sugestões para o fortalecimento da confiança na ciência o monitoramento para prevenção de casos de fraude, o profissionalismo, a institucionalização e o estabelecimento de padrões para o trabalho científico, além de maior transparência e debate sobre esse sistema. “A ciência é baseada na integridade e o trabalho de todo cientista deve ser construído sobre isso”, pontuou Ried.

Como forma de manobrar as falhas do sistema, o país lançou o programa The Lab, que dá aos jovens cientistas um treinamento de como lidar com situações de pressão ou más condutas em geral no ambiente de pesquisa.
Investimento em prevenção
O Acadêmico Carlos Henrique Brito Cruz, da Fapesp, apresentou o Código de Boas Práticas da Fapesp, criado em 2011. O engenheiro eletrônico dialogou com os colegas de mesa, pontuando que é mais relevante investir na precaução e, portanto, na preparação dos jovens cientistas para evitar futuras fraudes e más condutas. O Código se pauta na ideia de que a ciência deve ser uma atividade autorregulada, por ser incoerente a regulação da prática científica por agentes externos que não entendem do objeto da pesquisa. “A sociedade científica só vai poder manter essa autonomia de se auto regular, se mostrar para o resto da sociedade que pode cuidar disso direito”, defendeu Cruz.
