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A indústria química brasileira participa hoje com 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Um percentual ainda tímido, do ponto de vista de empresários e acadêmicos do setor, e que pode ser ampliado por meio da ação combinada entre ciência e indústria, na produção conjunta de inovação. O diagnóstico foi apresentado no Encontro Academia-Empresa, reunião promovida pela ABC em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e que aconteceu na segunda-feira, 12 de junho, na sede da Associação Brasileira de Indústria Química (Abiquim), em São Paulo.
A reunião mobilizou importantes nomes que atuam com pesquisa e negócios, além de representantes de representantes de instituições de fomento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O vice-presidente da ABC, João Fernando Gomes de Oliveira, ao lado do vice-presidente da regional São Paulo da Academia, Oswaldo Luiz Alves, abriram o encontro ressaltando o desafio de todos os presentes: compreender e apresentar sugestões para melhorar a inovação no setor químico, tanto em termos de novos produtos e processos quanto em novas formas de financiamento.
“A cada eleição presidencial no Brasil, a ABC elabora um documento com sugestões para o desenvolvimento do país, com enfoque na ciência e na tecnologia. A partir dos encontros Academia-Empresa, pretendemos produzir um capítulo especial voltado só para a inovação”, antecipou João Fernando à plateia, ressaltando que a série de eventos contará com outros três encontros, dedicados a promover a integração entre pesquisadores e profissionais de variados setores da economia nacional.
Presente à reunião, o co-organizador da série, o diretor-presidente da Embrapii e Acadêmico Jorge Guimarães, lembrou das ações que envolvem o Projeto de Ciência para o Brasil, iniciativa da ABC que mobilizou quase uma centena de acadêmicos e, também, um expressivo número de especialistas de diversas áreas, todos envolvidos na elaboração de propostas para o fortalecimento de setores estratégicos para o desenvolvimento do país. “Esta é uma ação da ABC movida pelo otimismo de s uma nova realidade. A ideia é gerar o sentimento de que, juntos, poderemos alçar maiores voos. Esse documento dá foco especial à busca pelo avanço da tecnologia e da interação no país”, afirmou Guimarães.
Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Acadêmico Fernando Galembeck iniciou os debates com uma análise bastante crítica sobre a posição da indústria química nos esforços de inovação do país: “Creio que o setor químico está mal representado na Embrapii”, disse Galembeck.
Ele enfatizou a necessidade de acabar com a barreira entre academia e empresa para, então, melhorarmos o nível de pesquisas na indústria química. “Todas as 34 unidades Embrapii fazem pesquisa aplicada, com forte componente científico e com experiência de trabalho com empresas. No entanto, percebemos que é preciso que haja mais unidades Embrapii para oferecer uma maior interação à industria química”, apontou Galembeck.
abiquim_1_edit.jpgPresidente da Abiquim, Fernando Figueiredo ratificou o diagnóstico de Galembeck. Também para ele, a química é uma das ciências mais inovadoras no no Brasil. No entanto, carece de impulso para avançar. “Reconheço que temos dado passos decisivos para garantir mais inovação ao setor, como é o caso do Sistema Senai de Inovação direcionado à indústria química. Mas concordo que precisamos de mais. E, por isso, quero que todos vocês vejam a Abiquim sempre como um espaço de promoção dessa integração entre academia e empresas”, ressaltou Figueiredo.
Pensando justamente em soluções que levem a indústria química brasileira a uma posição de vanguarda no cenário global, a Abiquim criou uma comissão de tecnologia, que visa monitorar e difundir fontes de fomento e mecanismos de incentivo à inovação ao setor. Vice-coordenador da comissão, o gerente de Gestão de Inovação e do Conhecimento da Brasken, Rafael Navarro, apresentou dados que mostram o quanto são ainda tímidas as iniciativas voltadas para ampliar a capacidade inovativa do setor.
“Dos R$300 milhões de contratos aprovados por meio da Embrapii, apenas 5% são voltados à indústria química. Precisamos nos posicionar melhor”, avaliou Navarro, que apontou a necessidade de ampliação do apoio da Embrapii, inclusive para as novas unidades de pesquisa do Senai. Isto é, alterar o critério que condiciona a escolha de uma unidade Embrapii ao tempo de experiência do centro de pesquisa. Nesse aspecto, o diretor de Operações da Embrapii, Carlos Eduardo Pereira, destacou que está sendo aberta uma chamada justamente para os Institutos Senais de Inovação (Isis-Senai), de forma a minimizar essa limitação.
“A Abiquim fez um mapeamento das áreas de atuação de centros de pesquisa que passaram por qualificação, bem como dos critérios de seleção dessas unidades Embrapii. Ao mesmo tempo, identificamos que os Institutos Senai de inovação tinham uma dificuldade para serem escolhidos unidades Embrapii, por não terem ainda um histórico expressivo na área. Foi assim que se criou um novo ecossistema de inovação nesses centros de inovação Senai”, contou o vice-coordenador da Comissão de Tecnologia da Abiquim.
Para Navarro, a flexibilidade na contratação de projetos, que leva em média 20 dias, é o ponto alto do modelo que a Embrapii lançou. No entanto, segundo o executivo, os institutos de pesquisa precisam ainda aprender como prospectar empresas para seus projetos. “Eles estão saindo de suas áreas de conforto. Precisaram aprender como atuar na área comercial, a trazer projetos. Sabendo disso, estamos identificando que formações precisariam ser dadas a essas unidades para que elas elaborem projetos e consigam fazer essas prospecções”, disse o gerente de inovação da Brasken.
Também à frente da Comissão de Tecnologia da Abiquim, o gerente de Inovação da associação, Fernando Tibau, ressaltou a importância de se repensar o modelo de seleção das unidades Embrapii. “A primeira crítica que se faz é que faltam sim unidades-Embrapii na área de química. No entanto, as duas que existem, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e o Senai Polímeros, não estão conseguindo contratar projetos. Precisamos entender melhor essa situação. Será que houve um problema na identificação da unidade Embrapii ou será que deveríamos ter pensado em unidades menores, porém sem histórico de atuação?”, questionou Tibau.
Galembeck sugeriu que a própria Comissão de Tecnologia da Abiquim ajude as unidades Embrapii a elaborar projetos mais abrangentes e competitivos. Já João Fernando, da ABC, lembrou da necessidade de se ter profissionais que atuem no mercado e que ajudem a pensar a melhor maneira de construir projetos inovadores. “Existe demanda na indústria química, mas é preciso que os projetos sejam mais focados”, ressaltou Paulo Coutinho, gerente do Instituto Senai de Inovação.
Inovação em curva ascendente
Apesar do atual cenário de crise econômica, as empresas não têm deixado de pensar em inovação. O panorama de investimentos futuros pela indústria foi apresentado diretor de Operações da Embrapii, Carlos Eduardo Pereira. Segundo ele, há uma curva crescente nas parcerias realizadas pela instituição. “”Até abril de 2017, contamos com 233 projetos no valor de R$ 234 milhões, lembrando que 20% são de contrapartidas das unidades, 33% de recursos da Embrapii e 46% da indústria”, disse.
No setor químico, no período de 2014 a 2016, foram contratados 173 projetos, totalizando um investimento de R$ 281 milhões. “Temos sete unidades Embrapii com competência na área química e mais cinco especializadas em química e petroquímica. Hoje, 10% dos projetos realizados por unidades Embrapii estão na área de química. Em números, isso equivale a 22 projetos na área de competência química e mais 14, se incluirmos o setor químico e petroquímico”, afirmou Pereira.
Entre as unidades com competência na área estão o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas na área de Biotecnologia (IPT-Bio), o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), a Embrapa Agroenergia, o Núcleo Ressacada de Pesquisas em Meio Ambiente (Rema/UFSC) associado ao Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina, o Senai Polímeros e o grupo Tecnogreen, ligado à Universidade de São Paulo (USP).
“Hoje, a Embrapii dá mais um passo rumo aos esforços em inovação. Estamos assinando uma parceria com o Sebrae, que visa garantir apoio a 80% dos investimentos em inovação que envolvam micro e pequenas empresas. Um acordo genérico e que vai englobar também companhias do setor químico”, antecipou o diretor de operações da Embrapii.
Desafio para inovar
abquim_3_edit.jpgPara discutir os entraves ao financiamento à pesquisa e inovação no setor químico, a ABC convidou o gerente de área de insumos básicos do BNDES, Felipe Pereira, e o gerente do Departamento de Saúde e Química da Finep, Rodrigo Secioso. A dupla apresentou alguns dos resultados e perspectivas apresentadas por meio do Plano de Desenvolvimento e Inovação da Indústria Química (Padiq), uma iniciativa conjunta do BNDES e da Finep que tem como objetivo o apoio a projetos que contemplem o desenvolvimento tecnológico e o investimento na fabricação de produtos químicos.
Com total de recursos estimado em R$ 2,2 bilhões para as operações contratadas no período de 2016 a 2019, o primeiro edital do Padiq foi lançado em novembro de 2015 e mostrou aos técnicos dos dois órgãos de fomento alguns dos desafios que emperram os investimentos em inovação. “Avaliamos que desenvolver não era o problema para as empresas e sim fazer com que os produtos cheguem ao mercado. Percebemos que falta às empresas uma visão do negócio no futuro, bem como uma noção contábil que mostre que a proposta faz sentido comercial. Não se trata de falta de competência e sim de conhecimento para inserção no mercado consumidor”, afirmou Rodrigo Secioso, da Finep.
Dos 62 planos de negócios avaliados pela comissão de técnicos do Padiq, apenas 27 foram selecionados, gerando um total de R$ 2,4 bilhões em investimentos. Do total de propostas, a maioria tem como foco a química de renováveis. Apesar de mobilizar 20 institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) em todas as regiões do país, São Paulo concentra a maior quantidade de planos de negócios apoiados pelo Padiq.
No entanto, sete dos projetos selecionados e que mobilizavam quase 50% dos recursos foram descontinuados antes da contratação. Segundo a dupla de técnicos, entre os motivos para a descontinuidade dos planos de negócio está a frequente expectativa das empresas de receberem uma total subvenção econômica por parte dos agentes financeiros públicos. E isto nem sempre ocorre, visto que os instrumentos de apoio podem ser não só o crédito, como a subvenção econômica ou a participação acionária.
João Fernando da ABC questionou o porque ainda não foi contratado nenhum projeto do Padiq, visto que o edital foi lançado em 2015. “As velocidades dos processos de inovação são maiores do que as agências têm capacidade de atingir no Brasil. A Embrapii é uma exceção. O que se observa é um prazo de 1 a 2 anos para se contratar um projeto, e que após esse período, muitas vezes o objeto do P&D já está desatualizado ou já foi desenvolvido por concorrentes mais ágeis no exterior”, ressaltou.
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Mais troca na formação acadêmica
Fernando Galembeck destacou a alta competência dos profissionais que hoje atuam tanto nos institutos de ciência e tecnologia do país quanto nas próprias empresas. Para ele, o problema não passa pela formação de mão de obra e sim por uma falta de comunicação entre os dois polos da cadeia, do conhecimento à produção.
“No Brasil, grande parte dos doutores e mestres em química e engenharia química trabalha em universidades e institutos de pesquisa. Mas há uma proporção, que não é desprezível, que atua no setor industrial. Eles estão nas indústrias de transformação, de produtos alimentícios, coque e derivados de petróleo, produtos químicos, produtos farmoquímicos e farmacêuticas. Estes, por sinal, contribuíram com 25% para o aumento de empregos para mestres e doutores, nos anos de 2010 a 2014. Isso mostra o vigor de P&D na indústria brasileira”, enfatizou. “Devemos pensar seriamente sobre a interação entre estudantes e empresas. Na Universidade de Waterloo (Canadá) no curso de engenharia de nanotecnologia os estudantes passam um semestre na academia e um semestre na indústria. Poderíamos pensar na criação de programas em que haja uma co-supervisão e co-orientacao de estudantes por parte de executivos de empresas”, sugeriu Galembeck.
Outro aspecto problemático apontado pelo pesquisador é o fato de, na maioria das universidades do país, os projetos de pesquisa serem individuais, resumindo-se a publicação de papers para periódicos científicos e menos de inovação para a indústria. “Existem infraestrutura e capital humano significativos nos institutos de pesquisa, mas a governança desse financiamento tem sido inadequada”, criticou.
Gerente de Inovação da Abiquim, Fernando Tibau reforçou o ponto de vista do professor da Unicamp. Para ele, não seria preciso uma mudança estrutural nas universidades e sim de cultura. “Temos apenas que publicizar os bons exemplos de integração entre empresários e academia e multiplicá-los”, afirmou.
Para Paulo Coutinho, o Instituto Senai de Inovação tem procurado seguir à risca essa estratégia. “Com dois anos de atividades, já temos resultados expressivos. São 521 pesquisadores, 21 institutos operacionais e três deles já são unidades Embrapii. São ao todo 369 projetos de inovação no portfólio. Falta na academia a visão das necessidades do mercado, que já temos aqui. 100% dos meus projetos são em rede e com participação da universidade e empresários”, destacou Coutinho.
Inovação na pauta do Governo Federal
Secretário da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), o Acadêmico Jailson Bittencourt garantiu que tornar a ciência, tecnologia e a inovação em um projeto de Estado faz parte dos objetivos da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2016 a 2022. “Em 2013, o dispêndio em P&D já foi da ordem de 1,24% do PIB e hoje caiu bastante. Estamos sempre com ambições maiores, mas com investimentos menores. O compromisso é que até 2022 cheguemos aos 2% do PIB. Temos formação de recursos humanos, infraestrutura e cooperação internacional para que avancemos”, disse Bittencourt.
De acordo com o secretário, do montante do faturamento do setor químico, apenas 0,5% são investidos em P&D por parte das empresas privadas e 0,7%, por meio do setor público. “O Brasil precisa de marcos legais que simplifiquem a burocracia que hoje emperra a CT&I no país. Além disso, precisamos expandir as formas de financiamento, fortalecer os Fundos Setoriais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCTs) e criar uma política consistente de incentivos fiscais que possibilite a doação para a ciência, tecnologia e inovação”, afirmou Bittencourt.
“Tenho muita admiração pelo exemplo da Embrapii, mas temos que ter a garantia de que todos trabalhem com competência e qualidade. Nesse sentido, o Marco Legal será um avanço, pois fará com que os recursos para P&D sejam remanejados facilmente e não haja diferencial entre fonte de capital e custeio”, ressaltou o secretário.
Ao final do primeiro encontro Academia-Empresa, o vice-presidente da ABC, João Fernando de Oliveira Gomes, acordou com os presentes a construção de um documento de sugestões para o desenvolvimento da inovação no setor químico. O próximo encontro da série Academia-Empresa vai se dedicar ao setor farmoquímico. O evento está previsto para acontecer no dia 26 de setembro, em Florianópolis (SC). A reunião é coordenada pelo Acadêmico João Batista Calixto.