Qual o papel da ciência no desenvolvimento tecnológico e econômico do país? O fomento à produção científica é um gasto ou uma saída para a crise? Questões como essa foram debatidas pelo grupo coordenado pelo vice-presidente da ABC João Fernando Gomes de Oliveira na sessão científica “O Valor da Ciência”, abrindo o último dia de debates da reunião Magna da ABC 2017.
O Acadêmico José Roberto Boisson de Marca iniciou a mesa trazendo números que sustentam a tese de que a ciência é fundamental para o desenvolvimento. O Acadêmico defende que países de todo o mundo sentem o impacto do investimento em ciência diretamente em suas economias. Esse investimento é feito, em geral, de forma contínua, com um aumento proporcional a cada ano, com exceção de alguns países da América do Sul, como o Brasil que, eventualmente, tem o valor anual do investimento em CT&I reduzido em relação ao ano anterior.
A Embraer, lembra Boisson, é um exemplo de empresa que, a cada investimento feito em P&D, tem um retorno substancial em receita líquida. Mais de 4% de seu faturamento é investido em pesquisa e desenvolvimento e o percentual da receita que decorre deste investimento vem tendo aumentos contínuos ano a ano. Em 2011, por exemplo, essa percentagem foi de 21%. Em 2013, subiu para 34%, seguida por 51% em 2015 e 52% em 2016.
A Embrapa é outro exemplo de empresa brasileira que investe na pesquisa e consegue bons resultados. No período de 2006 a 2015 a cada US$1 mil investidos em pesquisa, conseguiu-se um retorno de US$10 mil. “Foram 92 bilhões de dólares de benefícios advindos diretamente de investimentos em desenvolvimento tecnológico”, mostra Boisson. Além disso, os benefícios atingem também os postos de trabalhos. Foram gerados pela empresa, nesse período, 84 mil novos postos com um custo de US$ 12 mil /posto.
“O segredo”, argumenta Boisson, “é o financiamento constante. Isso é importantíssimo para a ciência e tecnologia, que não podem ter um orçamento que fica subindo e descendo. Para as empresas, principalmente, esse aspecto conta muito. ”
Outro número que ajuda a ilustrar a relação entre investimento e qualidade é o número de citações por artigo. Os países que investem mais de 2,5% de seus PIBs em pesquisa e desenvolvimento (P&D) tem uma média de 18 citações por artigo. Já os países que investem de 1 a 1,3% do PIB tem essa média reduzida para 10,5 citações por artigo. O Brasil, que se encontra nesse grupo, tem 8,96 citações/artigo.
A sugestão do Acadêmico para aprimorar o investimento científico é investir no diálogo universidade – empresas. “A melhor forma de investir em C&T é quando se tem as universidades do lado das empresas. A segunda melhor, é trazer empresas de fora do país”, defende o engenheiro.
Ciência sob a perspectiva econômica
O doutor em economia e presidente da Finep, Marcos Cintra, trouxe para o público um apanhado do debate centenário de economistas sobre a origem do desenvolvimento econômico.
Ao longo de 500 anos o desenvolvimento econômico dos países foi atribuído a diversos fatores. Ao acúmulo de riquezas no século XVI, seguido pela propriedade fundiária de terras, no século XVII, propostos pelos fisiocratas. Na virada do século XIX, com a separação dos conceitos de capital e trabalho, Jaden Smith sugeriu que é a especialização do trabalho a responsável pelo aumento da produção.
Com a escola neoclássica foi entendido que era a conjugação de todos estes fatores que culminava em desenvolvimento. No entanto, após diversos estudos que buscavam mensurar a importância proporcional de cada um deles, encontrou-se resíduos do que era chamado de progresso tecnológico e que este estaria diretamente atrelado ao avanço econômico. Este fator seria nada além do desenvolvimento científico e tecnológico em pauta hoje.
Cintra concorda também que o desenvolvimento científico é motor da economia e que é essencial que haja estabilidade nos investimentos para que ele se dê ocorrer de maneira eficiente.
O economista sugere ainda, como alternativa para o atual cenário econômico crítico do Brasil, a proteção do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), evitando deslocamentos de sua verba. “É necessário combater a dispersão de recursos. Essa tendência de pulverizar os fundos do FNDCT e deslocá-los para outras atividades é muito negativa”, explica Cintra. Ele defende ainda o orçamento base zero, no qual os cortes orçamentários são feitos em função de avaliações de todas as unidades, que devem priorizar os gastos de acordo com um relatório de eficácia comprovada de seus projetos. Esse orçamento difere do corte linear que vem sendo feito pelo Estado em momentos de crise.
Uma esperança para a inovação
O geneticista e atual diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Hugo Aguilaniu, foi o último palestrante da mesa e teve a missão de apresentar o órgão, iniciativa recente do casal Branca e João Moreira Salles e que pretende contribuir com o incentivo privado à pesquisa no país.
O Instituto funciona como uma associação privada sem fins lucrativos, cujo objetivo é “promover a ciência como um valor civilizatório” e incentivar uma ciência de excelência no Brasil. Funcionando com uma pequena equipe executiva, pretende atuar nas áreas da física, química, ciências da vida, ciências da terra, engenharias e matemática.
Os incentivos a projetos feitos pelo instituto buscarão priorizar os jovens pesquisadores, como explica Aguilaniu, oferecendo recursos flexíveis e de longo prazo e não priorizando apenas os que já apresentam um alto grau de aplicabilidade. “Além disso, o Serrapilheira buscará descentralizar geograficamente a ciência produzida no país, apoiando projetos de diferentes regiões e dando especial atenção à inclusão de minorias”, explica o geneticista.
O Instituto adota como missão também a divulgação científica, de forma que aproxime o que é produzido dentro da comunidade acadêmica do público em geral e que derrube mitos que rondam os cientistas e seu trabalho, facilitando o entendimento de que a ciência não está descolada da realidade e da rotina.
Questionado pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich sobre o que diferencia o Serrapilheira dos principais órgãos públicos de fomento, Aguilaniu reforçou que o principal diferencial é a forma de oferta dos recursos. Diferente dos órgãos públicos, eles são flexíveis, permitindo que o Instituto invista em projetos arriscados, possibilidade que a via pública não tem.
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