O presidente da ABC Luiz Davidovich e o presidente do CNPq Mario Neto Borges
A manhã da sexta-feira, 17 de fevereiro, foi marcada por uma reunião entre os Acadêmicos e o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na Academia Brasileira de Ciências (ABC). O novo gestor do Conselho, Mário Neto Borges, que tomou posse em 2016, queria ouvir as dúvidas, sugestões e solicitações dos membros da Academia e, para isso, sugeriu o encontro, que contou com uma breve apresentação das propostas do CNPq e, em seguida, abriu espaço para que os Acadêmicos pudessem fazer suas colocações.
Em sua apresentação, Borges lembrou que o Brasil caiu da 75ª para a 81ª posição no ranking de produtividade mundial do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) e destacou o atraso do país na área da inovação. “Sabemos muito bem fazer ciência, mas a tecnologia e inovação estiveram um pouco adormecidas nos últimos anos”, pontuou. Ele explicou que, em sua gestão, o CNPq trabalhará em fortalecer as duas outras pernas do desenvolvimento – tecnologia e inovação – mas sem que isso represente qualquer prejuízo ou descaso nos investimentos diretos em ciência. Para isso, buscará, principalmente, fortalecer a articulação entre as agências de fomento públicas e privadas e as empresas.
As perguntas dos Acadêmicos giraram em torno de temas como a crise econômica que vem afetando as fundações estaduais de amparo à pesquisa, as bolsas fornecidas pelo CNPq para pesquisadores e os entraves que têm prejudicado este repasse, assim como as estratégias do Conselho para alavancar a inovação.
O Acadêmico Jerson Lima (foto à esquerda), professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), sugeriu uma intervenção do CNPq junto ao governo federal para que este pudesse dar algum apoio aos estados. Sugestão semelhante foi dada pelo Acadêmico João Alziro Herz da Jornada, ex-presidente do Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do SUl (UFRGS), que acredita que fazer um trabalho direto de apelo junto aos governadores dos estados pode chamar atenção da esfera estadual sobre a necessidade de fomento à ciência. Mario Borges concordou, lembrando que duas reuniões do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) foram feitas, uma delas com a presença do presidente Michel Temer, e que a ele foi pedido que orientasse os governadores dos estados a destinarem uma parte dos recursos da repatriação para CTI.
Já para a Faperj, o CNPq busca um acordo no qual possa encaminhar uma parte dos recursos para a Fundação, caso ela cumpra uma contrapartida estabelecida. O ex-presidente da ABC Jacob Palis pontuou então que, para isso, é necessário que a verba depositada pelo CNPq seja de fato paga, uma vez que o dinheiro é recebido, mas fica bloqueado por causa da dívida do estado com a União. “É uma medida que impede a Faperj de receber o dinheiro federal e acredito que isso aconteça em outros estados também”, explicou Jerson Lima.
Outra questão levantada e que permeia o tema são os entraves burocráticos que atrasam ou até mesmo inviabilizam projetos de pesquisa. A Peugeot Citröen, por exemplo, tem um convênio com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) bloqueado pelo governo devido às dívidas do estado, mesmo este dinheiro sendo privado, o que torna o bloqueio irregular. “Queria pedir que houvesse uma força-tarefa para destravar isso e que parássemos de agir como se fossem tempos normais, por que não são”, solicitou a Acadêmica Eliete Bouskela (foto à direita), professora da UERJ. “Para haver inovação é preciso agilidade e não estamos tendo isso”, completou ela.
Dúvida compartilhada por muitos Acadêmicos, a questão das estratégias usadas pelo CNPq para investir em inovação tomou boa parte das atenções. O diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ), o Acadêmico Edson Hirokazu Watanabe argumentou que a formação do profissional hoje é muito voltada para o conhecimento e pouco para a inovação e alegou que o senso comum valoriza a ciência quando ela serve ao público final. “Algumas pessoas confundem o conceito de inovação. A inovação deve ser algo novo, sim, mas também que seja aprovado pelo mercado”, defendeu ele.
Mario Borges apresentou, então, uma série de medidas que estão sendo postas em prática ou que planeja efetivar em sua gestão: o programa Inova Talentos da Conferência Nacional da Indústria (CNI); a bolsa Jovens Talentos para Inovação, em parceria com a Embrapii, que tem um olhar direcionado à inovação; o doutorado industrial – que tem sua experiência piloto na Universidade Federal do ABC e consiste em fazer com que os doutorandos tenham uma período de estudo inicial na indústria e levem os problemas encontrados para serem estudados e resolvidos no doutorado. Além dessas iniciativas existe também a Tecnova, em parceria com as fundações de amparo estaduais e que é necessária para destravar burocracias que atrasam o andamento dos projetos, bem como outras medidas que tem como apoio o requisito já estabelecido do CCT de fortalecer a inovação.
Alguns Acadêmicos manifestaram preocupação com a posição do CNPq de agente fomentador de inovação, deixando de lado o apoio à ciência. A Acadêmica e pesquisadora da UFRGS Thaisa Storchi-Bergmann mencionou a dificuldade que a universidade vem tendo para atender pedidos de bolsa e lembrou que o valor do auxílio é o mesmo desde 2010. A Acadêmica Débora Foguel, professora e ex pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lamentou o fato de tantos estudantes estarem deixando a universidade, desestimulados com a carreira científica. “Nunca tivemos oito bolsistas no exterior desistindo”, contou ela. O Acadêmico Antonio Carlos Campos de Carvalho, também da UFRJ, reforçou o argumento: “Acho que já temos agências demais de inovação e as universidades passam por momentos de penúria.”
Mario Borges (foto à esquerda), no entanto, assegurou que o espaço da ciência não será perdido e que o CNPq não desviará a atenção dela para focar na inovação. Lembrou do corte de 20% de bolsas de iniciação científica que foi evitado e que estão estudando conseguir mais bolsas além das 49 já conquistadas. Reforçou a importância de estimular nos jovens o espírito empreendedor e o papel fundamental da divulgação científica nisso – ponto que já havia sido levantado pelo Acadêmico e editor dos Anais da ABC (AABC) Alexandre Kellner.
“Quero cumprir a missão do CNPq que contém inovação, mas sei que não será o CNPq sozinho que fará isso”, explicou Borges, fazendo alusão à integração entre o Conselho, a Capes e Finep. “Se não convencermos a sociedade que temos um valor, vamos nos auto-extinguir, mas isso não será feito em detrimento das bolsas de pesquisa”, completou. Ele já havia explicado também que todos estes projetos não terão interferência na verba que é reservada para a ciência e explicou como está o orçamento do CNPq para este ano. Depois de um pico em 2013, a verba do Conselho veio caindo até 2016, ainda que tenham fechado o ano com saldo positivo. Após abaixo assinado amplamente divulgado pela comunidade científica, o ministro Gilberto Kassab conseguiu reverter a política que definia que o dinheiro dependeria da arrecadação do governo, deixando o orçamento de 2017 para CTI em R$1,7 bilhão. “Temos um começo de 2017 confortável”, explicou Borges.