O centenário da Academia Brasileira de Ciências (ABC) foi motivo de celebração na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de 3 a 9 de julho na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro. No dia 4 de julho, foi realizada uma sessão especial comemorativa dos 100 anos, pois, conforme afirmou a Acadêmica Helena Nader, presidente da SBPC, “ter uma instituição na área da ciência centenária é motivo de muito orgulho, em um país que preza pouco a sua história.”
“Fizemos questão que a passagem do centenário da ABC fizesse parte da Reunião Anual, por tudo que a Academia representa para a ciência, para o país e para a própria SBPC”, afirmou Helena. Ela comentou a parceria das duas instituições “irmãs”, que já conquistou importantes vitórias para a comunidade científica e para a sociedade. O próprio nascimento da SBPC, em 1948, teve a participação de vários Acadêmicos e cientistas que atuaram na Academia, como Mauricio Rocha e Silva, criador da Sociedade, e do ex-presidente da ABC Jacob Palis, que foi diretor da SBPC.
Juntas, a ABC e a SBPC atuaram, por exemplo, na criação da Capes e do CNPq, no início dos anos 50. Mesmo mantendo agendas próprias, a parceria se intensificou nos últimos anos. “Em 2009, realizamos um estudo analisando em profundidade as deficiências para um Marco Legal de C&T e propusemos melhorias em relação as fundações de apoio, que era um ponto nevrálgico do sistema”, contou Helena. Esse estudo foi entregue pelos presidentes da ABC e SBPC à época, Jacob Palis e Marco Antonio Raupp, ao então presidente Lula, na 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCTI), em 2010. A partir disso, Lula assinou um decreto que acatava muitas das propostas apresentadas. “O sistema de CT&I voltou a respirar sem ajuda de aparelhos.”
Outra agenda comum e vigorosa foi o grupo de trabalho ABC-SBPC que encaminhou propostas para o Código Florestal, com a produção de dois livros, distribuídos durante a Rio+20, em 2012. “Mesmo que nossas propostas tenham sido utilizadas aquém do esperado, influenciaram de alguma maneira para o Código ficar distante de formulações extremas.”
Mais um exemplo de pauta comum foi o novo Marco Legal de CT&I, aprovado no início deste ano. “Participamos de muitas reuniões com outras entidades, governo e parlamentares. Temos um novo Marco Legal muito melhor do anterior porque contou com representatividade da comunidade científica.” Helena afirmou que, quando as entidades se apresentam conjuntamente, conseguem mobilizar mais facilmente outras instituições do sistema, como o Consecti, Confap e entidades empresariais dedicadas a inovação, como CNI, Anpei e a Anprotec.
“As agendas comuns estão cada vez mais vigorosas, e estamos nos posicionando em conjunto em praticamente todas as pautas da ciência, da Lei de Acesso à Biodiversidade ao destino de se ter no MCTI [Ministério de CIência, Tecnologia e Inovação] um político com agenda religiosa, incluindo a luta para que a tríade ciência tecnologia e inovação volte a ser apresentada em um Ministério autêntico, sem fusão”, ressaltou Helena Nader.
O presidente da ABC, Luiz Davidovich, destacou o papel de Helena Nader como “guerreira da ciência” e o trabalho em conjunto das instituições como essencial em um momento difícil como o atual, em que muitos projetos estão parados por falta de recursos. “Recuperar o orçamento de ciência e tecnologia para que o Brasil possa continuar na corrida é prioridade e a parceria com a SBPC é fundamental.”

Ele contou a história da Academia Brasileira de Ciências, criada em 3 de maio de 1916 por alguns cientistas de peso, entre eles Henrique Morize (foto), seu primeiro presidente, Oswaldo Cruz, Roquette-Pinto e Juliano Moreira. Comparada a academias da Europa, a ABC é jovem, mas o início tardio está ligado a uma história peculiar da ciência no Brasil. Em 10 de maio de 1747, Dom João V proibiu a impressão de livros no país e, em 1785, Dona Maria I, “a louca”, proibiu manufaturas no Brasil. Apenas a partir de 1808, quando a família real se transferiu para cá e precisava de imprensa, escolas de medicina e outras inovações, o país começou a se desenvolver, sendo criados o Jardim Botânico, o Museu Real etc.. Após a independência, em 1822, surgiram faculdades de direito, o Observatório Astronômico, o Instituto Agronômico de Campinas e outras importantes instituições.
Quando a ABC foi fundada, tinha 43 sócios, nas áreas de físico-química, ciências biológicas e matemáticas. A maioria era do Rio de Janeiro. Em 1919, aconteceu a observação do eclipse solar, em Sobral, no Ceará, que foi importantíssima para a confirmação da teoria da relatividade de Einstein. A coordenação da equipe brasileira foi do então presidente Henrique Morize. “Então, naquela época, a ABC já tinha uma participação ativa”, comentou Davidovich. Em 1925, A Academia recebeu a visita de Albert Einstein e, em 1926, de Marie Curie, que foi a primeira mulher a receber o título d emembro correspondente da ABC.

A ABC de 2016
Hoje, a ABC conta com mais de 900 membros, entre titulares, correspondentes, associados, colaboradores e afiliados, esta última categoria criada por Jacob Palis para jovens cientistas de até 40 anos, que fazem parte da Academia por cinco anos. “Foi uma grande ideia para atrair estes pesquisadores e influenciar a Academia com mentes jovens”, afirmou Davidovich. Além disso, a ABC tem, atualmente, 73 membros titulares mulheres, 13,65% do total. “É mais do que academias de primeiro mundo, mas pouco pelo nosso entendimento. O aumento tem que ser perseguida, começando pelos afiliados.”
Davidovich também comentou que a ABC tem importantes relações científicas internacionais, com instituições como a Rede Interamericana de Academias de Ciências (IANAS), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS). Produz, ainda, estudos sobre temas estratégicos, como educação básica e superior, recursos hídricos e Amazônia. Iniciou, recentemente, um grupo de estudos sobre desigualdade no Brasil e deve lançar, em breve, outro para se discutir um projeto de ciência para o país, que será o tema da próxima Reunião Magna, em 2017.

Débora Foguel refletiu sobre como seriam os próximos 100 anos da ABC e da ciência brasileira, esperando que, até lá, já tenhamos construído um futuro melhor. Ela mostrou um ranking de pesquisa e desenvolvimento em que o Brasil está situado nos níveis mais baixos. E questionou: “Será que esses países que estão no topo investem em C&T porque são mais ricos ou são mais ricos porque investem em C&T?”



O Acadêmico informou que o processo de conhecimento exponencial começou quando foi fundada a Royal Society (RS), no Reino Unido, em 1660, “uma sociedade de gentlemen buscando conhecimento e um validava os conhecimentos do outro” – peer review. A monarquia inglesa, então, começou a achar a RS útil porque emitia opiniões desinteressadas, e aí começou o apoio financeiro com dinheiro público. “A ciência é algo criado por nós, fundamentalmente ligada à sociedade e altamente dinâmico. A lição, hoje, é que não temos no Brasil um imaginário social construído sobre ciência; temos que fazê-lo, é uma missão para os cientistas.”
Para que a sociedade possa saber mais sobre a história e a importância da Academia Brasileira de Ciências, uma mostra interativa, com jogos para crianças, está sendo exposta na ExpoT&C da Reunião Anual da SBPC até o dia 9 de julho, na UFSB. A exposição também foi exibida, em maio, no Museu do Amanhã e no Congresso Nacional, em Brasília. Além disso, uma revista sobre a história da ABC e um gibi sobre 18 grandes cientistas brasileiros podem ser baixados gratuitamente no site da Academia.
